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Diário de Bordo #28 - "Meu Patrono favorito"

  • Foto do escritor: Felipe Schadt
    Felipe Schadt
  • há 8 horas
  • 7 min de leitura
Eu e os meus Minions prestes a dominar o mundo
Eu e os meus Minions prestes a dominar o mundo

Para mim seria mais um dia de pedágio do terceirão (que eles insistem em chamar de trote). Como sempre fiz questão de participar da brincadeira, não seria diferente dessa vez. "Sor, vem de Gru na quinta-feira que a gente vai vir de Minions para o trote! O senhor consegue?". Eu não ia raspar o cabelo e muito menos a barba, mas eu tinha um cachecol perfeito para a ocasião e roupa preta não me falta.


Na quinta-feira do trote (que na verdade é pedágio) eu caminhava rumo a sala do terceirão. Uma das coordenadoras estava me esperando na porta, com o celular na mão e com cara de quem havia aprontado algo. Na sala, as luzes estavam apagadas e eu já não sabia o que esperar.


Quando eu abri a porta, aqueles alunos pintados de amarelo tramaram um plano capaz de me fazer chorar.


Câmbio!

.


Ser contratado para substituir um dos professores favoritos da escola é uma tarefa muito difícil. Ainda mais quando você entra no meio do ano. Eu imagino a cara dos alunos quando me viram entrar na sala quando eles esperavam o outro professor entrar. E eu entrei causando o maior desconforto que eu pude produzir naquela turma.


Arrastei uma cadeira até o centro da sala, me sentei e fiquei olhando fixamente para cada um deles em silêncio. Eu não sei o que se passou na cabeça daqueles alunos da 2ª série do Ensino Médio, mas imagino que me acharam minimamente estranho. Tudo normal para um professor de filosofia que queria provar um ponto: a dúvida movimenta e eu só me movimentei quando eles começaram a soltar perguntas como "quem é você?", "qual o seu nome?", "do que você gosta?"...


Eu pensei que aquela dinâmica iria impressioná-los. Ledo engano. Na semana seguinte, os levei para o anfiteatro para uma aula em roda, para conversarmos um pouco mais. Não consegui muito a atenção da maioria e a minoria que estava focada em mim não botava fé nas coisas que eu falava. Percebi que seria um relacionamento difícil.


E não foi por falta de aviso. Essa turma era sempre assunto na sala dos professores quando a pauta era relacionada a comportamento. Mas eu tinha a vantagem de ser novo na escola e podia experimentar a tática do "vamos começar do zero" literalmente do zero. Pude entender como eles funcionavam e nos meses seguintes fui, aos poucos, avançando nas trincheiras daquela turma.


Tudo mudou quando eles se tornaram o terceirão. Quando descobri que minha terceira aula na segunda-feira seria com eles, senti um estranho frio na barriga. Eu queria encontrá-los pois eu queria viver com eles essa fase que, na minha humilde opinião, é a melhor de toda a vida escolar. Queria ouvir suas expectativas e planos, mas mais do que isso, queria tentar ensiná-los a maior lição que eu sabia sobre esse momento que eles estavam prestes a vivenciar.


Qual é o instante de vida que vale a pena viver? Resposta rápida: é aquele instante que você não queria que acabasse, que queria que durasse para sempre e, se pudesse, gostaria de repetir infinitamente. Entender isso é muito mais do que "achar" a fonte da felicidade. Entender isso é compreender que as coisas boas não duram para sempre e por isso mesmo devem ser vividas com toda a potência possível.


Alguns dos pedágios (que eles chama de trote) que eu participei e me diverti (Fotos: Bia Scarpato)


Desde o primeiro dia letivo desse ano, meu discurso para eles era sobre isso. "Aproveitem esses momentos, pois tudo isso vai acabar". Queria aliviá-los da dor iminente do fim. Ah, como fui ingênuo. Primeiro que é muita pretensão querer que um monte de adolescente siga as regras de seja lá quem for, segundo que mesmo que eles seguissem meus conselhos, iriam sofrer na despedida do mesmo jeito.


Falando em rebeldia, essa turma levava isso muito a sério. Atentos, transgressores, críticos e questionadores, nada passava despercebido por eles. Sobre as injustiças que viram e viveram, a revolta era quase imediata. Um dia, revoltados com uma situação que parecia não ter solução fácil, parei parte da minha aula para tentar acalmá-los, disse algo mais ou menos assim: "Escolham as suas batalhas. Nem todas valem o esforço". Vi cabeças concordando e a paz invadindo o rosto de alguns.


O bom de ser professor de filosofia e sociologia é poder usar o cotidiano como exemplo em aula. Quantas vezes uma situação que havia acabado de acontecer comigo, com eles ou com o mundo foram temas de discussões acaloradas e cheias de vida. Como eu amava promover debates nessa turma. Era uma fagulha e pronto, reação em cadeia de meninos e meninas querendo defender seus pontos de vista. Um deleite.


Toda essa energia era dividida entre as aulas, os deveres, os trabalhos e os estudos para os vestibulares que chegariam. Mas um terceirão não vive só disso. Fiz questão de ceder os minutos finais de algumas aulas minhas para que eles pudessem se organizar para a parte divertida de estar se formando. Lembro com carinho até hoje da formação da comissão de formatura, da não escolha de um Bem-Te-Vi como mascote, de cada pedágio (o trote deles), da camiseta e moletom incríveis que eles fizeram e de como eles se engajaram com tudo isso. De maneira caótica, é verdade, mas ainda sim feliz.


Carinhosos, fizeram questão de homenagear cada um de seus professores na arte da camiseta e do moletom. Um gesto que ganharia amplitude agora no final, quando promoveram uma série de homenagens para nós [professores] e funcionários do colégio. Eles queriam ser inesquecíveis... pois bem, conseguiram.


Nessas homenagens, eu fui um dos agraciados. Mas mal sabia eu o que me esperava. Faz só um ano que estou no colégio e divido a sala de aula com professores que estão há mais de uma década vestindo as cores do Domus. Professores que são amados e que acompanharam o crescimento de parte desses alunos desde muito cedo. Azzoni, Renato, Mari, Márcia... Escolhas óbvias para serem honradas na formatura. "Um dia chegará minha vez", pensei quando descobri que as escolhas do terceirão foram dois desses grandes professores.


Mas lá estava eu vestido de Gru rodeado de um monte de alunos pintados de amarelo representando meus Minions. Todos me cercaram na mesa do professor e foi me estendida uma carta. Eu tremia. As lágrimas já pediam licença e eu tentando escondê-las da atenta câmera fotográfica da Bia. Foi então que Maria Helena, uma aluna que sonha em ser professora e que, tenho certeza, será uma sensacional, leu o conteúdo que ela mesma escreveu para mim.


Os presentes que eu ganhei do terceirão
Os presentes que eu ganhei do terceirão

Segurando o choro, ouvi com atenção cada palavra de gratidão que aquele texto tinha. Do quanto eles gostavam de mim e de tudo o que eles haviam aprendido de mais importante nas minhas aulas. Eu estava me recuperando do "golpe" quando me pediram para eu encenar a fala clássica do Meu Malvado Favorito: "Minions, hoje nós vamos roubar a Lua!" e eles responderam em uníssono: "Nós já roubamos" e Mayara, a arquiteta de toda a homenagem e que havia me presenteado com um cookie que ela mesma havia feito, apareceu com uma luminariazinha em formato de lua para me entregar. A cena foi perfeita, pois a luminária acendeu no exato momento que as luzes se apagaram e emocionado eu tive que escutar um dos pedidos mais importantes que já me fizeram em uma sala de aula: "Você aceita ser o nosso patrono?"


"Mas não há patronato em formaturas de ensino médio. O patrono representa todo um curso e é escolhido em faculdades", pensei. Foi então que veio mais um "golpe". Maria Helena puxou a palavra e me explicou que eles não seguiram as regras, que eram transgressores e "rasgaram" o protocolo de colação de grau exigindo que fosse aberta uma exceção e que eles pudessem ter um patrono. "Nós decidimos que o senhor representa a nossa sala, tanto no sentido caótico, da sua energia, quanto a sua maneira de questionar o mundo"... Eles não fazem ideia do esforço homérico que fiz para não desabar.


O golpe derradeiro veio com mais um presente. Uma caneca com meu rosto estampado e uma de minhas frases oriundas de um dos primeiros textos que fiz no ano, um texto que fala justamente da partida e chegada de novos alunos. "A triste e linda dinâmica da vida de um professor: deixar ir para outros chegarem". Eu respirei fundo para ler essa frase e, já com a voz embargada, fiz um pedido. "Não vão não... fiquem mais um pouquinho?". Disfarcei o choro em um abraço coletivo que eu não queria sair.


Eu não queria que aquele momento acabasse, como eu nunca quis que nenhum dos nossos encontros tivessem fim. Queria que eles durassem um pouquinho mais, queria que eles durassem para sempre. Se eu pudesse, eu juro, repetiria tudo de novo. Isso só prova que essa turma me deu instantes de vida que valeram a pena. Eles me fizeram um professor feliz. E eu sou muito grato por isso.



Conhecimento é conquista

-FS


p.s.: Aqui, fica meu agradecimento a todos os alunos que, após todas as homenagens, fizeram questão de me abraçar um por um.


Ana Carolina Silveira Lima, Ana Carolina Zamonér Loureiro, Ana Clara Seixas Chagas, Ana Julia Alves Vaitieka, Arthur Alves do Amaral, Artur Machado Francisco Rocha, Beatriz Paulilo Scarpato, Beatriz Tiemy Filippini, Bruno Eduardo Bortoleto Alonso, Bruno Gonçalves Minitti, Davi de Barros Silva, Ellen Beatriz Ramalho, Enzo Tousek Lima, Fellipe Naves, Fernando Massagardi Junior, Giovanna Gonçalves Martins Cardoso, João Cavalcanti Ribeiro, João Pedro Camperlingo, Juliana Teixeira Picolo, Klaus Poll, Lorena Heloisa Mello, Luis Eduardo Andrade Rehder Filho, Luiza Vilas Boas de Moraes, Manuela Ferreira Loureiro, Maria Clara Alves de Medeiros, Maria Fernanda Spinola Baialuna, Maria Helena Velasco Barcellos, Mariana Lira Souza Arcine, Mateus Antunes Cominatto, Mayara de Paiva, Nathália Joaquim Campos, Nicolas Gomes de Almeida, Rafael Silva de Souza, Vinícius Silva de Souza, Vitória Silva Freitas, Yara Pereira Sardinha.


Eu amo todos vocês.

1 comentário


Vivian Zamoner
Vivian Zamoner
há 6 horas

Sensacional, que presente essa turma ter um professor como você, que lecionou com muita sabedoria permitindo-os ser o que são, em suas diferenças mas com energias que os farão brilhar. Meu muito obrigada Prof Felipe!

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© 2025 por FELIPE SCHADT.

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