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O fio que o Felca puxou

  • Foto do escritor: Felipe Schadt
    Felipe Schadt
  • 18 de ago.
  • 4 min de leitura
Aula sem slides: o terror dos alunos
Felca: o humorista e influenciador digital que chacoalhou o Brasil na última semana

O influenciador e humorista Felipe Bressanim Pereira, conhecido como Felca, chacoalhou o Brasil com um vídeo denunciando a adultização de crianças na internet. Em cerca de 50 minutos, o youtuber mostra como os algoritmos das redes sociais favorecem a rede de pedofilia, ligando pedófilos a conteúdos que expõem crianças na internet. Além disso, o principal alvo de sua denúncia é outro influenciador, Hytalo Santos (preso na última sexta-feira, 15), que ficou famoso com vídeos envolvendo e expondo a vida de adolescentes em uma espécie de reality show.


Provavelmente você já sabe de tudo isso. O vídeo de Felca foi visto mais de 30 milhões de vezes e no último domingo (17), o programa dominical Fantástico deu grande ênfase para essa história. O que pode ter passado despercebido são os desdobramentos que esse caso já teve e ainda terá. O fio que o Felca puxou é comprido e cheio de nós que precisam ser desatados.


O fio começa com o mais óbvio: a presença de crianças nas redes sociais. Na teoria, as redes sociais da Meta por exemplo (Facebook e Instagram) proíbem a criação de contas de menores de 13 anos. Na prática isso não acontece, seja por negligência da Big Tech de Mark Zuckerberg ou pela falta de fiscalização e controle dos pais.


Milhares de fotos e vídeos de crianças são postadas todos os dias, seja pela própria criança que, indevidamente já tem acesso às redes, seja pelos próprios pais que não percebem o perigo de expor seus filhos na internet. Uma foto que, a primeira vista pode parecer inocente para uma mãe que quer mostrar sua criança fazendo algo fofo, pode facilmente ser alvo de criminosos que utilizam esse tipo de conteúdo para alimentar a rede de pedofilia virtual.


Deveriam os pais criarem outra maneira de compartilhar conteúdo sobre seus filhos menores de idade, como por exemplo criar contas privadas onde só pessoas de confiança possam ter acesso? É uma estratégia, mas ela por si só não garante que de alguma maneira as imagens vazem para o esgoto da internet. Além disso, achar que compartilhar as fotos dos filhos só com pessoas da família é garantia de segurança para a criança é um erro, já que 71% dos casos de violência sexual contra crianças e adolescentes ocorrem no seio familiar, segundo dados do Ministério da Saude de 2022.


Nas redes sociais tudo vira produto, inclusive crianças

Seguindo o fio desse novelo, chegamos no debate sobre o uso de redes sociais por crianças e adolescentes. Na última sexta-feira (15), o governo Lula anunciou um projeto de lei que prevê proibir o uso de redes sociais por menores de 12 anos e, para os adolescentes até 16, contas vinculadas com os perfis dos pais ou responsáveis. O projeto prevê uma série de medidas que as Big Techs teriam que garantir, como ferramentas de supervisão dos pais ou responsáveis e verificação de idade dos usuários, além da proibição de propagandas direcionadas para esse público. Algo similar acontece na Austrália, onde uma lei que proíbe o uso de redes sociais por menores de 16 anos foi aprovada em 2024.


Ninguém discorda que devemos proteger as crianças dos perigos da internet. Mas a sequência do fio mostra um embate entre aqueles que querem uma regulamentação da internet e aqueles que preveem que isso causaria uma censura prévia no ciberespaço. Em 2024, o projeto de lei 2630/2020 (PL das Fake News), que também falava de regulamentação das redes sociais, foi enterrado no Congresso pelos deputados mais à direita por justamente acharem que isso feriria a liberdade de expressão do usuário, tese apoiada pela opinião pública. Com o caso exposto por Felca, o debate se reacende e já é possível ver uma movimentação política diferente da do ano passado sobre o assunto, como pro exemplo a sinalização de Hugo Motta (Republicanos-PB), presidente da Câmara, em pautar projetos que protejam crianças e adolescentes na internet.


O fio ainda nos leva a guerra tarifária entre Brasil e EUA. Regulamentar as Big Techs e submetê-las às leis brasileiras é um desejo posto na mesa pelo governo Lula desde sua volta ao Planalto. Caso uma lei regulamentadora seja aprovada, as relações com Trump podem ficar ainda mais ásperas, uma vez que o presidente norte-americano pode usar isso de combustível para aumentar o tom contra o Brasil. A lógica trumpista seria acusar o Brasil de ser contra a liberdade de expressão, mesma tese utilizada para defender Bolsonaro e que vem sendo base dos ataques direcionados ao nosso país. As Big Techs têm um papel importante no governo Trump, e a luta pelos interesses dessas empresas é uma das principais pautas da Casa Branca.


Além do debate moral, político e econômico, se você puxar o fio mais um pouco vai chegar na crise do jornalismo atual. Veja, o trabalho que o Felca fez também expôs a covardia e preguiça que o campo jornalístico está submetido. Todo o trabalho que o influenciador fez - muito bem feito por sinal - era para ter sido feito, há muito tempo, por jornalistas. Hytalo Santos publica seus vídeos desde 2020 e tem uma audiência gigantesca, não é possível que nenhum jornalista ou empresa jornalística tenha se interessado pelo caso ao ponto de investigá-lo. Será que o faro jornalístico não está mais apurado? 


Por outro lado, para nós jornalistas, não foi só um tapa no nosso espírito. Se olharmos para o copo meio cheio, vamos perceber que as pessoas ainda carecem de informações apuradas, investigações profundas sobre os fatos e histórias bem construídas sobre problemas do cotidiano. As proporções que o vídeo do Felca alcançou mostram isso. Mostram que existe um vácuo que precisa ser ocupado pelo jornalismo profissional.


O fio que o Felca puxou está longe do fim. Há ainda muito o que ser puxado e muitos nós que precisam ser desfeitos. Mas que bom que alguém deu o primeiro puxão.


Conhecimento é Conquista!

-FS

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© 2025 por FELIPE SCHADT.

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