
> No último dia 20, Donald Trump tomou posse como presidente dos Estados Unidos pela segunda vez (guarde essa informação), mas nem suas falas toscas e seu discurso populista foram capazes de chamar mais atenção do que um único gesto de seu mais poderoso apoiador, o bilionário Elon Musk.
Após a cerimônia que empossou Trump no Congresso Americano, em Washington D.C., o novo presidente se reuniu com apoiadores, fãs e eleitores na Capital One Arena para continuar as celebrações pelo seu retorno à Casa Branca. Tudo acontecia dentro dos conformes, com músicas, apresentações e uma platéia ensandecida, até que Elon Musk entra em cena para discursar.
Ao som de Thunderstruck, do AC/DC, o bilionário e dono do X (antigo Twitter), apareceu muito empolgando, agitando os braços ao som do clássico da banda australiana. Suas palavras foram igualmente empolgadas, dizendo que "era um dia histórico", que era uma vitória que "realmente era importante" e começou agradecer. Foi nesse momento que um gesto ofuscou toda a posse de Trump.
Bateu no peito com a mão direita e, na sequência, estendeu o braço reto para cima, com a palma da mão para baixo. Primeiro para a plateia que estava à sua frente e na sequência, repetiu o gesto para o público que estava às suas costas. Abaixo, uma das versões do vídeo que mostra esse momento narrado em português:
A pergunta que ficou (e que eu recebi de algumas pessoas) foi: "O Elon Musk fez uma saldação nazista?". Vamos por partes. Primeiro, sobre o gesto em si. Ele se trata de um movimento muito similar ao que nazistas faziam como forma de saudação. O movimento do braço em riste com a mão esticada para cima e palma para baixo era acompanhado de "Heil, Hitler!" ou "Sieg Heil!", que significam "Salve, Hitler!" e "Salve a vitória", respectivamente.
Não sabemos com precisão quando a saudação nazista surgiu, mas o que os historiadores supõe é que o gesto foi ideia do próprio Hitler em 1925. Mussolini já utilizava um gesto parecido, que ele teria resgatado dos antigos romanos. Hitler e Heinrich Himmler, pelo contrário, acreditavam que o gesto era oriundo dos antigos povos germânicos e utiliza-lo como forma de cultuar o novo líder da Alemanha seria importante para firmar Hitler no posto.

Fui até a minha estante para revisitar o que Carlos Ginzburg tem a dizer em seu livro, "Mitos, emblemas e sinais" (Cia das Letras, 1989), mais especificamente no capítulo "Mitologia germânica e nazismo". Basicamente, Ginzburg explica como Hitler e seus seguidores distorceram os mitos e símbolos da mitologia germânica para criar novas associações e significados. A saudação foi um desses símbolos distorcidos e ressignificados de uma simples saudação à vitória para um sinal de devoção a um líder que representava, acima de tudo, uma extrema xenofobia.
Ainda na minha estante, fui até Richard J. Evans, um dos maiores historiadores do nazismo, para saber o que ele tem a dizer sobre isso. Em seu aclamado livro "A chegada do Terceiro Reich" (Editora Planeta, 2003), ele explica que a saudação servia, já em 1926, como uma forma de respeito e reconhecimento de Hitler como a grande autoridade, o grande líder a ser seguido.
Hitler logo avivaria o entusiasmo popular outra vez, seu carisma agora reforçado pelo culto da liderança que havia crescido em torno dele dentro do Partido. Uma importante expressão simbólica disso era o uso da "saudação alemã" "Heil, Hitler!" com o braço direito estendido, estivesse Hitler presente ou não. Tornada compulsória no movimento em 1926, era cada vez mais usada também como gesto de despedida. (EVANS, R. J., 2003, p. 271)
"Mas você disse que Hitler "copiou" a saudação dos romanos. O Musk poderia muito bem ter feito a saudação romana e não a nazista", alguém pode questionar, mas será mesmo?
Esse trecho narrado por Evans por si só já demonstra que a saudação era notoriamente utilizada pelos seguidores do nazismo como símbolo máximo de devoção ao regime e ao seu líder. Além disso, o gesto ficou mundial e historicamente famoso por causa de Hitler. E outra coisa precisa ser colocada na mesa: um símbolo pertence ao seu tempo.
Quer um exemplo? A suástica é um símbolo sagrado do hinduísmo, do jainismo e do budismo há séculos. Inclusive, a palavra suástica, oriunda do sânscrito, significa "boa sorte" ou "bem-estar". Mas o que acontece se você sair na rua com uma dessas estampada na sua camiseta? Aposto que ninguém vai te associar ao hinduísmo antes de pensar que você é um nazista destemido.

Não foi um "sinal romano", por fim, porque devemos lembrar do que Charles Pierce, um dos pais da semiótica, explica como "interpretante", que nada mais é do que a interpretação que um símbolo provoca. Essa interpretação nunca é anacrônica (um símbolo pertence ao seu tempo, lembra?), ou seja, a saudação que o Elon Musk fez está dentro de um tempo, de um lugar e de um contexto.
O tempo é o tempo de agora, que ainda sofre com as influências do nazismo alemão. Para a história, Hitler está tão próximo do nosso tempo quanto seus pés estão da sua cabeça. Exemplo disso é como suas ideias ainda reverberam no mundo todo. A AfD (Alternative für Deutschland, ou Alternativa para Alemanha) é um partido de ultradireita com ideias muito similares ao nazismo que assombra a Alemanha até hoje, principalmente no campo da xenofobia.
O lugar é os EUA, palco da reeleição de Donald Trump, que em seu discurso de posse feito ontem (20) declarou que vai iniciar uma verdadeira guerra contra a imigração, principalmente dos mexicanos. Seu lema "Make America Great Again" é baseado na xenofobia extrema, uma repaginada no famigerado "América para os americanos" e do "Fora estrangeiros", dito por neonazistas na Alemanha, lembrando a política racial de Hitler.
O contexto é que Elon Musk fez, no dia 9 de janeiro deste ano, uma transmissão ao vivo em sua plataforma de mídia social X ao lado da líder do partido ultradireitista Alternativa para a Alemanha (AfD), Alice Weidel. Na live, ele confirmou o seu apoio ao partido e disse “só a AfD pode salvar a Alemanha”. Além disso, como já vimos, Musk é um apoiador - se não for o maior deles - de Donald Trump e de sua política anti-imigração.

Além de tudo isso, o modus operandi do nazismo de se comunicar com as massas muito se assemelha ao jeito de se comunicar da extrema e ultradireita defendida e apoiada por Musk. Ainda na minha estante, Ian Kershaw, um dos maiores biografos de HItler do mundo, explica em sua obra dedicada ao ditador nazista "Hitler" (Cia das Letras, 2010) que um de seus grandes discursos, no Lustgarten de Berlim, em abril de 1932, o Füher era ovacionado quando "reduzia tudo a uma fórmula muito simples: se a "visão de mundo" marxista não fosse "erradicada", a Alemanha jamais se reergueria" (KARSHAW, I., 2010, p. 211) e proferia palavras de ódio.
Quanto mais Hitler pregava a intolerância, a força e o ódio como solução para os problemas da Alemanha, mais sua plateia [de 200 mil pessoas] gostava. Foi interrompido em várias ocasiões com aplausos e gritos de "bravo". No final, houve uma grande ovação e gritos de "Heil". (KERSHAW, I., 2010, p. 212)

Elon Musk fez um gesto nazista? A resposta é muito simples: Sim. O dono da Tesla, SpaceX e do X, o homem que quer levar o primeiro ser humano para Marte, o agora responsável pelo Departamento de Eficiência Governamental (uma espécie de conselheiro de gastos públicos do presidente), fez um gesto nazista para todo mundo ver e foi até elogiado por grupos neonazistas pelo feito. Não cabe o benefício da dúvida para o bilionário que chegou a declarar que não sabia o que era um “sieg, Heil”.
Donald Trump não pode mais concorrer à Casa Branca. Lá nos EUA, uma pessoa não pode ocupar o cargo de presidente mais do que duas vezes. Isso significa que a direita norte-americana precisará encontrar um nome para lançar em 2028. Alguma dúvida de que esse nome será o de Elon Musk?
Apertem os cintos e se segurem nas cadeiras. Podemos ver, em menos de 100 anos, a história se repetir (outra vez como tragédia).
Conhecimento é conquista.
-FS
Comentarios