Diário de Bordo #20 - Os garotos voltaram para a cidade: 15 anos de banda Genomma
- Felipe Schadt
- há 3 dias
- 16 min de leitura

> O clássico do Thin Lizzy, The Boys are back in town (1976), tocava em alto e bom som no interior daquele teatro que faria as vezes de uma casa de show naquela noite. Como um convite de Phil Lynott, Jeck, Kindim e Lucão entraram no palco. Eu fiquei na coxia, vendo parte da cena, mas ouvindo os três, um por vez, serem ovacionados pelas mais de 100 pessoas que encheram a sala Glória Rocha numa quinta-feira.
Naquele curto instante entre o fim do playback da música dos irlandeses do Thin Lizzy e os três toques no chimbal da nossa primeira canção de abertura, eu fui capaz de visualizar os 15 anos que dediquei parte do meu tempo àquele projeto que começou numa garagem e que estava, agora, em um dos palcos mais icônicos da cidade.
Foi ali, no escuro dos bastidores, sozinho, que eu realizava que o show dos meus sonhos estava prestes a começar. Depois de 483 dias longe dos palcos, a Genomma voltava para o seu lugar favorito em um mundo que ela insiste em tentar mudar. A banda já havia começado os primeiros acordes da introdução de Mas você não consegue entender que eu te amo, era a minha deixa e eu precisava entrar. Respirei fundo, dei três pulinhos como o menino de 15 anos atrás teria feito antes de subir num palco. Saí da escuridão rumo à luz e aos aplausos.
Os garotos voltaram pra cidade para existir e resistir.
Câmbio!
...
Não há nada nesse mundo que eu aprecie - e necessite - mais do que os aplausos. Sempre fui exibido, fazer o que? E enquanto eu caminhava a passos milimetricamente calculados rumo ao centro do palco, ouvi muitas palmas e gritos direcionados a mim e ao meu alter ego, uma mistura de Bono com Chris Martin que nunca deram certo.
Óculos escuros, roupa preta, pose de machão com medo. Eu era a caricatura perfeita daqueles que eu tentava imitar. Um perfeito "ex-futuro rockstar" que deslisava no palco movido pela euforia da plateia. "Vamos! Gritem mais!" pedi telepaticamente e gesticulando com um corpo possuído pelos deuses da música. Fui atendido. Aquele teatro era meu e aquelas pessoas estavam nas minha mãos.

Hipérboles à parte, foi o que eu senti quando entrei no palco para cantar nossa música de abertura. Tínhamos criado o clima perfeito para essa entrada triunfal. O problema é que estávamos prestes a cantar uma música que quase ninguém conhecia. Para todos os presentes, seria uma chuva de novidades. A parte boa é que ninguém estava de guarda-chuva.
Eu cantava sobre a tentativa de explicar o quanto eu sou capaz de amar, mas que se torna uma tarefa impossível se quem me ouve não entende isso. Depois de um "Boa noite Jundiaí!!!" desafinado no raro momento de calmaria da música, eu resolvi testar o meu poder daquela noite. "Cantem com a gente", pedi antes de declamar o refrão que dizia "Mas você não consegue entender que eu te amo". Os próximos versos eram só essa frase e para o espanto do Kindim que não escondeu o riso de orgulho, o teatro inteiro estava entoando o refrão de uma música nossa.
Não deixamos eles respirarem. Lucão emendou na bateria com uma maestria fenomenal a segunda música da noite. A galera aplaudiu mesmo assim e O Banquete estava prestes a ser servido. Tirei meus óculos e coloquei ele, junto com o meu alter ego, dentro do bolso da jaqueta que arrancaria muitos aplausos nos minutos seguintes.
Imagina você entrar em um bar e encontrar Platão, Aristóteles e Jesus. Pode até parecer o início de uma piada ruim, mas é o que canto nessa música. Alguém que quer descobrir o que é o amor e pergunta para cada um dos três que, retoricamente, explicam o que acham sobre amar. Platão primeiro, Aristóteles na sequência e Jesus no arremate.
Ao fundo, um coração humano - o de verdade, não a sua representação fofinha - batendo acelerado no telão e indicando que amar é muito mais racional do que se imagina. "O desejo e a alegria do outro sempre em primeiro lugar. Quando entender isso, vai aprender a amar!". Lembra da jaqueta? Nesse instante eu segurei uma de suas pontas com a mão esquerda e a abri mostrando uma bandeira do Orgulho LGBT estampada na parte interior. "Cante o Amor", anunciou o telão. O recado estava dado, aquilo não seria só uma apresentação de rock, seria um espetáculo cheio de mensagens.
Para todos os presentes, seria uma chuva de novidades. A parte boa é que ninguém estava de guarda-chuva.
Foram só duas músicas e eu estava em pura euforia. Eu soube ali que seria a nossa noite o que quer que acontecesse. Mas era hora de falar com a plateia. Dar um "oi", deixar claro o quanto estávamos felizes.
A felicidade te deixa muito à vontade. Eu estava tão confortável que resolvi abrir meu peito e expor minha alma para todo mundo. Eu estava vulnerável demais, mas me sentia seguro no meio de toda aquela gente que foi nos prestigiar. De alma nua, contei que a canção que cantaríamos na sequência se tratava de um pedido de desculpas de minha parte para o resto da banda. "Eu cometi um vacilo com esses caras aqui e escrevi essa canção para pedir desculpas. Felizmente eles me perdoaram". E se você quer saber o que eu fiz para precisar pedir perdão, ouça essa história completa aqui.
Após DNA, tocamos uma das músicas mais legais da banda, ou pelo menos, a mais "radiofônica" de todas: Munique. Depois que a banda voltou a ativa, fizemos um show em 2015 em Campo Limpo Paulista e um amigo do Kindim foi assistir ao show. Ele teve a ideia de levar uma moça e fazer do evento o primeiro encontro dos dois. Felipe Moreno me confidenciou uma vez que foi enquanto tocávamos Munique que ele e a moça se beijaram. Dez anos depois, ele e a moça - agora sua esposa - estavam na terceira fileira da plateia com sua filha. Vieram de Curitiba para assistir ao show. Eles não sabem, mas eu pensei muito neles enquanto cantava.

Tudo no show da Genomma é teatralizado. Não gostamos daqueles silêncios constrangedores que tomam o palco entre uma música e outra. Eu tenho pavor disso, na verdade. Acho feio. Parece que a banda está perdida e não sabe o que fazer na sequência. Então, nós temos algumas músicas só instrumentais para preencher o vazio. E precisávamos preencher um grande vazio, pois eu tinha que me preparar para ir ao teclado para tocar a próxima faixa. Enquanto me ajeitava, os rapazes tocavam EUniverso e o telão mostrava uma viagem interestelar.
Sonar é um instrumento que funciona basicamente como um radar, porém usa pulsos sonoros no lugar das ondas de rádio e é comumente usado por submarinos. Seu barulho é tão característico que quem o escuta já entende que algo está nas profundezas de um oceano. Foram dois toques que anunciaram o início da música mais bonita da Genomma, Mar Aberto.

É uma música que não nos permitimos errar. Temos tanto cuidado com ela que, enquanto ensaiávamos para o show de 15 anos, brigamos algumas vezes para ajustar sua execução. Mas como a própria música sugere, nós mergulhamos fundo em nós mesmos e, como em um transe coletivo, nadamos juntos em cada acorde dessa canção. Quando acabou, eu pensei o quanto eu iria gostar de estar na plateia assistindo a esse momento.
Mas toda a concentração foi por água abaixo quando eu precisei fazer a emenda com a música seguinte. Eu só precisava apertar 15 teclas na sequência certa. Sequência essa que eu havia treinado exaustivamente e que não só conhecia como havia eu mesmo criado. Mas eu sempre erro. Não deu outra. Errei. No bar, horas depois do show, Carol - minha companheira - perguntou com muito jeitinho se eu havia errado na introdução de Fogo e não fagulha. "Errei... Eu sempre erro", disse com total despreso por mim mesmo.
Mas para a grande maioria ali, o erro passou despercebido. Para muitos, era a primeira vez que ouviam a música e, portanto, uma ou duas notas fora do lugar não fez tanta diferença. Mas eu fiquei com uma espécie de raiva, brio para falar a verdade. Cantar aquela música havia se tornado uma questão de honra pra mim. Mas eu estou numa fase de tentar não me levar a sério. Assim que eu olhei para o Kindim, ri da minha própria desgraça. Ele riu junto. E as coisas ficaram leves outra vez.

"Cuida de mim" é o que eu imploro nessa canção. Escrevi Fogo e não fagulha em um momento de muita vulnerabilidade emocional. Eu estava enfrentando uma depressão e crises de ansiedade quando finalmente entendi que sozinho eu não ia vencer. Toda vez que eu canto ela, lembro dos episódios de desespero que eram contornados por respiração funda e pés no chão. Aprendi essa técnica com a minha psicóloga que estava na plateia com sua filha. A Ana não é mais minha terapeuta, pois escolhi perder a psicóloga para ganhar uma amiga e sua filha, agora é minha aluna. E eu já já vou falar dos meus alunos, eles são uma parte importante desse relato.
Antes disso eu preciso falar sobre saudade. Eu tenho uma teoria, sabe? Uma que diz que a saudade é a comprovação metafísica de que fomos felizes. Um dia eu escrevo sobre e quando eu me tornar um clássico da filosofia, talvez essa frase seja altamente reproduzida nas redes sociais e atribuída a outra pessoa. Enquanto isso, eu falo sobre saudade. Ou melhor, canto sobre saudade.
Muros de Jornais é uma música que até parece triste, mas na verdade é sobre esse momento feliz que nos faz sentir saudades. Eu sempre a dedico para todo mundo que sente saudade, sobretudo de pessoas que já se foram e não podem mais voltar. Senti o silêncio do teatro invadir o coração de cada uma daquelas pessoas sentadas a minha frente. E eu só não pedi para fecharem os olhos, pois soaria religioso demais. E nada contra, mas eu não queria transformar aquele teatro em um templo.
Tarde demais. Quando eu notei, eu mesmo estava com a testa encostada no microfone, durante o solo de guitarra do Jeck, rezando pelas pessoas que já não estão mais presentes na minha vida. Eu havia me tornado um pastor de mim mesmo tentando guiar meu espírito para uma zona de nostalgia. As palmas me despertaram. O culto havia acabado.

Pedi para que todos aqueles que sentiam saudade olhassem para as nuvens. Lá estaria a resposta. Muitos entenderam que era uma clara referência ao céu, como quem diz "as pessoas que vocês amam e que se foram estão no paraíso". Pode até ser que sim, mas na verdade era uma deixa para que a Carolina Costa - quem controlava os vídeos no telão - pudesse dar o play em Nuvens, um instrumental de piano que fiz em um dia nublado. Era mais uma daquelas músicas para evitar o silêncio entre uma canção e outra.
Nós quatro nos alinhamos na frente do palco. Íamos fazer a performance de Perfeito Lugar, a primeira música que eu fiz na minha vida lá no já longínquo 2005 (exatamente, a música é mais velha que a própria banda). Essa música é muito parecida comigo, pois ela, assim como eu, passou por várias transformações ao longo dos anos mas nunca perdeu as características que fazem dela ser o que é. E ela é uma música ridiculamente boba que fala de amor. Exatamente como eu.
Após me declarar para todo mundo, eu resolvi me declarar para os meus alunos e alunas que representavam a grande maioria dos presentes naquela noite. Resolvi dedicar Átomos no vazio para todos eles, mas isso custaria um preço: eles teriam que cantar o refrão comigo. "Eu confesso que com fé eu sou, um alguém que você já gostou". Essa música é sobre Demócrito, filósofo de Abdera que acreditava que tudo que existe são átomos no vazio. E se o amor existe, ele é átomos no vazio.
E eu consegui sentir cada um desses átomos quando ouvi meus alunos e alunas cantando o refrão dessa música racionalmente emocionante. Foi lindo, um momento de pura catarse. Eu só sorria. O sorriso mais sincero que saiu de mim durante aquele coro. Não queria que acabasse, mas se tem uma coisa que eu aprendi é que o fim é importante para darmos valor para o caminho, e caminhar com meus alunos é tudo que mais quero.
Muitos deles - ou talvez todos que já me viram ao lado de uma lousa - já me ouviram dizer que o meu lugar no mundo é na sala de aula. Mas tenho que ser sincero, eu também me senti encaixado com o cosmos naquele palco. Minha conclusão: sala de aula ou palco, meu lugar no universo é onde meus alunos e alunas estão. "Eu amo vocês!", foi a forma que encontrei para verbalizar o que se passava no meu coração assim que a música acabou.

Quem nunca sofreu por amor que atire a primeira pedra. E nesse quesito eu sou expert (em sofrer e não em tacar pedras)! Uma das história de sofrimento mais marcantes da minha vida está retratada em Eu não serei seu caos. Um menino nerd que se apaixonou pela menina mais bonita da escola. Após muitas tentativas, idas e vindas, glórias e decepções, ele resolveu criar a fórmula química do amor. Duas moléculas de oxigênio, oito de carbono e tudo isso arranjado em um formato de coração. Numa folha de caderno, no meio da escola, ele mostrou a façanha para a menina bonita que, estupefata com a delicadeza da descoberta pseudocientífica, o beijou na frente de todo mundo no intervalo.
Mas ela abandonou o menino... "Eu avisei!", gritou uma mulher na plateia. Era minha mãe dizendo o que todo mundo já está careca de saber: Mães sempre sabem de tudo. E de fato ela me avisou na época. E de fato a intervenção de dona Josy arrancou gargalhadas do público presente. Obrigado mãe. E obrigado pai! Ele não me avisou nada na época e nem fez a plateia rir, mas estava presente. Foi o primeiro show, em 15 anos de banda, que o senhor Anselmo esteve na plateia. Evitei olhar para o meu velho. Certamente eu me emocionaria e perderia o ritmo. Minha irmã também estava lá. Família completa!
E falando em família, houve aqueles que não puderam estar presente mas nunca se fizeram ausentes. É o caso da minha tia Sandra - madrinha que na verdade é uma segunda mãe - que não pode assistir ao show, mas que se não fosse ela e sua empresa Sanauto, esse show não teria acontecido. Obrigado, tia. Obrigado por acreditar tanto no sonho do seu sobrinho ao ponto de patrocinar esses devaneios.
E nesses 15 anos de banda, eu sempre deixei claro algo para todos os meus companheiros de música: eu queria ser o Bono. Isso já me causou inúmeros problemas, mas fui enfiando U2 goela abaixo de meus amigos até eles entenderem que não daria para lutar contra. E tudo começou no primeiro show da Genomma, num festival de bandas de Jundiaí. No set list, três músicas, duas do U2 e uma autoral (Perfeito Lugar na sua versão jovem).
Uma das músicas do U2 que tocamos foi With or without you e por isso ela precisava estar no repertório do show de 15 anos. Além disso, eu sou o fã brasileiro que tem os óculos do Bono. Pois é, o vocalista do U2 me deu seus óculos em mãos no terceiro show da última passagem da banda aqui no Brasil. Se duvida, clica aqui.
Eu guardo esse presente como se fosse meu Santo Graal e foram raras as vezes que eu coloquei no rosto. Mas estamos falando de uma noite especial e eu achei que seria legal eu vestir os óculos no exato momento que a banda começasse a tocar With or without you. Bom... foi muito legal! E lá estava eu, 15 anos depois tentando ser o Bono mais uma vez. Bom, pelo menos eu estava tentando fazer isso com os ósculos do próprio. Quem mais teria essa chance?

E se o Bono é performático, eu também fui. Saí do palco, dizendo adeus, indo embora e levando comigo meu ídolo encarnado. Jeck e Kindim foram comigo ao passo que abandonavam seus instrumentos. Lucão ficou e encerrou sozinho aquela parte do show. Cabia a ele dizer quando pararíamos, já que foi graças a ele que conseguimos voltar a tocar.
O público até ensaiou pedir bis, mas o telão mostrava que o show não tinha acabado. A última resposta é uma faixa poema que escrevi para encerrar o nosso segundo trabalho de estúdio, Como Reverter A Entropia Do Universo. Um poema que fecha e responde a pergunta do título do álbum.
E voltamos encarando o silêncio e a luz. Nosso amigo Will Regis estava controlando a iluminação para gente e dando um toque especial no show. Se não fosse ele, as coisas ficariam menos brilhantes. O silêncio foi proposital, queríamos que a plateia ouvisse a própria respiração antes do Jeck entoar o riff inicial de Alma, uma música que tem no primeiro verso justamente a palavra "respiração".
Após gritar que "meu universo não tem fim", me senti pronto para o que eu julgava que seria a parte alta do show. Eu tentei criar mistério, mas o Fila Benário, amigo e sempre presente, gritou com toda ironia que conseguiu juntar quando me viu entrando com um case de violão: "O que será que é?"
Yellow do Coldplay já está no repertório da Genomma há alguns anos e, há dois, eu havia sido presenteado pelo próprio Chris Martin com um de seus violões. Sim, eu sou o cara que foi aos 11 shows do Coldplay no Brasil e que ganhei o violão. Duvida também? Então clica aqui.
A lógica para os Óculos do Bono, funcionou para o Violão do Chris Martin. Eu iria, pela primeira vez, tocar Yellow num show da Genomma com ele. Comecei fazendo um voz e violão, bem calminho, mas a banda toda entrou após a forte introdução do poderoso timbre do violão Martin. Como o próprio FIla Benário postaria depois em suas redes, que apelação! E a apelação foi grande muito também graças ao som impecável naquele teatro. Windi Ribeiro, nosso produtor, foi o técnico responsável por fazer nossa música chegar perfeita aos ouvidos de quem foi nos assistir.

Antes de encerrar a música, improvisei umas palavras sobre sonhos. Aquele violão e aqueles óculos eram as provas definitivas para mim de que quem acredita sempre alcança. Me lembrei mais uma vez de Renato Russo (a primeira tinha sido em Munique quando improvisei Giz no final da música). "Se você acredita no seu sonho, é o primeiro passo para realizá-lo" e cantei o potente refrão de Mais uma vez, aquela música que diz que "é claro que o sol vai voltar amanhã" e que "quem acredita sempre alcança".
Estar no Glória Rocha era um sonho realizado. Uma banda autoral não tem vida fácil em uma cidade como Jundiaí. Essa frase eu já cansei de dizer em conversas - gravadas ou não - para minha amiga Tainan Franco que compadece da minha narrativa. Ela, inclusive, que é a maior incentivadora de cultura dessa cidade, sempre representou para gente uma espécie de "madrinha". Foi em seu festival, o Música MOV, que tivemos nossa primeira experiência de artista que é valorizado como se deve.
O que eu quero dizer é que durar 15 anos fazendo música autoral é um ato de resistência muito grande. Procurar espaço onde não tem, se sujeitar a tocar em lugares que não fazem a mínima questão da sua presença, tirar do bolso todo o investimento necessário para só existir no cenário... Não é fácil e é por isso que das bandas da nossa época, sobraram o suficiente para contar nos dedos de uma única mão.
E a gente resiste tanto porque a gente acredita mesmo que nossas músicas podem mudar o mundo. "Vocês ganharam uns bottons na entrada do show" - nossa marca registrada - "esses dois Ms que estão aí significam Mudar o Mundo". Foi assim que iniciamos a penúltima música da noite, Prisioneiro de mim.
Após apresentar cada um de meus companheiros e cantar o refrão pela última vez na música, eu fiz o que sempre faço nesse momento da canção: me ajoelhei junto ao pedestal no centro do palco e rezei. Rezei agradecendo por ter a oportunidade de, ao lado dos meus melhores amigos, passar uma mensagem que realmente acredito. Ao final, a plateia aplaudia de pé. Quero pensar que eles estavam tão gratos por aquela noite quanto eu.

Mas ainda faltava uma música, Metade do céu. O primeiro single do nosso segundo álbum é muito potente e tem alguns fãs por aí. Ela era nossa música de abertura, mas serviu muito bem como de encerramento pois é energizante! Gostamos de encerrar ela entoando aleluias junto com o peso da guitarra, do baixo e da bateria. Terminar um show de rock cantando aleluia é subversivo o suficiente para mim. Gosto de como isso soa.
A noite mágica havia chegado ao fim. Vi o Visconde - ou Lucas Camargo para os desavisados - passeando com sua câmera para captar as reações mais sinceras da plateia iluminada pela luz geral. E se tem alguém que sabe captar esses momentos é ele, o cara responsável por todos nossos videoclipes, um parceiro incrível, o quinto membro da banda. Eu assistia a sua dança alí do palco enquanto tentava reconhecer alguns rostos. Fomos aplaudidos, sei lá, por quase dois minutos. "É assim que se sentem os artistas em Cannes?", pensei. Olhei para trás e vi o telão mostrar com letras garrafais a nossa mensagem principal: "Mudar o Mundo". Meu mundo havia mudado naquela noite.
Meu devaneio foi interrompido por Giuliana Bonequini, a nossa fotógrafa que pediu para tirarmos aquela boa e já manjada foto com a plateia. Eu particularmente acho muito clichê e sempre evitei essa foto. Ela me soa como um comprovante, um atestado de presença de público. Mas fui convencido, afinal de contas, não é todo dia que uma banda autoral coloca mais de 100 pessoas num teatro numa quinta à noite.

O refrão de Terra sob mim sai das caixas de som do teatro. Era o sinal para agradecermos, ir e deixar ir. A gente ainda tinha que desmontar tudo e sair o mais rápido possível do teatro para que ele pudesse ser devidamente fechado. O "glamour" de banda pequena que ninguém te conta, mas que você obviamente sabe. Só que eu precisava sair do palco para fazer algo tão importante quanto guardar a parafernalha dos instrumentos.
Pela passagem "secreta" na lateral do teatro, saí bem na porta de saída da plateia para agradecer, se possível, todos os presentes ali. Não era mais o vocalista da banda de rock, era só o Felipe Schadt agradecendo meio que sem jeito os elogios que vinham acompanhados de pedidos para foto. Abracei tanta gente querida, conversei uns segundos com tantos amigos, revi tantas pessoas amadas. Foi a cereja de um bolo delicioso de aniversário de 15 anos.
Entre papos, fotos e abraços, os elogios ao espetáculo. Pierre Bourdieu diz que "os circuitos de consagração social são tão mais eficazes a depender da distância social do objeto consagrado", ou seja, elogio de amigo não vale. Mas que se dane o Bourdieu! Recebi cada um dos "que show incrível", "vocês arrasaram", “canta demais", "eu me emocionei com o show" e tantos outros apontamentos elogiosos como se realmente fossem sinceros. Eu acredito que foram.
Os meus stories e os da Genomma ficaram lotados de menções que eu, já na madrugada, via e repostava com todo carinho. Dava para sentir que conseguimos passar nossa mensagem, que conseguimos, nem que seja por uma única noite, incentivar as pessoas a mudarem o mundo por meio do amor. Quem sabe?
Depois de tanto tempo, os garotos, os mesmos de 15 anos atrás, voltaram para a cidade.

Câmbio, desligo!
Conhecimento é conquista.
-FS
P.s.: o que ninguém sabe, é que havia mais uma música no repertório. Uma música nova que ainda não foi lançada. Queríamos que ela fosse ouvida pela primeira vez alí, no Glória Rocha. Mas entendemos que precisávamos contar uma história e deixar o futuro para o futuro.
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