top of page

Ja tentou enxergar a vida como um estóico?

  • Foto do escritor: Felipe Schadt
    Felipe Schadt
  • 30 de jun.
  • 5 min de leitura
Tento ver a vida através das lentes riscadas do meu óculos
Tentando ver a vida através das lentes riscadas do meu óculos

>Astigmatismo é muito chato. Sua córnea ou seu cristalino apresentam alguma deformidade na curvatura natural e isso faz com que aquele que tenha a infelicidade de ter isso, enxergar as imagens distorcidas, causando dores de cabeça e até enjoos. Eu sei disso porque eu tenho astigmatismo e reafirmo: é muito chato.


Eu desenvolvi essa condição há uns cinco anos. Antes disso eu tinha "apenas" miopia. Mas não era uma miopia qualquer não. Desde muito criança eu já apresentava dificuldade para enxergar. Meu primeiro óculos, com 12 anos, tinha lentes que corrigiam 2 graus de miopia. E isso só foi aumentando com o tempo até chegar aos incríveis 8 graus em cada olho.


Eu já estava criando coragem para fazer a tão falada cirurgia de correção de grau. Funciona assim: vão cortar minha córnea como uma tampa de laranja e mexer na minha retina até ela funcionar como deveria. Mas isso não poderia acontecer antes de eu resolver outro problema na minha retina. Ela estava quase descolando e tive que fazer uma cauterização. Para cauterizar a retina, eu tive que basicamente olhar para um flash dez vezes mais potentes do que os flashes de fotografia que queimavam meu olho por dentro. Não recomendo.


Além do problema na retina, descobri que tinha desenvolvido o maldito astigmatismo. "Isso significa que mesmo que você faça a cirurgia de correção de grau, vai continuar tendo que usar óculos por causa do astigmatismo", foi o que me explicou o simpático oftalmologista. "E em breve você será acometido por uma presbiopia - popularmente conhecida como "vista cansada", que nada mais é do que a incapacidade de focar direito -, e os óculos serão inevitáveis", arrematou o médico.


Meus óculos, aliás, estão com as lentes bem desgastadas. Fui na mesma ótica que as mandei fazer para trocá-las. "Olha, eu só quero trocar as lentes, pois o óculos está bem conservado. Quanto vai custar?", perguntei eu à Bruna, uma amiga de trabalho dos tempos em que eu era vendedor em uma ótica. Fiz um cálculo rápido confiando na minha já defasada experiência no ramo dos óculos e imaginei que pagaria metade do valor do óculos completo, já que agora só queria as lentes. Ledo engano. Na época eu havia pego uma promoção e só as lentes do meu óculos custam o dobro do valor do óculos inteiro.


Eu queria renovar os óculos para uma viagem que eu farei. Minha armação é bem legal, pois ela tem lentes para Sol adicionais. Basta eu aproximar as lentes da minha armação e, graças a ímãs, essas lentes grudam na minha armação e meus óculos de grau viram um óculos de sol. Mas com as lentes riscadas, fica ruim de enxergar. Bom, sem dinheiro para renovar as lentes, resolvi fazer o que fiz por anos: usar lentes de contato e óculos de Sol tradicionais.


Mas por causa do astigmatismo, eu não consigo enxergar direito só com as lentes de contato. Elas não corrigem essa deformidade e sinto muitas dores de cabeça por isso. Agora estou aqui, com meus óculos reservas que eu não gosto nem um pouco, tendo que lidar com a triste vida de quem precisa pagar para enxergar.


Eu tinha tudo para ficar chateado com isso. Mas aí lembrei de Zenão, do seu barco e da sua filosofia.


Zenão de Cítio, pai dos estóicos
Zenão de Cítio, pai dos estóicos

Diz a lenda que Zenão de Cítio era um comerciante fenício. Isso significa que ele navegava pelo mediterrâneo levando e trazendo mercadorias. Muitos fenícios passavam mais tempo no mar do que na terra e com Zenão não era diferente. Toda sua vida estava em seu barco e seu barco era sua vida. Num dia, porém, uma tempestade destruiu o barco de Zenão que, por sorte, ou capricho dos deuses, sobreviveu.


Zenão tinha tudo para ficar chateado, mas um pensamento muito simples mudou para sempre sua história. "Não tenho controle sobre a natureza, logo, eu não poderia prever e nem impedir a tempestade, ou seja, minha chateação não mudará esse fato, só me causará mais dor." Ele levou essa ideia para outros pensadores que se reuniam em uma colunata próximo à Ágora em Atenas chamado de Stoa Poikile. Assim, nascia a corrente filosófica conhecida como Estoicismos, por causa dos pensadores da Stoa.


Ouvi uma vez o Juca Kfouri dizer isso e adoro repetir: "Sem solução, solucionado está!"

Para Zenão, a vida boa só pode ser alcançada por meio da razão. A ética estóica é o entendimento pleno da sua condição ante a natureza, ou seja, é aceitar que não temos controle sobre nada e somos, como tudo que há no cosmos, meras peças de um jogo ordenado e finito.


Não estou falando aqui sobre "a sutil arte de ligar o foda-se" e nem de "aceitar seu destino". Estou falando aqui de entender o seu lugar e agir racionalmente. E se você agir racionalmente você sofre menos.


Do que adianta eu ficar chateado com as tristes condições dos meus globos oculares? Ficar chateado vai alisar minha córnea e corrigir minha miopia? Não vai. Só vai me deixar mais frustrado. Agora, aceitar a minha condição e, racionalmente, conviver com ela da melhor maneira possível, é a única coisa que posso fazer. Ouvi uma vez o Juca Kfouri dizer isso e adoro repetir: "Sem solução, solucionado está!"


Isso também me lembra Nietzsche - sempre ele - quando nos ensina sobre o conceito de Amor Fati. Amar os fatos, aceitar a vida como a vida é é um pensamento extremamente estóico. Se a vida te der limões, faça uma limonada, já diria o poeta.


Tentador, mas não se engane. Ser - ou tentar ser - estóico é algo muito difícil. Você já tentou não se chatear quando seu time favorito perde? Ou quando chove no meio do dia enquanto você está na rua e sem guarda-chuva? Ou naquele momento que você descobre que não gostam de você? É difícil, cara.


Sobre esse último tópico, aliás, experimentei uma situação esses dias que exigiu muito estoicismo da minha parte. Professor só é legal enquanto ele não te reprova. Nessa época do semestre, as provas de recuperação são bem comuns. Como o nome da avaliação já diz, ela é uma chance para você recuperar o semestre mal aproveitado. Uma chance na prorrogação do jogo. Bem, minhas provas de recuperação não são fáceis, confesso. Mas são infinitamente tranquilas de serem feitas para quem entende o conceito da recuperação, estuda e se prepara para a prova.


Já fiquei sabendo que - para alguns alunos que precisaram fazer minhas provas de recuperação - o professor mais legal do mundo agora era o diabo em pessoa. Aquela coisa, quando o arrego é magro, o amor acaba.


Dou aula há 13 anos e há 13 anos eu passo por isso. Sou amado até o momento que preciso ser justo e exigente. Bom, isso não deveria me atingir, mas atinge ainda. Tudo bem que antes atingia mais, hoje já consigo ser mais racional e entender que não tenho controle sobre o que as pessoas pensam de mim. E já que não tenho controle sobre isso, aceito e sigo a vida fazendo o meu melhor para mim e por mim, pois eu sim tenho controle sobre o que eu penso ao meu respeito e me decepcionar é algo que me nego a fazer.


Mesmo assim, ainda é difícil. Sou muito movido pelas paixões e sinto muito quando sou atingido. Penso que no fim das contas as paixões são como meus problemas de visão. Elas não vão me deixar enxergar direito e ainda vão me dar dores de cabeça. O segredo é usar os óculos da razão e entender de uma vez por todas que eu não tenho controle sobre nada. Só sobre mim e sobre o que eu vou pensar.


Mas se não tenho controle sobre nada, como posso ter controle sobre o que vou sentir? Droga... acho que os óculos da razão estão com as lentes riscadas.


Conhecimento é conquista.

-FS

Comments


© 2025 por FELIPE SCHADT.

bottom of page