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  • Foto do escritorFelipe Schadt

Você consegue estar presente?


Nem no passado e nem no futuro... tente estar no agora. (Imagem: Internet)

> Não quero fazer desse blog um muro das lamentações, mas penso que talvez a minha lamúria pode ser a sua também. Vamos ver se você concorda comigo. Me incomoda muito quando estou falando com alguém e esse alguém não me dá 100% da sua atenção. E nem estou dando uma palestra ou uma aula, estou apenas falando algo trivial que tomaria uns 30 segundos do tempo alheio. Mesmo assim, minha fala não é tão atraente quanto a tela do celular.


Penso que dar atenção ao outro é, além de muito educado, uma forma generosa de respeito para com o que o outro tem a dizer. Estar focado na fala que não é a sua é um gesto de grandeza inestimável. Mas parei para pensar… Eu dou 100% da minha atenção para o outro quando ele está falando ou eu também me distraio com outras coisas? Posso não olhar para uma tela de um celular enquanto o outro fala, mas posso facilmente estar viajando dentro de minha cabeça ao invés de ouvir o outro com a atenção devida.


Fazendo um breve resgate, parece que também não consegui estar presente em grande maioria das conversas que já tive na vida. Talvez o máximo que eu consegui foi estar presente por alguns instantes, mas 100% do tempo como um ouvinte atento? Acho que não fui capaz de ser.


Escutar o outro é algo difícil. No geral, quando o outro fala, não estamos escutando com atenção. Estamos maquinando uma resposta para rebater ou acrescentar no imediato termino da fala que vem do outro. Isso não é escutar. Tão pouco é estar presente. É fingir que escuta e fingir que está presente.


A presença é algo bem difícil de se alcançar, alias. Veja… Se eu te perguntar: “você está me ouvindo agora?” Você pensará ou na pergunta ou na resposta e, fazendo isso, você anula a sua possibilidade de estar me ouvindo agora. Oras… se você pensa na pergunta, você está no passado, pois eu já fiz a pergunta e ela já não faz mais parte do agora. Se você estiver pensando na resposta, menos. Pois a resposta ainda não veio, portanto ela está no futuro e também não faz parte do agora. Podemos até divagar que o agora, tecnicamente não existe, pois no instante que eu penso no agora ele já deixou de ser presente para ser passado. E se eu tentar me adiantar e pensar no agora antes dele acontecer, estarei no futuro.


Estar presente é um grande desafio para pessoas como nós que levam a vida como a que nós levamos. Falo de uma vida baseada no trabalho e no acúmulo de coisas. Todos trabalhamos para acumular coisas. Essas coisas podem ser o que você quiser: bens materiais, experiências, conhecimento, relações… Esse modo de vida se baseia em duas premissas: a nostalgia e a ansiedade.


A nostalgia é viver os afetos que já te afetaram um dia. É a vida baseada na memória. O triunfo da lembrança. Eu sou bastante nostálgico. Adoro lembrar das experiências que eu tive. Sou tão apegado a elas que isso molda a minha maneira de enxergar o mundo de agora. E o desenho animado japonês Cavaleiros do Zodíaco é um grande exemplo que eu posso dar pra você. Quando eu era pequeno, minhas tardes só eram completas depois de ter assistido a um episódio do Anime. A emoção que eu sentia a cada cena era intensa. A cada golpe desferido pelos personagens, um salto na cadeira e uma vibração genuína de quem praticamente estava lutando junto com os cavaleiros da deusa Atena.


Nossa… Como eu era feliz com aquele desenho. E não adianta o que façam hoje, nada superará o afeto que ele produziu em mim no auge da minha infância. Quando a Netflix resolveu lançar uma releitura dos Cavaleiros do Zodíaco com um outro estilo e animação, senti calafrios e, sem ao menos assistir, apegado à minha memória e a alegria da vida passada, torci o nariz e já fiz um julgamento extremamente irracional: “nunca chegará aos pés do original”. Nostálgicos são assim. Vivem apegados aos afetos passados que, por sua vez, afetam sua compreensão do presente.


Então fiquei ansioso. Ansioso pelo novo desenho que ainda iria estrear. A ansiedade é o oposto da nostalgia. É viver um afeto que ainda não chegou. Viver com a cabeça no futuro incerto e ser afetado por isso. Muita gente sofre de crises de ansiedade por justamente serem muito afetadas por algo que ainda está no futuro. Sabe quando eu digo “ah meu Deus… ele vai brigar comigo!”? Mas por que você está sofrendo com uma briga que ainda nem aconteceu?


Isso me lembra de uma história que tive com o meu pai. Eu trabalhava em um shopping center e estava flertando com uma garota que trabalhava numa loja de sapatos. Todos os dias eu levava uma trufa para ela na esperança de ser recompensado com o aceite para uma saída juntos. Devido minha insistência achocolatada, ela finalmente resolveu sair comigo. Tudo estava planejado na minha cabeça: jantar depois do trabalho, beber alguma coisa numa balada e, se tudo desse certo, o coito para coroar a noite. Mas para isso precisava de um carro e como eu não tinha um, pedi para o meu pai.


“Você tem certeza que precisa do carro?” Ele me perguntou pelo menos umas três vezes em forma de advertência. “Você não faz ideia de como eu preciso do carro, pai”, respondia furtivamente enquanto via meu pai alisar os bigodes em claro sinal de preocupação. O carro dele era um xodó. E eu nunca havia pegado o carro emprestado. Ambos estávamos apreensivos, mas a testosterona não me deixou pensar muito.


Quando acabou o expediente, eu já esperava na frente da loja da garota tentando ignorar as risadinhas que suas colegas davam em claro sinal de zoação, como quem diz: “Hoje tem…” Se elas soubessem o quanto eu queria que elas estivessem certas… Entramos no carro e, com muita confiança, fui dar ré para deixar a vaga e sair rumo a glória. Eu não sei como, mas eu só ouvi um barulho seco e senti um tranco. Olhei para ela assustado e ela disse: “Você bateu o carro!”. O mundo meio que parou para mim por alguns segundos e eu não conseguia acreditar no que ela havia dito. Quando a ficha caiu, eu sai do carro e fui olhar o acidente. O porta-malas do Logos do meu pai parecia um V, afundado na pilastra do estacionamento. Foi aí que eu lembrei do meu pai.


Olha… eu não sei qual foi o nível do escândalo que eu dei, eu só sei que eram dez horas da noite e não haveria mágica que consertasse aquilo. Entrei em choque. Minhas pernas tremiam, meu intestino doía, minhas mãos suavam… tudo isso porque eu lembrei do meu pai e não parava de pensar no que ele faria comigo quando visse o carro daquele jeito.


Eu estava no auge da ansiedade e não conseguia pensar no presente. Não me lembro o que aconteceu com a menina. Não me lembro como cheguei em casa. Não me lembro como estacionei o carro na garagem. Eu só me lembro de estar no sofá da sala sem conseguir dormir pensando nas inúmeras formas possíveis de castigo que eu seria submetido. As seis da manhã, como de costume meu pai acordou, foi para a cozinha e preparou o seu café. E eu fui avisar da catástrofe pronto para o caos. “Pai, bati o carro. Mas não foi em ninguém, foi na pilastra do shopping”.


Calmamente e sem falar nada, ele foi até a garagem, olhou o estrago, voltou para a sala e disse a seguinte frase: “É, você vai ter que pagar”. E voltou para a cozinha terminar de preparar o seu café.


O que eu quero dizer com essa história é que a ansiedade é irracional. É como ter medo da morte. Não sabemos o que nos espera depois de morrer, ter medo disso, portanto é um absurdo. Eu temi o castigo que nunca veio do mesmo jeito que eu temi o novo desenho de Cavaleiros do Zodíaco. Mas, curioso, enfrentei minha ansiedade e a minha nostalgia e resolvi viver o presente. Assisti o desenho completamente desarmado de lembranças e expectativas e, talvez por isso, adorei a releitura.


Como eu estava livre do passado e do futuro, pude apreciar o presente e receber o encontro com o desenho de peito aberto para os afetos que viriam com ele me atingissem em cheio. O desenho poderia ser ruim, mas quem diria isso não seria nem o meu apego com o passado e nem a minha expectativa com o futuro, seria o presente, o instante, o agora. Aprendi com outro desenho da Netflix, o The Midnight Gospel, que isso se chama Consciência Solar que nada mais é do que estar 100% entregue ao presente, ou seja, com zero de nostalgia e zero de ansiedade.


Viver no presente é estar totalmente focado nele. Mas como estar focado em algo que tecnicamente não existe? Você pode me lembrar que eu disse isso ainda há pouco. Sim… é verdade. O presente tecnicamente não existe, pois assim que pensamos nele e já é passado. Mas há um truque que faz o presente existir. O fluxo.


Mihaly Csikszentmihalyi, psicólogo que cunhou a teoria do fluxo, diz o seguinte, quando você faz uma atividade que tem a dificuldade equivalente a sua habilidade para realiza-la, você entra em um estado de foco total, ou, estado de fluxo.


Para que lhe sirva de exemplo, minha experiência com o piano irá ajudar. Eu sempre tento aprender uma música nova. Como não sei ler partitura, eu vou até o Youtube e assisto a tutoriais. E lá vou eu tentar reproduzir. Quando a música é muito fácil, eu fico entediado, pois a minha habilidade é muito maior que a dificuldade da canção e perco rápido a atenção. Quando escolho uma música muito difícil, eu fico frustrado, pois minha habilidade é muito menor do que a dificuldade da música e também perco o interesse. Agora, quando a dificuldade da música é equivalente a minha habilidade em tocá-la, eu fico extremamente concentrado e entro em estado de fluxo. Tudo que está ao meu redor não importa mais. A noção de tempo e espaço desaparece e eu estou 100% presente.


Essa teoria é amplamente explorada na hora de criar jogos, sobretudo os eletrônicos. Se você já jogou qualquer joguinho de computador, celular ou videogame, sabe do que eu estou falando. A primeira fase do jogo é muito fácil, já que você ainda não tem habilidade para jogar. Conforme você vai ganhando habilidade, o jogo vai ficando mais difícil. Habilidade equivalente a dificuldade produzem estado de fluxo. Aí você entende o porque pessoas se viciam tão facilmente em jogos eletrônicos.


Mihaly Csikszentmihalyi vai atribuir ao Flow, maneira que ele chama a sua teoria do fluxo, a ideia de felicidade. Quando estamos no fluxo estamos experimentando a felicidade, pois você está vivendo o momento com 100% de você. Corpo, espírito e mente estão em completa harmonia e por isso que nada mais importa a não ser o momento. Quando eu toco alguma música que me deixa no fluxo, eu realmente perco a noção de tempo e de espaço. O mundo simplesmente para, ou melhor, deixa de existir e a única coisa que existe ali pra mim é o meu piano e meu corpo.


O intrigante é que se você entrar no estado de fluxo não poderá nunca dizer “olha! Estou em estado de fluxo! Estou no flow!”. Não! Porque se você parou para pensar que você está no fluxo você teve que sair dele para chegar a essa conclusão. Portanto o fluxo é capaz de anular passado e futuro e só deixar vivo o presente. Você aprende que não pode pensar sobre o presente. Você só pode sentir o presente.


E como é bonito viver o agora. Tente ser mais presente a partir daqui. Quando for conversar com alguém, escute. Mas escute mesmo. Aprecie cada palavra, receba cada frase e, sem nenhuma pressa, depois de senti-las, pense e só aí responda. Faça isso ao olhar algo, faça isso ao sentir algo. Tente fazer isso em todas as suas atividades. Tente fazer isso com esse texto.


Você já sentiu isso algumas vezes na sua vida. Sabe aquele momento que você olha para o relógio e não acredita no que vê. Já se passaram quase uma hora, mas pra você parece que só foi uns minutinhos. Ual… você nem viu o tempo passar. Você nem notou que está aqui comigo, lendo esse texto há quase 8 minutos?

Conhecimento é Conquista

-FS

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