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O limite do humor é o público

  • Foto do escritor: Felipe Schadt
    Felipe Schadt
  • 7 de jun.
  • 6 min de leitura

Léo Lins (Foto: Divulgação)
Léo Lins (Foto: Divulgação)

> Se você esteve fora da internet na última semana, não deve ter visto que o comediante Léo Lins, famoso pelas piadas ácidas e pesadas, foi condenado há oito anos de cadeia por causa delas em seus shows. Humoristas, colegas comediantes, jornalistas e mais uma porção de gente já deram suas opiniões a respeito.


Uns condenam Léo Lins e estão do lado da sentença proferida pela 3ª Vara Criminal Federal de São Paulo, que ainda cobra do artista o pagamento de multa e indenização por danos morais coletivos. O raciocínio dessas pessoas é que Léo Lins se utilizou do seu show de Stand Up para proferir discurso preconceituoso contra grupos minoritários.


Li no portal G1 que, segundo a sentença, as apresentações de Lins "incentivam a propagação de violência verbal" e "fomentam a intolerância". Ainda segundo o portal, a decisão da justiça afirma que "a liberdade de expressão não é pretexto para o proferimento de comentários odiosos, preconceituosos e discriminatórios".


Já outros defendem o comediante. Segundo eles, uma piada não pode ser alvo de censura. "É um absurdo. Pode-se não achar a menor graça ou até detestar as piadas de Léo Lins, mas condená-lo à prisão por elas é uma insanidade e um desserviço", disse Antônio Tabet (ex Porta dos Fundos). Danilo Gentili, amigo e, por alguns anos, colega de palco de Léo Lins, disse em vídeo que “piadas não geram gente morrendo, não geram intolerância, preconceito. São apenas piadas".


Não concordo nem um pouco com o humor de Léo Lins. Acho de péssimo gosto e extremamente preconceituoso e desnecessário, por isso eu jamais iria em um show dele. Por outro lado, como um artista que sou (ou acho que sou), não consigo concordar com uma sentença dessas que condena uma vertente artística (não estou julgando se é boa ou ruim) a uma pena tão dura quanto a estabelecida. Penso que a arte precisa e deve ser livre.


Então, por muitos dias eu fiquei em um conflito absurdo de ora concordar com a sentença, ora discordar dela. Li bastante coisa a respeito e participei de uma "terapia em grupo" com outros dois amigos (esses sim artistas) sobre o caso no caminho do trabalho. Eu, Lucas Camargo (Visconde) e Silvio Romão (Ramones), passamos parte do caminho que fizemos juntos até a faculdade que damos aula, discutindo o tema. E sabe qual a conclusão que chegamos? Nenhuma!


Mas houve ali, naquela conversa, um esforço homérico para tentar entender "o que é uma piada"; se "o que o Léo Lins faz é piada"; e o já famigerado "limite do humor". Esses três gatilhos mentais me colocaram para pensar ainda mais sobre o assunto, me fazendo até sonhar com isso: Eu atrasado para ir ver uma apresentação do Léo Lins no shopping da minha cidade. No sonho, eu iria entrevistá-lo para a TV.


Thomas Hobbes, filósofo inglês, dissertou certa vez sobre a Teoria da Superioridade. Essa teoria diz que nós temos a tendência de achar graça em situações que destaquem nossa superioridade sobre o personagem da piada. Resumindo, rimos da desgraça alheia por justamente ela [a desgraça] ser alheia e não nossa. Achar graça no Chaves é, no fim das contas, rir de um menino pobre que não tem o que comer. "Ufa, já que não é comigo, me sinto aliviado e relaxado o suficiente para rir", diria seu cérebro após ver uma cena de um pai viúvo e desempregado apanhando de uma viúva que vive da pensão do seu finado marido militar.


Segundo uma matéria da revista Superinteressante, para a neurociência, só podemos achar graça se estivermos numa situação de prazer, oposta à do estresse. O humor é meramente uma reação do sistema límbico cerebral (responsável pelas emoções e comportamentos) ao processar informações em parceria com o córtex (que controla nossas ações voluntárias). Ou seja, além da sensação de superioridade que nos coloca numa posição de prazer, rir é um ato consciente.


Portanto, uma piada é uma anedota que gera essas sensações. Mas uma piada só pode ser considerada como tal se ela provocar o riso e para provocar o riso, a anedota precisa estar recheada de situações que façam o público se diferenciar o suficiente do personagem que é alvo das mazelas contadas. Em outras palavras, a piada só vai funcionar se ela provar para mim que eu não sou o alvo dela.


"Ufa, já que não é comigo, me sinto aliviado e relaxado o suficiente para rir"

Léo Lins se pronunciou poucos dias depois da divulgação de sua sentença. Em seu vídeo, ele tenta deixar claro que existe uma diferença entre a "persona comediante" e Leonardo de Lima Borges Lins. Ainda em seu pronunciamento, ele explica o que considera o "limite do humor". Para o comediante, o limite do humor é o lugar: "existem lugares que a piada não cabe", disse ele.


As piadas de Léo Lins, como já adiantei no começo - e como já sabido por muita gente -, são muito pesadas. Pesadas ao ponto de eu mesmo não me sentir confortável em descrevê-las aqui, mesmo por meio de paráfrases. O que você precisa saber são duas coisas, primeiro que as piadas falam de pessoas com deficiência e pessoas negras, ou seja, piadas capacitistas e racistas, além de algumas de teor pedófilo; segundo, que tem pessoas que se sentem confortáveis o bastante para rir delas.


E é aqui o ponto que eu quero chegar. "Não é sobre gostar ou não da piada. Particularmente, não é meu tipo de humor. E daí? O comediante estava no teatro diante de pessoas que escolheram estar ali.", foi o que declarou Marcelo Tas em defesa a Léo Lins. E eu concordo plenamente com o eterno professor Tibúrcio e ex-CQC, as pessoas escolheram estar ali e é exatamente esse o problema.


Pior que a piada preconceituosa é quem ri dela, porque se ri é porque se coloca em um lugar distante o suficiente para, de maneira consciente, achar graça. O próprio Léo Lins se orgulha de trazer uma frase de Chaplin que diz que "A vida é uma tragédia quando vista de perto, mas uma comédia quando vista de longe". Para o comediante brasileiro, seu show faz um serviço às pessoas porque afasta elas da tragédia da vida dura para poderem rir um pouco. O que o Léo Lins não entendeu é que essa frase do palhaço inglês é uma crítica justamente a capacidade que a piada tem de distanciar as pessoas das mazelas do cotidiano, porém rir das mazelas por si só não as fazem desaparecer.


A comédia sempre teve a função de apontar para os problemas, ridicularizá-los e, assim, dar foco para algo que precisa de solução. Jô Soares fazia isso muito bem com seu personagem "Capitão Gay". Você não ria do personagem, você ria com o personagem e, lá no fundo, refletia sobre o preconceito escancarado que um homossexual sofria. A mesma coisa com Chico Anísio. Seus personagens eram críticas escancaradas e o humor era um holofote para elas. Penso que a boa piada é aquela que te faz se sentir mal por ter rido e que perde a graça na segunda vez que você a escuta.


"Ah, mas no final do show, o Léo Lins chama algumas pessoas deficientes no palco e elas dizem que gostaram do show e não ficaram ofendidas", você vai me dizer. E é verdade, ele faz isso mesmo, já vi em alguns vídeos aleatórios na internet. Essa "absolvição" dos pecados cometidos no show só demonstram uma coisa ainda mais triste, a capacidade de pessoas que são o alvo da piada se colocarem tão distante de si mesmas ao ponto de rirem delas próprias. É como se você ficasse feliz e ansioso para puxar a corda da própria guilhotina.


Acredito, no fim das contas, que o Léo Lins só faz essas piadas preconceituosas porque tem gente que ri delas. O problema é esse. Se não houvesse o riso, a piada deixaria de ser piada. Logo, o limite do humor é o público. É ele quem decide o que é ou não engraçado. Quando o racismo ou o capacitismo incomodam, eles não têm a mínima graça.


Essa condenação não vai dar em nada. Eu não acredito que ele será de fato preso e se for, vai ser um tiro no pé digno de riso. O que estamos fazendo é publicizar gratuitamente o nome de Léo Lins. Eu mesmo, perdi dias da minha vida pensando sobre ele e bons minutos do meu dia escrevendo o nome do cara aqui. Além disso, essa condenação dará munição para que um grupo de pessoas normalize ainda mais esse tipo de piada em nome da "liberdade".


A culpa é da platéia? Não só. Léo Lins e suas piadas não são a causa, são o sintoma de uma sociedade que se recusa a ter um olhar mais empático e simpático. Sua condenação é, por sua vez, um remédio com um efeito colateral bem desagradável.


A plateia tem o bobo da corte que merece.



Conhecimento é conquista.

-FS



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