
> Finalmente depois de sei lá quanto tempo - e nem é força de expressão, eu não me lembro mesmo -, a Genomma voltou a ter um ensaio. Isso porque, depois de muito tempo encontramos alguém para assumir a bateria da banda.
Então o ensaio teve ares de um recomeço, o início de um novo ciclo, de uma nova história. E eu fiquei pensando um bocado de coisas sobre um fato que nos persegue: a banda recomeçou algumas vezes, mas a grande maioria delas foi por causa do que o Jeck chama de "a maldição dos bateristas".
Câmbio!
...
Segunda-feira, 21h, estúdio do Maurício, perto do Jundiaí Shopping. Data, horário e local para o primeiro ensaio da Genomma no ano, o primeiro depois de muito tempo. Fiquei boa parte do dia ansioso com isso. Tão ansioso que cheguei bem mais cedo do que eu precisava.
Mais ansioso que eu, estava o Jeck. Precisamente, um minuto mais ansioso que eu, pois foi o tempo entre ele chegar no estúdio e eu aparecer na sequência. Éramos só nós dois ali na rua, na frente da casa do Maurício que abriga sua sala de ensaio.
Mais ansioso do que eu e o Jeck, estava o Lucão. Quando descemos para o estúdio, ele já estava lá na área de espera. Não sei precisar quanto tempo. O Lucão iria fazer o primeiro ensaio com a gente e estava encarando a parada toda como um teste. Nós também estávamos, afinal, mesmo sabendo que ele é um bom baterista, precisávamos saber se iria dar liga entre nós.
Esse sentimento pré-ensaio/teste sempre me pegou muito. Porque a gente coloca muita expectativa de que o novo integrante vai manter o ritmo que a banda está acostumada. A Genomma tem mais de 15 anos, eu o Jeck e o Kindim temos um entrosamento digno de Ronaldinho Gaúcho, Ronaldo Fenômeno e Adriano da Copa de 2006. Toda vez que um baterista vai entrar na banda, a gente espera que ele seja no mínimo um Juninho Pernambucano.
Ao mesmo tempo que existe essa expectativa de que "nossa, nem parece que nunca tocamos juntos", ainda existe uma cobrança invisível - da minha parte - de que o novo integrante soe exatamente igual ao anterior, mais precisamente igual ao Matheus, pois ele era, nessa nossa seleção particular, o nosso Kaká. Claro que essa cobrança é só um devaneio sem sentido que entra imediatamente em conflito com a ânsia pela nova identidade que uma nova pessoa vai trazer para a banda.
Eu já deveria estar acostumado com esse sentimento, afinal, não foi a primeira vez que isso me aconteceu.
Em 2009 a Genomma fazia seus primeiro ensaios na garagem de um primo meu em Campo Limpo Paulista. Ensaiávamos para nossa estreia em novembro daquele ano em um concurso de bandas autorais chamado Pop Festival. Cada banda deveria tocar três músicas, sendo uma delas obrigatoriamente autoral. Minha influência - e insistência em querer ser o Bono - fez com que escolhêssemos duas músicas do U2 para fazer companhia a nossa única música autoral até então: "Perfeito Lugar".
A banda também era bem diferente na época. Éramos cinco e não quatro, com dois guitarristas o Jeck e o Alessandro; um baixista, o Cássio; um baterista, o Nícolas; e eu nos vocais. Tínhamos formado a banda um mês antes e estávamos muito animados para a estreia, mas a uma semana dela acontecer, nosso baterista resolve sair da banda. Não me lembro o motivo - se é que teve algum -, mas aquilo teria enterrado a Genomma antes mesmo de nascer.
Na mesma garagem, outras bandas do bairro também ensaiavam. Meu primo tinha sua banda (na qual eu já tinha feito parte), mas tocava em outra banda que também ensaiava ali. Essa outra banda, The Homers (porque o vocalista era careca, tinha uma barba rala e uma barriga saliente, o que fazia acreditar que era uma versão live action do Homer Simpson), tinha um jovem baterista de 16 anos que amava músicas dos anos 80. Era o Matheus.
Imploramos para o Matheus assumir a bateria vacante pelo menos para o Pop Festival. Eram três músicas, ele era muito bom apesar da idade, morava no bairro o que facilitaria os ensaios de emergência e gostava e conhecia as músicas do U2 que escolhemos: "Vertigo" e "With or without you". O problema era que ele tinha 16 anos e no regulamento do concurso, menores de 18 anos só poderiam participar com a presença dos pais ou responsáveis no local do evento.
Foi como pedir alguém em namoro. Fomos até a casa dele e pedimos para o Virgílio, pai do Matheus, se ele autorizava o seu filho a tocar com a gente no festival e se ele estava disposto a acompanhá-lo in loco. Não sabíamos ali, mas o Virgílio se tornaria um dos maiores apoiadores da Genomma no quesito moral. Foi um pai para todos nós.
Deu certo e fomos para a Lounge (no Beco Fino, em Jundiaí). Antes de subirmos no palco o Matheus havia nos lembrado mais uma vez que seria apenas aquele show que faria com a gente. "Galera, eu vou ajudar vocês, mas eu tenho outras duas bandas e não posso assumir o compromisso com vocês". Eu não estava preocupado com isso, mas deveria ter me atentado aos sinais.

Ele continuou na banda por dez anos e em 2019 teríamos a nossa segunda troca de baterista. Nesse meio tempo, o Cássio saiu, o Kindim entrou, o Alessandro saiu, eu saí, o Daniel entrou, a banda acabou e voltou para produzirmos nosso primeiro álbum. Às portas do lançamento, o Matheus saiu. Ele estava envolvido demais em outro projeto que participava e nós precisávamos urgente de outro baterista.
Felizmente o Bruninho assumiu a bronca. E foi bronca mesmo: shows agendados, músicas para tirar, clipe para fazer, álbum para lançar. E ele assumiu bem e foi nosso baterista por pouco mais de um ano. Mas aí ele virou pai e não havia argumento maior do que esse e ele foi se dedicar ao maior projeto de sua vida.

Mas isso aconteceu no meio do processo de gravação do nosso segundo álbum. Como era período de pandemia, não ensaiávamos nem tocávamos juntos. Focamos em produzir música de maneira isolada, mas ainda sim era algo que precisava de foco e dedicação. Por isso o Windi, nosso produtor - e um excelente baterista - criou toda a linha de bateria das músicas novas. A gente até flertou com a possibilidade dele assumir de vez o posto, mas ele foi muito sincero: "Se eu assumir, saibam que não poderei tratar a Genomma como prioridade. Tenho meu estúdio, meus freelas em outras bandas... Se eu entrar, vou mais atrasar vocês do que ajudá-los".
Sem baterista e com a perspectiva de shows futuros com o lançamento do álbum, me lembrei de ter conhecido uma fã do U2 na fila dos shows de 2017 que tocava bateria. A Fabi aceitou na hora fazer um teste com a gente e no dia do ensaio/teste - no mesmo estúdio do Maurício - ela arrasou. Não pensamos duas vezes e fizemos o convite.
Deveríamos ter pensado. Embora ela fosse muito boa e ter dado para a banda uma representatividade feminina muito interessante e necessária, ela morava muito longe e ensaiar era sempre uma epopéia, ora para gente que teria que enfrentar quilômetros de estrada, ora para ela que teria que fazer o mesmo. Mesmo assim, ela foi a responsável pela bateria nessa fase da banda, uma das melhores da nossa história.

Não deu para ela ficar. Ela também tinha outro projeto cover, mas isso nem foi o problema. Foi a distância mesmo. Mas estávamos a todo vapor com os shows que montamos e queríamos tocar mais. Foi então que apelamos para a carta que nunca escondemos que tínhamos, mas que não queríamos admitir que precisaríamos usar: o Matheus.
Sem muitas explicações: ele voltou para a banda. Inicialmente com um discurso de que seria apenas um baterista backup, pois ele já estava envolvido em inúmeros projetos covers e com a agenda lotadíssima. Como da primeira vez, ignoramos os sinais e, meio que a fórceps, instituímos que ele tinha voltado para a banda. Mas a maneira como isso aconteceu foi quase que uma covardia.
Aniversário de 60 anos do Virgílio e o Matheus queria fazer uma surpresa para ele: "Vamos tocar no aniversário do meu pai? Ele vai ficar muito feliz em ver a gente juntos pelo menos mais uma vez". Cara... guardada as devidas proporções, pra mim foi como teria sido se os Beatles voltassem. Tudo estava no lugar certo. Fizemos um único ensaio para aquele "show particular" e foi o suficiente. O "quadrado mágico" da seleção de 2006 estava em campo. O Virgílio chorou, eu chorei, o Matheus chorou... foi uma choradeira geral. Os meninos da garagem de Campola estavam de volta.
A lua de mel durou pouco. O Matheus, que tinha avisado, não tinha agenda para a Genomma. E em um movimento errado, decidimos esperar por um milagre. O milagre não veio, ficamos muito tempo sem tocar, entramos em um limbo improdutivo e ficamos estagnados enquanto ouvíamos de todo mundo que nos encontrava: "E a banda?". Eu respondia: "Boa pergunta".
O Kindim chegou e me tirou do devaneio. Voltei para onde estava e percebi que iríamos entrar no estúdio com o Lucão para o ensaio/teste.
Você quer saber se o Lucão foi bem, se ele passou no teste, não é? O que você pode saber até o momento é que ele foi bem sim. Se eu falar que eu não estranhei, estarei mentindo, mas eu pude perceber duas coisas que me animaram muito: 1º é que ele estava com muita vontade de estar ali, tirou as músicas que precisava e fez bem feito; 2º é que o ânimo dele nos animou bastante e várias perspectivas se abriram a partir do ensaio de ontem. Eu senti, depois de muito tempo, que a Genomma está pronta para uma nova fase.
Agora nós iremos trabalhar no entrosamento. Isso faltou, não vou negar. Mas nem sempre entrosamento ganha campeonato. Tá aí a seleção de 2006 que não me deixa mentir.
Câmbio, desligo!
Conhecimento é conquista.
-FS

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