> Em tempos em que o mundo se converte na timeline da sua rede social favorita, muita informação nos chega como um dilúvio. Todo segundo, o planeta muda e no segundo seguinte já estamos sabendo do que aconteceu. É a era da informação, uma das características mais marcantes da cibercultura apresentada por Pierre Lèvy.
Se antes da construção do ciberespaço a informação não era tão simples de ser encontrada - ou melhor, a informação não nos chegava com tanta facilidade -, hoje em dia, basta ligar seu smartphone e, mesmo sem querer, ser inundado de todo tipo de conteúdo informativo. Que bom, né? Mas veja bem, será que estamos sabendo lidar com toda essa informação fácil e rápida?
Vamos fazer uma analogia aqui. Quando você consome muito uma coisa é porque você se viciou nela. Ninguém consome muito um produto a não ser que esteja viciado nele. E a lógica serve para quase tudo. Nos viciamos em informações. Porque quanto mais temos mais nos destacamos na pós-modernidade. Ser pouco informado hoje é motivo de exclusão. Queremos e precisamos estar bem informados. A informação se transformou em um narcótico.
E tanta informação ao mesmo tempo pode causar efeitos nocivos para as pessoas. A lógica aqui também é simples: está cada vez mais difícil filtrar, selecionar e estabelecer informações válidas ou inválidas, o que importa é ter informação. Melhor. O que importa é o status de estar bem informado e não estar bem informado de fato. O que importa é jamais dizer “Eu não sei” sobre um assunto. E a informação passa a ter uma disfunção: ao invés de informar, faz justamente o contrário.
A Disfunção Narcotizante é uma das teorias da comunicação que diz que esse excesso de informação é uma espécie de perturbação no funcionamento da mídia de massa e acaba levando as pessoas a perderem a sensibilidade frente às questões apresentadas. Por isso as pessoas não se permitem dizer “Eu não sei”. Porque dizer “Eu não sei”, em um mundo onde a informação sobre qualquer assunto está a um clique de distância, se tornou inaceitável.
Sócrates ficaria decepcionado com essa nossa tara por achar que sabemos algo. O grande defensor da dúvida ficou famoso pela célebre frase: “Só sei que nada sei”. Além disso, o mestre de Platão pretendia que as pessoas que o confrontavam com suas certezas chegassem à mesma conclusão.
Era uma tática simples, porem genial. Enquanto o sujeito vinha com uma certeza, Sócrates confrontava essa certeza fazendo perguntas sobre ela. E cada pergunta feita, o sujeito percebia que, no fim das contas, não sabia de nada do que estava falando. Era um diálogo mais ou menos assim:
- Sócrates, você que é tão sábio pode ensinar meu filho a ser corajoso?
- Não posso fazer isso, pois não sei o que é coragem. Mas você, que sugere que eu possa ensinar seu filho sobre coragem deve saber o que ela é.
- Coragem é não ter medo.
- E o que é o medo?
- Eu não sei…
Essa técnica era conhecida como maiêutica, palavra grega que significa “o oficio da parteira”. Sócrates a escolheu em clara homenagem a mãe, que era parteira, e por considerar o trabalho de um filósofo algo muito similar, pois era a partir das suas perguntas que ele fazia as pessoas darem a luz ao verdadeiro conhecimento, o de que não sabiam para a partir daí buscarem a verdade sobre as coisas. Com isso, Sócrates desmascarou muita gente que se dizia sábia.
Dentre os desmascarados, estavam Anito, Meleto e Licon, representantes das classes dos políticos, poetas e oradores da cidade respectivamente e que, enfurecidos com o Filósofo, levaram-no ao tribunal e condenaram-no por dois crimes: corromper os jovens com suas ideias subversivas e por não adorar os deuses.
Depois de um julgamento cheio de contradições e marcado pelo baile filosófico que Sócrates deu em seus acusadores usando da maiêutica, o filósofo foi condenado a escolher entre deixar de dar aulas (e portanto, parar de questionar as pessoas) ou tomar uma veneno chamado cicuta. Ele escolheu à morte, como relatou seu discípulo Platão em seu livro “Apologia de Sócrates”.
Os atos de perguntar, questionar e duvidar são muito eficazes para desmascarar discursos cheio de certezas. Esses discursos impossibilitam as pessoas de buscarem conhecimento. Como aprendemos com Sócrates, só a dúvida é combustível para caminhar rumo à verdade.
Existe muita gente que não tem nenhum domínio sobre o assunto dizendo suas opiniões baseadas em dois parágrafos de leitura. E como a comunicação se tornou uma disputa de discursos, ninguém se importa em realmente se informar sobre o que está sendo dito ou aprender com o diálogo. O que importa é simplesmente vencer o embate. Dizer “Eu não sei” é como derrubar o rei no tabuleiro de xadrez intencionalmente. É jogar a toalha. É assumir sua ignorância, como se isso fosse algo ruim.
Não importa o assunto: política, economia, futebol, religião, relações internacionais, história, ciência… Já que se tem informações sobre tudo logo ali, vou pegar uma que se encaixe com o que eu penso e usá-la como base da minha opinião. Sem filtro. Sem revisões. Escolho uma informação que me satisfaça e pronto.
Tá tudo bem admitir que não sabemos do assunto e que vamos buscar informações suficientes, filtrá-las, revisá-las e, só depois de construir o conhecimento sobre o assunto, dar nossa opinião. As discussões seriam palcos de aprendizado e não ringues de luta. Mas, como já salientei, não fazemos isso, porque o que importa é vencer a discussão e não aprender com ela.
Estamos flertando com a estagnação do conhecimento, pois o conhecimento só se constrói com as dúvidas e, estranhamente, estamos cheios de certezas. E porque isso está acontecendo?
Eu não tenho nenhuma vergonha de dizer que eu não sei.
Conhecimento é Conquista
-FS
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