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  • Foto do escritorFelipe Schadt

Deixa eu te contar uma história sobre o Boneco Assassino


Capa do segundo filme da franquia "O brinquedo Assassino" (Imagem: Internet)

> Um dos meus prazeres na infância era quando chegava sexta-feira e eu era autorizado pelo meu pai a ir até a locadora de vídeo que tinha perto de casa para alugar filmes para o final de semana. Eu achava a locadora um lugar mágico, um espaço cheio de possibilidades a serem exploradas. Pena que meu discurso vacilava ante a minha vontade de sempre pegar os mesmos filmes. Entre os favoritos, estavam Ace Ventura, O Máscara, Toy Story e Jumanjy. As vezes, quando eu podia alugar mais de um, eu me aventurava a escolher outros títulos, mas quase sempre, eu assistia aos mesmos filmes.


Eu era um cinéfilo tradicionalista. Tinha preguiça de conhecer filmes novos e preferia a certeza da diversão do conhecido do que a incerteza do desconhecido. Além disso, a prateleira de filmes de comédia e aventura ficava logo na entrada da locadora, à direita. Isso facilitava minha vida, não só pela comodidade, mas porque evitava que eu precisasse procurar pela loja o filme que eu queria.


Acontecia que eu não estava disposto a procurar filmes novos, porque eu teria que desbravar as prateleiras. Eu odiava fazer isso. O motivo? Eu morria de medo de, sem querer, esbarrar com os filmes de terror. Uma vez, em uma outra locadora, eu dei o azar de ver a capa do filme A Hora do Pesadelo. É... aquilo me traumatizou. Sem contar que, entrar na locadora, virar a direita, pegar os mesmos filmes e ir direto para o caixa - que ficava à esquerda da entrada da locadora, me poupava de topar com algum poster de algum filme de terror, que era a capa do filme cinco vezes maior. Era entrar, pegar os filmes, passar no caixa e ir embora correndo para ver o Jim Carrey salvar Dan Marino.


Em uma dessas sextas-feiras, fui na locadora, mas dessa vez eu queria um filme diferente. Um filme que eu queria muito ver e que há tempos eu estava ensaiando alugar. Um filme que todo jovem dos anos 1990 que gostava de video-game precisava assistir. Estou falando de Mortal Kombat. Obviamente a aventura de Liu Kang, Sonia Blade e Jonny Cage não estaria na mesma prateleira de Toy Story. Eu sabia que eu deveria procurar na prateleira dos filmes de ação. O problema é que ela ficava exatamente do lado da prateleira dos filmes de terror e, para chegar aonde eu queria, precisaria passar pelo vale da sombra e da morte cinematográfico.


Ao chegar na locadora, respirei fundo e entrei. Passei direito pela habitual prateleira de filmes de aventuras, virei a esquerda e cheguei no temido corredor. À minha esquerda, estavam eles, os filmes de terror, e logo do lado deles, os filmes de ação. Mantive o foco e segui reto no corredor deixando para trás o medo em forma de capinhas de fita cassete. Suando frio, cheguei no meu objetivo e, com bastante pressa comecei a procurar o filme que eu queria. Máquina Mortífera, Duro de Matar, A Rocha, Velocidade Máxima e nada de Mortal Kombat.


- Moça... tem Mortal Kombat?

- Tem sim. Tá aí do lado?


Disse ela apontando.


- Mas não tá aqui...

- Tá aí sim - disse ela com doses de impaciência.


Eu olhei mais uma vez e, ao perceber que eu ainda não tinha entendido as suas orientações, ela saiu do caixa e apontou para o filme.

- Aqui ó. - falou com o dedo em riste.


Lá estava ele. Meus olhos brilharam e com a mesma intensidade, eles ficaram atônitos. Do lado, exatamente do lado do filme que eu queria, estava uma capa com um boneco de rosto demoníaco, olhos vermelhos e sanguinários, sorriso malicioso e malvado, segurando um tesourão prestes a cortar a mola de outro brinquedo. No título estava escrito: "Brinquedo Assassino 2". Aquela imagem colou na minha retina como chiclete embaixo de uma cadeira. O problema é que eu não estava encontrando Mortal Kombat nos filmes de ação porque a moça da locadora achava que ele deveria ser filme de terror por causa da palavra "Mortal". Eu até pensei em protestar... mas eu estava atônito demais.


Para piorar as coisas, fiz o que jamais deveria ter feito. O medo e a curiosidade são irmãos de pais diferentes que sempre que se encontram, precisam brincar juntas. Eu estiquei meu braço e peguei a capa da fita e olhei a parte de trás. Mais imagens daquele boneco horrível se fixaram na minha mente, o que me renderia o mesmo pesadelo por anos.


No quintal da casa da minha avó, tinha uma escada que dava acesso ao portão, em uma parte mais elevada do terreno. Estava muito escuro e eu precisava subir as escadas para chegar até a minha casa, que ficava na parte de cima de onde meus avós moravam. Atrás de mim, não havia nada a não ser a escuridão e o portão que dava acesso ao canil. Eu não ousava olhar para ele, porém, a escada também era terrivelmente medonha. Eu então corria e subia os degraus de dois em dois. Ao chegar em casa, via que ela também estava deserta e com a janela da sala, que dava para a rua, aberta. O instinto me fazia ir fechá-la. O medo tomava conta de mim, mas a curiosidade de olhar por um buraquinho do tamanho de uma cabeça de alfinete que tinha nessa janela, foi mais forte. Então eu colava meu olho lá para vigiar a rua e se alguém subiria pela mesma escada que tive que passar. Sem aviso prévio, surgia o ele, o boneco assassino, andando de maneira desengonçada subindo os últimos degraus e emergindo da escuridão. Meu coração batia forte o bastante para ser escutado de longe, mas me controlava o bastante para não fazer mais nenhum tipo de barulho. Mas o boneco não podia me ver. A janela estava fechada. Então eu voltava a olhar pelo buraquinho dela e, o boneco virava a cabeça com muita violência e me encarava nos olhos. Ele tinha me avistado! Então ele vinha correndo em minha direção na velocidade de um animal faminto e eu era despertado do pesadelo com um solavanco.



As histórias sobre bonecos e bonecas endemoniados começaram a me perseguir. Foi nesse período que se contava uma lenda urbana sobre as bonecas da Xuxa serem possuídas por uma entidade que matava pessoas. Outra que era muito comum falava sobre o boneco do Fofão, que tinha uma faca dentro do corpo e sussurrava no ouvido de seu dono enquanto ele dormia para matar pessoas com a faca que ele guardava dentro do corpo. Para a minha infelicidade, minha prima que também morava com os meus avós, tinha os dois brinquedos. A tática era manter distância e transferir qualquer tipo de brincadeira para outro lugar que não fosse perto dos brinquedos da minha prima.


Um dia, porém, eu passaria por uma cadeia de situações que fariam meu medo pelo Chucky durar até os dias de hoje.


Uma tia minha resolveu fazer uma sessão de cinema na casa dela a pedido dos meus primos. Então, eu, minha mãe, minha prima que morava com meus avós, minha tia e seus dois filhos, estavam na sala da casa dela esperando meu tio chegar com as fitas. Todos tinham sugerido alguns filmes - eu pedi por Ace Ventura - e a expectativa era que assistíssemos pelo menos uns dois ou três longas. Para forrar a barriga, pipoca, misto quente e refrigerante. Ia ser uma tarde de domingo bem legal. Então meu tio chega com a sacola da locadora. Nela, três fitas.


- Qual filme você trouxe? - Perguntou minha tia.

- Peguei o que os meninos pediram.


Os filmes eram: O Brinquedo Assassino, O Brinquedo Assassino 2 e O Brinquedo Assassino 3. Meus primos vibraram. Eu derreti enquanto minha alma deixava gentilmente meu corpo e sumia fazendo o brilho dos meus olhos desaparecer.


Eu não podia chorar. Não iria demonstrar fraqueza para meus primos. Mas eu também não ia assistir. Na minha lógica infantil, se apenas a capa do filme me fez ter pesadelos, imagina imagens em movimento? Bom... eu fiz o que qualquer pessoa com bom senso faria, sentei atrás do sofá.


E ali eu fiquei, comendo minha pipoca, olhando para a parede e ouvindo os gritos de terror das vitimas do Chucky ao mesmo tempo que ouvia minha mãe dizer que "pode vir, o filme não é tão assustador assim". Não é tão assustador assim! Fale por você, mulher! O pior, que não tinha como eu ir fazer outra coisa. MInha tia morava em uma chácara e nem voltar pra casa eu poderia fazer. O jeito foi esperar a maratona maldita acabar. Para minha sorte, a sessão de cinema em casa se encerrou no segundo filme. Acho que eles ficaram com pena de mim, embora eu acho que foi por causa do horário, já tinha começado Fantástico. O problema é que meus primos não gostaram da interrupção e me culparam por ela, fazendo de mim o alvo para zoações sobre meu medo do filme.


E a zoeira foi grande, viu? Mas eu suportava bem, afinal de contas, a zoação não me causava pesadelos. Porém, as brincadeiras começaram a ficar mais elaboradas e não foram poucas as tentativas dos meus primos de me pregar um susto. Só que eu sempre fui um garoto muito medroso e sabe o que os medrosos têm que os corajosos não? Exatamente, medo! E o medo leva a prudência e, por isso, eu sempre estava esperando por um susto e, como eu era bastante esperto, sempre conseguia prever os movimentos dos meus primos. Menos em um dia...


Algumas semanas depois da fatídica sessão de cinema na casa da minha tia, todos estávamos reunidos na casa da minha avó. Era um sábado e alguma alma infeliz deu a pior ideia do mundo: a de assistir Brinquedo Assassino 3, o filme que havia faltado. Gostaram da ideia e foram na locadora - a mesma que eu ia - para alugar o filme. Mas dessa vez eu não estava me importando muito, afinal, minha casa ficava no mesmo terreno da casa da minha avó e eu poderia facilmente me abrigar na minha sala e assistir o que eu quiser. O que eu não contava era que, naquela noite de sábado, meu pai estaria trabalhando e eu teria que ficar sozinho em casa. Meu amigos, assim como eu, não podiam brincar na rua a noite, então as opções eram: 1, ficar na casa da minha avó com todo mundo mas ter que passar pela mesma experiência de ficar de costas para o filme ou 2, ficar sozinho na minha casa com medo de olhar pela janela e ver meu pesadelo ser materializado.


Resolvi ficar em casa. A ideia era assistir a algum filme que tivesse lá. Para o meu azar, o filme que minha mãe tinha alugado no dia anterior era um live action de Pinocchio. É... a história de um boneco de madeira que ganha vida. Nem fodendo! Não ia assistir aquilo. Deixe a TV ligada a esmo e esperei a hora passar. Só que a hora não passava e a solidão já estava me deixando incomodado e ansioso. Não sei quanto tempo havia passado, só sei que resolvi que não queria ficar mais sozinho. Já que eu ia sentir medo, que pelo menos eu sentisse isso na companhia da minha família. Desliguei a TV, fechei a porta de casa, apaguei a luz e sai correndo rumo a escada que levava até a casa da minha avó.


Foi horrível, pois eu estava literalmente vivendo no meu pesadelo. Olhei para a escada e lá embaixo, a escuridão me aguardava. Desci correndo sem me preocupar com um eventual capote, perder alguns dentes ou quebrar algum membro era a menor das minhas preocupações naquele momento. Assim que venci a escada, abri a porta da sala e todos estavam com os olhos colados na frente da televisão e, como um ímã, os meus também foram atraídos e eu vi o Chucky em ação!


Foi só por uns segundos, mas o suficiente para eu lembrar pra sempre do jeito bizarro que ele se movia e do seu rosto super-realista se contorcendo. Passei pela sala e me alojei na cozinha, com o coração na boca. Teria que esperar pelo fim do filme para sair dali. E foi uma espera longa com a cena que eu tinha acabado de assistir passando em looping perpétuo na minha cabeça.


Quando o filme acabou, todos invadiram a cozinha para o jantar. Rapidamente minha avó preparou algo para comermos. E na mesma velocidade, minha tensão diminuía e eu ia ficando mais relaxado. "Era só um filme idiota!", eu tentava me convencer. Meu tio contava piadas de um lado da mesa, meu avó gargalhava do outro lado, minhas tias e minha mãe falavam alto sobre trivialidades e instantaneamente o filme já não fazia mais parte dos meus pensamentos.


Na verdade eu estava concentrado comendo minha comida completamente absorto na quantidade de farofa que eu ia despejar sobre meu prato, quando de repente alguém toca no meu ombro. Eu olho para o lado e vejo ele! Grudado no meu rosto estava o boneco assassino me encarando, pronto para me matar... Eu gritei, chorei, meus lábios ficaram roxos na hora e eu empalideci. Enquanto isso, meus primos riam. MInha prima, mais ainda. Ela estava segurando no colo seu boneco do Fofão e, entre gargalhadas dizia:


- É só o Fofão, Felipe! Para de ser bunda-mole.


Aquilo não amenizou meu choro, pelo contrário! Além do susto, tinha a humilhação. Chorei mais ainda, completamente indignado com o orgulho ferido e a alma despedaçada pelo medo.


A vida é crônica! -FS


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