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Diário de Bordo #18 - A primeira fileira

  • Foto do escritor: Felipe Schadt
    Felipe Schadt
  • há 12 horas
  • 5 min de leitura

Helô Franco, em sua estreia no cinema
Helô Franco, em sua estreia no cinema

> Ele estava ofegante. Parecia ter gostado muito de ter descontado todas as suas frustrações no rosto daquele cara. Sua camisa regata branca estava suja de sangue e não era o seu. A câmera vai se aproximando até que a tensão é interrompida por um blackout na tela.


Ufa... Luzes se acendem e aplausos preenchem o silêncio de uma plateia atônita. Eu ainda estava processando o filme que acabara de assistir quando uma jovem surge como fogos de artifício bem na minha frente. No rosto, um sorriso fácil, nos olhos, a busca por uma resposta. Suspeito que ela queria saber se eu e sua outra ex-professora havíamos gostado do filme que ela tinha ajudado a produzir.


Não havia tempo para avaliações. Precisávamos sair rápido da sala de cinema do Complexo Fepasa, em Jundiaí. Ela estava lotada e havia mais pessoas para fora esperando sua vez para assistir O Motorista, curta-metragem escrito e dirigido por André Leão e que fazia uma exibição exclusiva naquele domingo dia 27 de abril.


Pedi para a moça de riso fácil e olhos piedosos para ficar ao lado da tela. Eu queria tirar uma foto dela em sua estreia no cinema. Eu queria guardar aquele momento, que já estava na memória, nos autos da minha coleção de recordações dos meus pupilos. Eu queria aquela foto para esse texto aqui no blog.


Ela fez a pose e eu apertei a tela do celular. Pronto. O primeiro filme de Heloísa Cristina Del Roy Franco havia nascido e eu tinha visto essa estreia do jeito que eu havia prometido que faria: da primeira fileira.


Câmbio.

...


Quando eu conheci a Helô, há quase um ano, soube desde o primeiro segundo que nós nos daríamos bem. Ela tinha um Love Botton no estojo. Acontece que esses são os bottons entregues nos shows do Coldplay e eu já imaginei o quanto ela ficaria feliz quando descobrisse que o novo professor de Filosofia era o "cara do violão"...


Não bastasse isso, ela era uma aluna exemplar. Inteligentíssima, simpática, educada e o mais importante de tudo, sonhadora. Com um olhar sensível para a arte, a Helô logo deixou claro para o novo professor que seu caminho seria a Comunicação. Torci para que fosse jornalismo, claro, afinal eu advogo para o meu lado, mas era no cinema que ela queria estar.


E vale destacar aqui que essa moça estudava em uma sala extremamente talentosa. Sabe aquela turma que você enche a boca para falar bem? Aquela que vai ser motivo da sua nostalgia acadêmica para sempre? Pois é. Mas mesmo no meio de tanto aluno excelente, a Helô conseguia se destacar de alguma forma muito particular.


Lembro de um dia que fui recepcionar os alunos na prova do ENEM. Chovia insistentemente no campus do UniAnchieta, mas eu estava curtindo aquela experiência. Foi nesse dia que senti minha utilidade como professor. A Helô, completamente séria e demonstrando certa preocupação, estava subindo a rua com a sua mãe quando me avistou vestido de laranja e com um guarda-chuva amarelo. Ela se permitiu sorrir e eu percebi que seu rosto preocupado deu lugar ao semblante de alívio por ver alguém conhecido que estava alí para torcer por ela.


O último dia de aula dessa menina foi uma choradeira sem fim. Levei meu violão do Coldplay para a turma. Eu havia prometido para ela e outras alunas que faria isso no último dia de aula. Ao som de Yellow, a Helô estava, como quase todos ali, com o rosto mega vermelho de tanta lágrima que caia. Comigo não foi diferente. Com muito esforço consegui terminar a música e tirei forças sabe-se lá de onde para dizer uma frase que, segundo a própria, marcaria ela e a sala toda. Uma frase que foi parar no discurso de formatura lido por ela na colação de grau, bem do meu lado no pé do palco: "A saudade é a constatação metafísica de que fomos felizes". Mas não daria tempo de sentir saudades da Helô.


A Filha da PUC e o Professor
A Filha da PUC e o Professor

Ainda no colégio, passou com louvores no vestibular da PUC Campinas no curso de Cinema. Com os braços e testa pintados de batom com o nome do seu curso e a faculdade que havia escolhido, eu olhei bem para ela e disse: "Filha da PUC! Cinema, é?... Que bom saber que o segundo Oscar do Brasil virá pelas suas mãos", já profetizando o primeiro Oscar brasileiro de Ainda Estou Aqui que viria meses depois. Ela sorriu com a perspectiva, mas ficou nervosa com a responsabilidade. "Vou te convidar para assistir todos os meus filmes", respondeu. Então, como um dos maiores fãs dos meus alunos que sou, completei: "E eu estarei na primeira fileira de todos eles".


Uma postagem da Helô meses depois me chamou a atenção. Ela estava participando da produção de um curta-metragem que parecia ser promissor. Ela conseguiu o job graças a outra professora que compartilha comigo a mesma disposição de admirar os feitos dos seus alunos. Foi a Ana Padilha, professora de português, que indicou a Helô para trabalhar nesse projeto. "Quando eu vi a postagem que estavam precisando de estagiários de cinema para participar do filme, eu pensei imediatamente na Helô", disse pra mim certa vez.


Helô no meio da produção de O Motorista (Foto: Arquivo Pessoal)
Helô no meio da produção de O Motorista (Foto: Arquivo Pessoal)

"Ooiieeeee Felipãooo!!!! Como estasss?? Olha o que eu tenho aqui!!! Sessão do curta que eu participeeii!! No domingão 27 lá na sala de cinema do Fepasa. Falei que ia te avisar quando fosse passarr, ta aíiii", foi o recado que recebi no WhatsApp.


Assim que estacionei o carro no domingo da exibição, ouvi a voz dela e da Manu, sua amiga inseparável e também uma ex-aluna muito querida. Além das duas, suas respectivas mães que, ao me verem, não deixaram escapar comentários sobre a minha performance na noite anterior do show da Lost Liars - que você pode ler aqui.


Sempre sorridente e receptiva, a Helô me abraçou demonstrando a mesma feição de quando me viu na porta da universidade no dia do ENEM. E lá fomos para a sala de cinema conhecer o primeiro trabalho de sua carreira nas telonas. Assim que chegamos na sala do Complexo Fepasa, muita gente já tinha tomado seu lugar e quis o destino que cadeiras na primeira fileira estivessem vagas.


O Motorista é um curta-metragem escrito e dirigido por André Leão e que conta com Erom Cordeiro no papel de Antônio, um motorista de aplicativo que está em crise existencial e que, entre viagens e passageiros, repensa toda sua vida em uma corrida que mudaria para sempre sua história.



Eu não vou falar mais do que isso. Não quero dar nenhum tipo de spoiler. Mas o que você precisa saber é que o curta-metragem jundiaiense é de tirar o fôlego. Um roteiro intenso, excelentes imagens, um som impecável e uma atuação digna de prêmio. Não atoa, o filme foi aplaudido de pé pelas quase 100 pessoas que lotaram o espaço.


Minha visão do filme (da primeira fileira)
Minha visão do filme (da primeira fileira)

Entre o impacto que o filme causou em mim, eu só conseguia pensar no orgulho avassalador que tomou meu coração quando eu vi nos créditos o nome da Helô. Imaginei ali quantas vezes eu iria ver o nome dela subir na tela. Ela surgiu e me tirou do devaneio, estava pronta para a foto que havia prometido para mim e para a Ana Padilha. Nós queríamos uma foto dela ao lado da tela de cinema.


Saímos da sala, a abracei e a ouvi dizer: "Você realmente estava na primeira fileira, Felipão". E é claro que eu estaria e estarei sempre.


O primeiro passo para o segundo Oscar do Brasil foi dado. Podem me cobrar.


Câmbio, desligo!


Conhecimento é conquista.

-FS


Eu e a futura vencedora do Oscar
Eu e a futura vencedora do Oscar

P.s.: já que a Helô, adepta ao mundo dos blogs, não escreveu no seu. Tive que escrever no meu. Esperando seu relato, dona Heloisa!

2 Comments


carladrf
há 9 horas

Muito obrigada por tanto, professor... você já faz parte da história da nossa família 💛 que você continue inspirando as pessoas a irem em busca de seus sonhos !!

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Cinefhelozando
Cinefhelozando
há 9 horas

Ah, Felipão!! Ia falar que você não existe, mas sorte a minha que isso não é verdade!!♥️ O meu choque quando eu descobri que você era o cara do violão é impossível de descrever! Eu lembro que repeti "mentira" pelo menos umas 5 vezes, e você respondeu com "verdade" todas essas 5 vezes. Esse era um encontro que tinha que acontecer nesse mundão!!♥️ E meu coração fica explodindo de alegria em ler esse diário do seu Blog. Fiquei o texto todo com um sorriso de orelha a orelha!! A diferença que você fez em minha caminhada como aluna, e a diferença que você faz na minha caminhada da vida são absurdas. Tenho uma gratidão eterna a Deus por ter proporcionado…


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