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  • Foto do escritorFelipe Schadt

Deixa eu te contar um história sobre o meu cabelo.



> Eu odiava o meu cabelo. Afinal, na minha cabeça cheia de referências estéticas alheias à mim, cabelo bom era cabelo liso. E na época da minha adolescência, a moda que imperava entre os garotos era a do roqueiro skatista, tribo essa arrebatada pelo rock caiçara do Charlie Brown Jr.


Os garotos mais descolados que eu conhecia usavam o combo: skate, boné pra trás e cabelo comprido (cabelo liso, que fique claro). Obviamente eu estava muito distante desse perfil. Primeiro porque eu não tinha nenhuma habilidade em me equilibrar em cima de um skate - até tentei, mas foi vergonhoso; segundo que meu cabelo não era liso.


Pra minha sorte (ou não) uma tia minha tinha um salão de beleza e procedimentos capilares eram comuns ali, principalmente o alisamento de cabelos crespos. A minha própria tia, minha mãe, irmã... todas elas, instigadas pela pressão estética - muito mais voraz e cruel com as mulheres -, faziam o procedimento de alisamento.


- Tia, alisa meu cabelo?


Era só o que eu queria. Queria poder correr e ter meu cabelo ao vento. Queria poder colocar ele para trás das orelhas. Queria poder jogá-lo pra trás com um movimento de cabeça. Queria gostar do meu cabelo.


- Deixa ele crescer mais que dá pra fazer. - disse ela.


Na época eu participava de um espetáculo teatral na minha cidade (Campo Limpo Paulista). A peça era uma comédia e servia para arrecadar agasalhos para famílias carentes do município. Na construção do meu personagem, eu aproveitei para dar a ele um grande cabelão armado. Eu usaria o teatro como desculpa para deixá-lo crescer e, no final da temporada, poder alisá-lo.


Esse meu personagem era o Tadeu. Um menino simples da cidade fictícia Cafundó do Fim do Mundo, com complexo de herói e muita testosterona, o personagem tinha um grande cabelo armado e bagunçado para cima. Para a comédia, aquilo funcionava, pois sempre riam da estética de Tadeu.


Tadeu, meu persongem na peça "Melhor Pingar do que Secar"

Porém, houve uma apresentação que eu quase não consegui terminar. Em uma das minhas piadas de cena, a plateia riu como de costume, porém, no final do riso, ouve-se um grito vindo do público:


- Ah! Cala a boca, Felipe! Foto do meu saco!


A plateia explodiu em risadas. O público em questão era formado por toda a escola que eu estudava. Eu não sei quem gritou, mas aquilo me atingiu tão forte que eu chorei na coxia. Ninguém viu o choro, fiz questão de esconder e voltar rápido para o personagem que precisaria voltar pra cena em instantes.


A piada reverberou. Alguns colegas de palco fizeram questão de me lembrar. Meu recurso era rir junto deles, mas por dentro eu só sentia ódio do meu cabelo. Se havia alguma dúvida para alisá-lo, essa dúvida morreu naquele dia.


- Vou passar uns produtos químicos no seu cabelo. Eles são fortes e você terá que tomar certos cuidados com ele. - alertava minha tia.

- Pode passar! - falei determinado.


O alisamento funcionou! Lembro que o produto queimava meu coro cabeludo. Mas meu cabelo estava liso! E eu me sentia o máximo. Corri e tive meu cabelo balançando ao vento. Coloquei ele para trás das orelhas mesmo quando não era necessário. Joguei-o pra trás com vários movimento de cabeça exageradamente encenados. Eu gostava do meu cabelo.


Eu estava com a autoestima tão elevada que resolvi tirar minha carteira de trabalho. Na foto 3x4, um Felipe de cabelo lisos e cheio de si. Lembro que minha mãe brigou comigo. Ela tinha mandado eu cortar o cabelo para tirar a foto do documento.


- Eu sou assim agora! Nunca mais vou mudar o cabelo! - respondi com aquela arrogância típica de um adolescente.


Foto 3x4 da minha carteira de trabalho

Tudo mudaria em um dia na escola. Para manter meu cabelo alisado, um dos cuidados era dormir com ele cheio de um olho especial (que tinha cheiro de uva que até hoje eu consigo me lembrar) e com uma touca de meia calça. Eu acordava, colocava meu boné pra trás e pronto! Mas naquela manhã eu decidi que não precisava do boné. Pra mim, o cabelo estava bom do jeito que estava.


Assim que cheguei na escola, ouço uma risada alta e a frase:


- AE, FELIPE! FEZ CHAPINHA? VOU ALISAR O CABELO DO MEU SACO PRA FICAR IGUAL A VOCÊ!


A vontade de chorar se misturou com a vontade de correr que se confundiu com a vontade de cobrir o cara de porrada. Mas eu não fiz nada disso. Fiquei apenas paralisado ouvindo as chacotas vindas de todos os lados do pátio. Se não fosse duas amigas minhas mandando todo mundo se ferrar e me chamando pra ir pra sala, eu estaria parado lá até agora.


Foi um dos piores dias de aula. Eu só queria ir pra casa. Na verdade, eu só queria cortar meu cabelo. Foi o que eu fiz naquele dia.


- Corta curtinho, tia.

- Mas você não tava gostando do seu cabelo?

- Ah... é que dá muito trabalho cuidar.


Depois disso, ao menor sinal de que ele estava crescendo, eu ia lá e cortava. Aprendi a cortá-lo sozinho. Eu pegava a maquininha da minha tia e fazia o serviço. Passava o pente de número 2. “É rápido, limpo e barato”, dizia eu como mantra por, sei lá, muitos anos. Quando a vontade de deixar o cabelo crescer chegava, eu logo me lembrava: “meu cabelo é ruim”.


Sabe aquelas "loucuras de quarentena" que todo mundo - ou quase todo mundo - fez com o cabelo? Tipo pintar, cortar entre outras coisas? Eu resolvi fazer também. Resolvi deixar crescer, sem alisar. A medida que ele ia crescendo, ele ia ficando com o aspecto do cabelo do Tadeu (aquele meu personagem do teatro). E eu sempre queria correr para o salão mais próximo e cortá-lo. Mas graças a Carol (minha namorada) descobri um produto - vou dizer ele aqui, mas juro que não é uma propaganda disfarçada de história, é que ele é bom mesmo -, um creme de pentear da Lola Cosmetics chamado "CREOULA". O meu cabelo começou a ficar cacheado... e eu comecei a amá-lo assim.

Aí iniciei uma busca por referências de cabelos cacheados que eu achava bonito. De Jon Snow a Crhis Martin na época do Viva la Vida, eu fui percebendo que meu cabelo nunca foi ruim. Meu cabelo é ótimo. Lindo. Forte. Volumoso. Mas o processo pra entender isso demorou e foi doloroso.


A última vez que eu raspei ele foi em janeiro de 2021. Talvez um dia eu possa voltar a raspar, mas garanto que o motivo não será como o de antes. Não será por vergonha do meu cabelo.


Hoje, eu amo meu cabelo!



Foto ressente do meu cabelo


E se eu posso dar uma dica, diria para que você ame seu corpo. Ele é lindo porque ele é seu!


Conhecimento é Conquista! -FS

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