Uma carta para o fim do mundo
- Felipe Schadt
- há 10 minutos
- 3 min de leitura

> O mundo acabou. Bom, pelo menos eu acho que acabou. Nunca vou ter certeza, pois eu poderia ter acabado antes do mundo. Eu jamais saberei. Mas se você está lendo isso, de duas uma, ou essa carta chegou cedo demais até você (antes do fim do mundo) ou de fato ela está cumprindo o seu papel e sendo lida por sabe-se lá quem restou do armagedom.
Eu vou ignorar o primeiro grupo. O grupo dos apressados que são ansiosos o bastante e não podem esperar a hora certa das coisas. Custa esperar o mundo acabar para ler essa epístola? Mas já que você vai ler precocemente, saiba que essas palavras não são destinadas a você. Elas fazem muito mais sentido para o pós-sociedade. Não diga que eu não avisei.
Já você, do segundo grupo, aquele que insistiu em sobreviver num mundo que não existe mais, essa mensagem é para você. Pois quero que você leia e pense como nós, aqui do passado, assistimos ao fim dos tempos de olhos fechados. É bem provável que você nos julgue por isso, mas sinceramente eu não dou a mínima. Eu já não estarei aí para sentir vergonha.
Foi nossa culpa! Pronto! Rápido e limpo. Como tirar o band-aid de uma vez de uma ferida que já criou casquinha. Não foi a gente quem fez o mundo explodir pelos ares, mas foi nossa inação quem permitiu isso. E algumas escolhas ruins.
A gente foi deixando... deixando... deixando até boom! Tudo foi pelos ares.
Vou começar com as escolhas ruins. Nunca soubemos escolher. E quando eu falo em escolher, falo das escolhas coletivas. A gente sempre teve uma mania desgraçada de querer levar vantagem em tudo pautando nossas escolhas nessa premissa maldita. Sabe aquela história do Rousseau da "vontade geral"? Isso só ficou no papel. Nunca foi colocado em prática nas sociedades modernas.
Por causa desse defeito de fábrica - e me desculpe o Rousseau, mas eu particularmente acho que Hobbes tinha razão e a gente nasce mau sim -, escolhemos as piores pessoas disponíveis para nos representar. Quando escolhemos certo, não fez diferença nenhuma. Em determinados lugares, no qual era muito importante escolher certo, escolhiam errado. Estou falando das nações que tinham poder bélico para destruir o mundo com um único botão.
Deixamos uns malucos escolherem outros malucos para decidirem sobre apertar ou não esse botão. Cada um desses doidos escolhidos tinham um botão para chamar de seu e ficavam ameaçando uns aos outros durante o recreio. Os professores desse colégio hipotético eram como os professores da vida real, ou seja, não tinham nenhum poder sobre os garotos mimados que ficavam esperneando para ver quem gritava mais alto.
A briga começou bem no meio do mundo. Era uma briga antiga, de uma época em que não existia botão nenhum. Mas foi se arrastando... se arrastando... se arrastando até trocarem os gritos, insultos e ameaças, por mísseis teleguiados e morte de inocentes. Enquanto isso, a gente foi deixando... deixando... deixando até boom! Tudo foi pelos ares.
Essa é a inação que eu falei no início. Exatamente como Bertold Brecht previu em seu poema - aquele que ele fala "primeiro levaram os negros, mas eu não me importei com isso, eu não era negro" -, nós pensávamos no quão longe isso estava da gente. "Deixa eles lá se matarem, enquanto isso a gente se diverte nas nossas festas". Lembro bem que foi em época de festa junina, mas os estouros não eram mais os fogos de artifício e os balões caiam de verdade.
O fato é que alguns até tentaram fazer algo. Chamar a atenção de gente importante, mas o problema é que era justamente essa gente importante quem estava causando o problema. O resto de nós estava ocupado e se você apostasse qual era nossa ocupação, perderia fácil.
Um dos meninos birrentos tinha o maior botão de todos e resolveu se envolver na briga que não era dele, mas de um de seus amigos. Esse menino com cara de laranja já tinha sido expulso, mas voltou por causa das escolhas ruins que muita gente insistiu em fazer. Do outro lado do pátio, os inimigos do cara de laranja também tinham botões e em algum momento, todos eles resolveram apertar para ver o que acontecia.
Foi então que aconteceu. O mundo acabou.
Se você está lendo isso depois do fim do mundo, perdão. Foi nossa culpa. Mas se você me permitir, acho que dá para nos redimirmos disso. Fica aqui então a única coisa que podemos dar para vocês aí no pós-apocalipse: uma dica. Uma não, duas.
Primeiro: Escolham direito para não precisar sentir vergonha de ignorar as consequências de suas escolhas depois.
Segundo: Conhecimento é conquista.
-FS
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