
> Os bracinhos do Mickey no meu relógio indicam que são 15:02 de uma quinta-feira. Só agora e só hoje eu consegui me dar ao luxo de sentar na frente do meu computador para escrever um texto para o blog. A última vez que postei algo foi no dia 22 de fevereiro, há exatos 19 dias.
Eu não escrevi até agora por pura falta de tempo. Muitas coisas que eu gostaria de escrever ficaram para trás. Os assuntos perderam o timing e eu não tinha tempo para perder. Não que o meu blog seja uma perda de tempo, longe disso, mas sendo sincero comigo mesmo, ele não é a minha prioridade. Escrevo quando dá e não está dando.
E para ser mais sincero ainda, eu nem deveria estar escrevendo no meu blog nesse momento. Tenho tanta coisa para fazer que é quase uma irresponsabilidade parar para digitar minhas ideias e publicá-las na internet. Se eu gerenciasse melhor meu tempo, quem sabe poderia não sentir culpa agora.
Mas quem disse que eu sei fazer isso? Estou falando em gerenciar o tempo... ou será que falo sobre não saber sentir culpa?
Câmbio.
O tempo nunca foi uma questão para mim. Nem mesmo filosófica. Eu sempre o deixei quieto e respeitei sua onipotência sem questionamento algum. Foram raras as vezes que fiquei esperando por ele, mais raras ainda as vezes que lamentei por ele ter passado.
Mas as coisas mudaram quando eu fiz 34 anos. Na minha cabeça, eu havia ultrapassado exatos 1/3 da minha vida. É, eu quero viver até os 100. Acho que chamam isso da crise dos 30 - se não chamam assim, passo a chamar agora -, você ficar preocupado com as coisas que você não realizou ainda. Quero dizer que eu "só" tenho mais 2/3 da minha existência para fazer tudo o que quero fazer.
Mas o primeiro problema é que eu quero fazer muita coisa. Escrever meus livros, conhecer muitos outros países, visitar pelo menos 100 Hard Rock Cafés pelo mundo, compor pelo menos mais dois álbuns para minha banda... e a lista seguiria até consumir boa parte dessas linhas e boa parte da sua paciência.
"Será que em 64 anos - hoje tenho 36 - eu consigo realizar tudo isso?", me pergunto todos os dias. Só que eu já faço essa pergunta há pelo menos três anos e tenho a impressão que o tempo está mais rápido do que minha capacidade de realizar minhas coisas.
Por outro lado, não vejo que desperdicei meu primeiro terço de vida. Não senhor. Consigo constatar que usei meus 33 anos iniciais para solidificar e pavimentar a estrada dos meus próximos 67. Estudei muito para ter o trabalho que gosto, construi relações que me fortalecem, montei um currículo sólido e consistente, me aventurei para realizar alguns sonhos e aprendi o suficiente para entender que ainda tenho muito o que aprender. Foram excelentes 33 anos.
O segundo problema é minha inabilidade em gerenciar meu tempo. Eu juro que eu tento, mas eu simplesmente sou um fracasso quando esse quesito depende só de mim. Quero dizer que, quando meus compromissos são gerados por outros, eu consigo estar no lugar e na hora certa em quase 100% das vezes. No trabalho, por exemplo, eu me orgulho em dizer que nunca cheguei atrasado um minuto sequer. A minha questão é quando eu preciso definir o que vou fazer e quando vou fazer.
Além disso, eu sou um procrastinador atroz. Eu sempre acho que vai dar tempo e vou empurrando as coisas para última hora. Felizmente - ou infelizmente - eu sou muito bom sob pressão e as coisas costumam acontecer aos 45 minutos do segundo tempo e o pior de tudo, bem feito. "Se eu tivesse começado antes, com certeza eu teria feito melhor, mas mesmo assim está ótimo". Essa habilidade é uma faca de dois gumes.
Outro problema em gerenciar o meu tempo é a forma como eu me distraio. Quando eu estou focado, nada mais no mundo importa. É como a teoria do fluxo de um psicólogo chamado Mihaly Csikszentmihalyi: estar no fluxo é estar 100% presente em uma atividade e, portanto, estar tão focado que o mundo ao seu redor não faz nenhuma diferença. Mas nem sempre é assim.
Ainda segundo o psicólogo húngaro-americano, quando uma atividade está muito difícil e você não tem habilidade o bastante, você entra em um estado de ansiedade e, por isso, sai do fluxo. Quando preciso parar para pensar muito na hora de montar uma aula, por exemplo, rapidamente eu me distraio e tento aliviar minha ansiedade com outras coisas, por exemplo rolar o feed de alguma rede social. Aí você já viu, né? É uma armadilha difícil de sair. Nessa, já perdi meia hora só rolando a tela a esmo.
Escrevendo esse texto mesmo isso já aconteceu uma vez. Não perdi meia hora, mas em dado momento entre o "Câmbio" e o parágrafo seguinte, não consegui achar as palavras certas para escrever, fiquei ansioso, saí do fluxo, peguei o celular e me distraí com algumas mensagens que recebi e que não eram importantes. E olha que meu celular não me notifica de nenhuma mensagem e vive no silencioso. Tive que colocar meu celular longe de mim para não cair na tentação outra vez.

E para completar, eu sou incapaz de respeitar o tempo que eu mesmo estabeleço para mim. Por exemplo: vou chegar da escola, almoçar e descansar por 20 minutos, totalizando uma hora entre comer e tirar um cochilo. Demoro uma hora para comer pois faço isso assistindo qualquer coisa no celular e sou um fiel praticante da cochileta russa. Deitar no meu sofá à tarde é uma aventura que quase nunca dura só 20 minutos.
Minha vontade de fazer tudo somada a minha ingerência de tempo acrescida a procrastinação e indisciplina me fazem estar sempre correndo e reclamando sobre minha falta de tempo. Patético.
Mas veja você como é minha rotina e diga se eu estou sendo duro comigo mesmo e não tenho muito tempo ou se realmente sou eu quem perco tempo:
1. acordo todos os dias úteis às 5:30, pois eu preciso de tempo para acordar. Odeio fazer as coisas correndo quando acordo, isso me deixa com um mau humor dos diabos;
2. meia hora depois de "fazer o download da alma para o corpo", vou tomar um banho para despertar;
3. já são quase 6:10 quando belisco alguma coisa no café da manhã. Não costumo ter muito apetite muito cedo e sempre me arrependo quando dá 10:00;
4. ao mesmo tempo reviso as aulas do dia e parto para o trabalho 6:40;
5. por volta das 10:00 arrependo de não ter comido cedo;
6. saio da escola normalmente entre 12:40 e 13:30. Dependendo do dia, por causa das aulas extras, fico até 15:30 no trabalho;
7. chego em casa e tento almoçar até no máximo 14:30 e cochilar por 20 minutos;
8. quando venço na cochileta russa, vou lavar a louça e por volta das 15:30 estou livre para preencher os diários de classe do dia;
9. as 16:00 começo a preparar minha aula da faculdade;
10. saio de casa às 18:00 para buscar dois colegas professores para irmos juntos para a aula;
11. chego em casa por volta das 22:30 só o caroço de manga na boca da vaca;
12. quando não estou muito cansado, janto e vou para o banho lá pelas 23:30;
13. tento ler alguma coisa, mas duas páginas são suficientes para pregar minhas pálpebras e eu, antes da meia-noite, já estar dormindo.
E normalmente essa precisão nunca acontece por causa da gerência de tempo inexistente na minha vida.
Hoje, meu dia vai ganhar uma atividade extra. Depois da aula, às 22:30, estarei em um estúdio ensaiando com a minha banda. Vai rolar um show e precisamos deixar tudo no jeito. Prometo falar dele logo logo. O fato é que se meu tempo já era escasso, às quintas ficará mais ainda.
Sem contar que começou a temporada de provas. Faça as contas comigo. Em uma escola, tenho 150 alunos; em outra, tenho mais 100; na faculdade, só em uma turma são 120 alunos e nas outras três turmas, mais 120. E tô chutando baixo. Na escola, você multiplica o número de alunos por duas disciplinas (filosofia e sociologia). Agora faça as contas de quantas provas eu tenho para corrigir. São 740 provas, mais ou menos. E se você estava se perguntando o que eu faço no meu final de semana, normalmente é corrigindo atividades e, fatalmente, chegará o momento de corrigir todas essas quase 1000 provas.
Isso tudo para dizer que eu estar escrevendo no meu blog é quase um crime contra o meu tempo. Bom, me prenda. Não vou deixar meu blog de lado.
Olho novamente para o Mickey. Lembro que eu quis comprar esse relógio por causa do professor-detetive Robert Langdon, protagonistas das histórias de Dan Brown. O personagem utiliza um relógio igual ao meu - ou pelo menos muito parecido - e sua justificativa é a melhor. Ele diz no livro que usa o relógio com os bracinhos do rato da Disney de ponteiro para quando olhar as horas lembrar de não levar a vida tão a sério.

Já são 16:02 e ver o Mickey mostrando que eu já estou atrasado com as coisas que eu tenho que fazer não me faz rir nem um pouco. O tempo não está de brincadeira comigo.
Câmbio, desligo!
Conhecimento é Conquista! -FS
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