O professor e o palco
- Felipe Schadt
- há 29 minutos
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Toda sala de aula é um teatro. O palco que sustenta a mesa, o cenário formado por uma lousa e ideias escritas, a plateia apinhada de alunos e o professor protagonista, dono do saber. E em uma espécie de espetáculo educativo, o show é encerrado pelo sinal do fim da aula. Parece poético, mas eu acho ridículo!
Quando comecei minha trajetória como professor, acreditava fortemente que a sala de aula era o palco perfeito para mim. A romantização do "dar aula" era um alicerce encravado no terreno da minha visão de mundo: ser professor é dar um show na escola.
Só que esse tipo de pensamento carrega um problemão que te acompanhou (ou acompanhará) do dia 1 ao seu último dia dentro de uma sala de aula. Um problema tão sistêmico que você nunca percebeu e, digo mais, até defendeu certas vezes que ele continuasse a operar.
Se você pensar em uma sala de aula, vai se defrontar inexoravelmente com dois agentes: o professor e o aluno. Esses agentes estão inseridos dentro de um paradigma, o do "Ensino/Aprendizagem". Esse paradigma entende que a educação é um processo no qual há aqueles que só ensinam e aqueles que só aprendem.
Nessa lógica, o professor é o responsável por ensinar. A ele é dada essa missão quase celestial. Mas no pacote vem o poder. Um poder tão grande que, como todo tipo de poder, pode até corromper. E veja que quando falo de poder estou me referindo a "submeter o outro a tua vontade", em outras palavras é quando você obriga o outro a fazer exatamente aquilo que você quer. Na educação, o professor obriga o aluno a aprender exatamente aquilo que o professor quer.
Claro que na atual conjuntura, o professor não tem muito poder de decisão. Nós ensinamos aquilo que a escola determina, mas a Liberdade de Cátedra nos dá condições e poder (olha ele aí outra vez) de sermos livres para ensinarmos.
Sabe quem não é livre? O aluno. No paradigma Ensino/Aprendizagem, o aluno é platéia e tem uma única responsabilidade: a de aprender. A ele não se dá poder nenhum, nem mesmo o poder de ir ao banheiro quando bem entende. É escutar, decorar, provar que decorou e ser condecorado com isso no final do processo.
Quando eu entendo que o aluno é o protagonista da sala de aula, como professor, eu tenho que sair do palco.
"Mas espera aí, Felipe! Você participa desse jogo. Você é professor, não é?", dirá você. Odeie o jogo, não o jogador. E acredite, as escolas também são reféns dessa lógica. Lembre-se, elas estão presas a esse paradigma tanto quanto os professores e os alunos. A escola, no fim das contas, é só uma ferramenta de um sistema que tem um objetivo muito claro: silenciar!
Você foi silenciado na escola e aprendeu direitinho que deve se manter em silêncio. Quer dizer, você na verdade não foi ensinado a falar, se impor, pensar por si só... Em muitos dos casos, você ficou tão imerso nesse paradigma que é até capaz de defendê-lo. Já vi muitos alunos e ex-alunos achando essa lógica "justa" e "boa para a sociedade", como também já vi muitos colegas professores defendendo que "aluno bom é aluno quieto".
Mas há aqui uma dialética da educação. A contradição da sala de aula é a seguinte: existe escola sem aluno? Não! E sem professor? Também não. Então se os dois têm a mesma importância para sustentar a educação, porque então eles estão em prateleiras tão distantes. Não caberia aos dois [aluno e professor] o papel conjunto na produção de conhecimento?
Veja essa frase de Paulo Freire: "Comunicação é um ato pedagógico [educativo] e a educação é um ato comunicativo". Vamos entendê-la. Comunicação é diálogo, é falar e ouvir. Entende-se que o mesmo agente que fala é o mesmo agente que ouve e o mesmo agente que ouve é aquele que também fala, ou seja, é troca. Já a educação é construção de conhecimento, é ensinar e aprender. Portanto, na educação o mesmo agente que ensina, também aprende e o mesmo agente que aprende também ensina, ou seja, é troca também.
O paradigma do Ensino/Aprendizagem deveria ser trocado por um novo paradigma que defende a ideia do Ensino E Aprendizagem que, por sua vez, entende a escola como um espaço de protagonismo juvenil, onde o aluno deixa de ser um agente passivo e silenciado e passe a ser um ator ativo e produtor de conhecimento. E esse novo paradigma tem nome: Educomunicação.
Sim! Estou propondo a ideia de que alunos também podem contribuir para o processo educativo a partir do conhecimento que eles têm do mundo que os cerca. Nenhuma novidade, não estou descobrindo a roda, só estou fazendo a roda defendida por Paulo Freire e Ismar de Oliveira Soares girar aqui nas linhas do meu texto.
Quando eu entendo que o aluno é o protagonista da sala de aula, como professor, eu tenho que sair do palco.Tenho que me retirar para que o aluno assuma o centro da educação e junto comigo construa um conhecimento coerente com a sua própria vida. Experimenta chegar na sua aula e deixar um aluno falar, ali na lousa, sobre um assunto que ele gosta muito e, a partir disso, conectar com a aula que você precisa dar. Uma vez eu fiz isso em uma das minhas aulas de filosofia e, lá no fundo da sala vi um aluno batendo no peito de forma discreta e balbuciando a frase "isso aí é pra mim... isso aí é pra mim!". A aula fez sentido porque ele ajudou a construir.
Em uma outra aula de filosofia, eu explicava Descartes e sua "comprovação metafísica da existência de Deus". Sempre começo essa aula anunciando de forma hiperbólica que: "Hoje eu irei comprovar que Deus existe!". Todos ficaram impressionados com a explicação, menos uma aluna. Ela levantou a mão e explicou que Descartes estava errado pois ele ignorava um ponto importante: Deus pode ser apenas fruto da nossa imaginação. "Se nós só pensamos naquilo que existe e pensamos na perfeição, a perfeição precisa existir, mas ela não pode ser demonstrada. Entendi, professor. Mas eu também entendi que o unicórnio não pode ser demonstrado, mas conseguimos pensar nele e o senhor explicou que o unicórnio é a junção da ideia do chifre e do cavalo, duas coisas que existem e podem ser demonstradas", continuou a aluna antes do arremate. "A imperfeição existe e podemos demonstrá-la, certo? E se Deus for apenas fruto da nossa tentativa de imaginar o contrário da imperfeição?". Eu fiquei em silêncio.
Anos dando essa aula e eu nunca havia pensado nisso. Após meu silêncio, eu disse: "Você me quebrou", ela ficou feliz, os alunos ficaram chocados e eu fiquei satisfeito. Minha aluna havia me ensinado algo, comprovando que eles têm muito a ensinar. A pergunta é: estamos dispostos a aprender?
A ideia do palco que sustenta a mesa, do cenário formado por uma lousa e ideias escritas, da plateia apinhada de alunos e do professor protagonista dono do saber não tem lugar no paradigma da Educomunicação que, por sua vez, tem como essências o Amor e a Luta.
Luta, pois o paradigma da educação é tão denso, forte e enraizado que projetos educomunicativos que criam espaço de protagonismo juvenil são enfraquecidos pelo sistema educacional que quer se manter como é.
Amor, pois é preciso deixar o palco que era só seu para que o outro assuma o protagonismo. O amor abnegado não sente inveja, sente alegria quando o outro vence. Em projetos educomunicativos, o aluno também fala e ensina. Dar lugar para o outro ser aplaudido é sim um ato de amor.
É sobre isso que falarei no palco do TEDxJundiaí neste dia 16 de outubro. Ali sim, um palco e uma plateia.
Mas hoje, dia 15, desejo a todos os professores disposição para aprender com os seus alunos.
Conhecimento é Conquista!
-FS
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