Em um mundo artificial, jornalista vira herói
- Felipe Schadt

- 7 de jul.
- 4 min de leitura

> Um canguru divertiu muita gente na última semana. Uma mulher - dona do canguru - tentava, com certo desespero, argumentar a necessidade de embarcar seu animal de estimação junto dela, mas a funcionária da companhia aérea negava essa possibilidade. O pobre do canguru, sem entender nada obviamente, segurava os cartões de embarque enquanto as humanas no vídeo discutiam.
O vídeo é fake. Mas não é um fake que grita. É um fake bem silencioso que precisa de muito cuidado e atenção para identificá-lo de tão bem feito que ele é. Para qualquer desavisado, essa situação poderia ter sido real, só que o absurdo da cena (um canguru segurando os cartões de embarque) denunciou a piada. Foi divertido.
Ontem (7), Elon Musk postou em sua conta no X (ainda prefiro chamar de Twitter) uma constatação que resume bem esse vídeo do canguru: "Geradores de vídeo por Inteligência Artificial estão avançando na velocidade da luz". Há dois anos, um vídeo feito por IA mostra um desfigurado Will Smith comendo uma desfigurada macarronada de uma maneira completamente tosca e irreal. Hoje, se você procurar por aí, vai ver o vídeo refeito e não terá certeza se é o próprio ator fazendo graça com a situação ou se é um vídeo gerado por inteligência artificial.
Precisaremos de pessoas ou instituições capazes de nos dizer o que é e o que não é verdade.
A primeira vez que tive contato com o termo IA foi no filme de mesmo nome do consagrado diretor Steven Spielberg de 2001. A história do robô que foi programado para ser um menino e que acredita - e até sonha - ser um ser humano. Um pinóquio 2.0.
Ainda na leva dos robôs, como não se lembrar de Andrew, o simpático andróide vivido por Robin Williams que tem um defeito de fábrica: ele é capaz de ter sentimentos naturalmente humanos. A história de Isaac Asimov, escritor de O Homem Bicentenário (1976) - conto que baseou o filme de mesmo nome em 1999 - e de tantos outros contos e livros sobre robôs, é uma das primeiras a inserir no imaginário coletivo a ideia de máquinas extremamente inteligentes com capacidade de realizar coisas incríveis.
Em seu último romance policial, Origem (2017), Dan Brown apresentou o personagem Art, descrito por ele como uma "inteligência sintética". O computador Art foi o parceiro de Robert Langdon na resolução do mistério que o livro trás como trama principal. Como subtrama, a discussão sobre os limites de uma inteligência não humana é muito presente: um robô pode produzir uma obra de arte?
Não vou entrar no mérito da definição de arte, mas o que estamos vendo é que essas ferramentas estão cada vez mais sofisticadas e podem, em um futuro não tão distante, redefinir o que entendemos como arte. Será que você seria capaz de, por exemplo, distinguir se uma poesia foi feita por um humano ou por um robô?
Hoje, já apresentamos certa dificuldade em distinguir se um canguru em uma sala de embarque é real ou não. Imagina como vai ser no ano que vem, nas eleições, se teremos capacidade para saber se o vídeo no qual o candidato aparece fazendo algo (bom ou ruim) é ou não verdadeiro? Colocando na mesa a evolução exponencial das IAs somada à nossa inércia cognitiva, muito em breve não saberemos mais distinguir o que é falso e o que é fato.
Penso que chegaremos num ponto em que nada que apareça nas nossas telas será confiável. Vamos começar a duvidar de tudo em uma espécie de Dúvida Hiperbólica Virtual, ao bom estilo cartesiano. Um vídeo vai chegar no feed da nossa rede social da vez e a primeira coisa que perguntaremos é: "isso é verdade ou foi feito por IA?".
O ser humano precisa de certezas. Se duvida de mim, isso já prova que estou certo. Nessa busca por um chão para pisar em um mundo completamente gasoso, precisaremos de pessoas ou instituições capazes de nos dizer o que é e o que não é verdade. Um setor da sociedade altamente especializado em identificar o que é fato e desmentir o que não é. Estou falando do jornalismo.
Quando não tínhamos olhos para ver tudo, confiávamos no jornalista para nos contar o que aconteceu. Agora que estamos prestes a nos tornar onividentes, precisamos de alguém que nos diga qual das coisas que estamos vendo é real. Em um mundo artificial, jornalista vira herói. Tipo um Clark Kent da vida real, numa análise bem figurativa, se preferir.
Esse papel social sempre foi nosso: investigar, apurar uma história, ouvir os lados envolvidos e divulgar o que é de interesse público para a manutenção de uma ordem social que nos mantém eticamente - e minimamente - vivos e vivendo. Seria essa, portanto, nossa função, a de dizer para você: pode acreditar nesse vídeo (notícia, foto, informação), é real.
Será essa a retomada do jornalismo? Ou será que eu estou apenas me agarrando a uma esperança desenfreada de ver futuro para a minha profissão? E esse texto, será que foi realmente feito por mim?
Conhecimento é conquista?
-FS





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