
> Eu estava no corredor, olhando para a porta laranja que indicava ser da sala do 3º Ano do Ensino Médio. Faltavam cinco minutos para a troca de aula e eu pude observar aquela porta e deixar ser invadido por sentimentos conflitantes.
Aquela mesma porta me dava acesso, todas às sextas no ano anterior, à uma turma que me fez amar aquele colégio. Agora, aquela turma não existia mais, eu iria entrar na mesma sala, mas sem eles ali. Ao mesmo tempo, eu iria reencontrar e matar a saudade dos meus antigos e, também, amados alunos, que ano passado estavam no 2º Ano do Ensino Médio.
Eu estava prestes a lidar com o vazio e o cheio ao mesmo tempo. Com o nada e o tudo. Com o caos e a ordem da triste e linda dinâmica da vida de um professor: deixar ir para outros chegarem.
E tudo isso, no último dia da semana que marcou o início e o fim de muitas coisas na minha carreira.
Câmbio!
...
O meu despertador é muito violento. É um alarme estridente e contínuo que já me faz acordar aos solavancos inúmeras vezes. Mas na última segunda-feira, ele não tocou. Eu não deixei. Já estava acordado e às 5:28 da manhã eu já apertava a tela para desligá-lo. Eu estava ansioso demais para continuar dormindo, afinal de contas, era o primeiro dia de aula.
Pode parecer piegas para você, mas eu amo meu trabalho. Minha ansiedade era aquela das boas, que te dá frio na barriga. Eu estava louco para voltar à escola, reencontrar os antigos alunos e conhecer os novos. E nessa última semana em especial, eu me defrontei com muitas novidades.
Assim que cheguei na Unidade 2 do colégio Domus Sapiens, tive que conhecer de cara uma turma completamente nova. Fiquei responsável pelo Projeto de Vida das turmas do 9º Ano do Fundamental II. Eu não fazia ideia de quem eles eram e eles também nunca tinham me visto antes. Como todo primeiro contato de um relacionamento, as coisas foram meio devagar, tímidas e sem jeito. Não fico aflito, pois aprendi a respeitar o tempo das crianças.
Na sequência, reencontrei os alunos do novo 3º Ano do Ensino Médio. Não vou mentir para você, caro leitor ou cara leitora, mas no ano passado, quando eles eram alunos do 2º Ano, nossa relação não era uma das melhores. Era uma sala difícil de lidar. Por isso, estava com medo desse contato. Eu tinha dois caminhos, manter a frieza que funcionou como um escudo para mim ou começar do zero e tentar uma nova conexão com eles. Não precisei escolher. Assim que me viram, vieram sorridentes me cumprimentar e manifestar suas saudades. Na aula, tivemos momentos muito agradáveis conversando sobre o último ano que viria para eles, a formatura e os trotes. Não quero comemorar antes da hora, mas acho que vamos nos dar muito bem, exatamente como foi com o "terceirão" do ano passado.

O dia seguiu e o assunto foi, claro, a lei que proibia o uso de celulares nas escolas. Usei minhas aulas de sociologia para debater isso com os alunos das outras turmas do Ensino Médio. O resultado dessas conversas você pode conferir clicando aqui.
Eu voltei satisfeito para casa. Foi um bom primeiro dia de aula e o "peso da estreia" já tinha passado. Quer dizer, mais ou menos, pois no dia seguinte, terça-feira, eu iria começar minha jornada em outra escola, a The Joy.
Tudo foi novo pra mim. As salas de aula, os professores, os funcionários e os alunos. Eu era um estranho que estava tentando se encaixar no novo espaço. Normal. Já passei por isso outras vezes. Na The Joy eu ministro aulas de filosofia para turmas do 8º e 9º Ano do Ensino Fundamental II - além de filosofia e sociologia para o Médio -, nunca tinha dado aulas dessa disciplina para os pequenos. Não vou entrar em detalhes, mas a aula com eles terminou com os alunos subindo na minha cadeira no centro da sala para, incentivados por mim, verem o mundo de um ângulo novo, bem aos moldes do professor John Keating, de "Sociedade dos Poetas Mortos". Parece que eles gostaram.
Outra tática de aproximação e apresentação que eu usei foi o jogo "Black Stories". Um jogo de adivinhações que você precisa desvendar um mistério apenas fazendo perguntas fechadas, aquelas de "sim ou não". Uso esse jogo para mostrar como a pergunta certa pode ser primordial para encontrar o caminho certo. Cai como uma luva para aulas de filosofia e de técnicas de entrevista (que dou no Jornalismo). Os alunos se envolveram tanto que nem eu e nem eles vimos o tempo passar. Estávamos no pátio jogando quando a secretária do colégio veio me alertar: "Professor, o senhor precisa ir para a sua aula no 3º Ano".
Outra dinâmica que eu sempre faço quando conheço uma turma nova na disciplina de filosofia é fazer eles perguntarem. Faço uma breve introdução sobre a beleza da pergunta e sua potencialidade em nos manter em movimento. Então, eu sento na cadeira no centro da sala e digo: "Hoje, e só hoje, vocês poderão perguntar o que quiserem sobre mim. Prometo responder". As perguntas são as mais variáveis possíveis, mas a campeã sempre é "Qual é a sua religião?". Parece que saber a religião de um professor de filosofia é importante. Bom, eu não me omiti da pergunta e respondi: "Sou corintiano, maloqueiro e sofredor. Graças a Deus". Eles caíram na risada, uns protestaram por torcerem para os rivais, outros aplaudiram, mas no fim, ficaram satisfeitos com a resposta.
Os meus dois primeiros dias de The Joy foram melhores do que eu esperava. Nada muito diferente do que eu já estou acostumado. Alunos como todos os outros que enxergam em você [professor] uma espécie de modelo que eles, mesmo não querendo seguir, seguem pela importância que sabem que você tem. Uns vão te amar, outros nem tanto. Faz parte do jogo. Para mim, vejo em cada aluno uma oportunidade de ensinar e aprender. Quanto mais, melhor.

Na quinta-feira, voltei para o Domus, mas dessa vez terminei minha manhã na Unidade 1 do colégio, que fica dois quarteirões de distância da minha casa, aliás. Foi uma espécie de primeiro dia de aula, um dos vários que tive na semana. Além de conhecer mais um 9º Ano do Ensino Fundamental II, eu conheci os alunos novos do 1º Ano do Ensino Médio. Um encontro que eu estava realmente esperando para acontecer.
Tudo isso por causa de uma aluna em especial. Ela estava começando no colégio e eu sabia disso porque ela é filha de uma amiga muito querida minha. Amiga essa que foi minha psicóloga - e literalmente me salvou no período do mestrado (história para outro texto) -, e que depois ganhou minha amizade incondicional. "... lembro de uma de nossas conversas que falei que gostaria de ser sua aluna de filosofia e nem imagina como estou feliz por saber que você será professor da minha filha", ela me disse em uma mensagem. Imagina a responsabilidade? Acho que preciso marcar uma sessão de terapia com ela para falarmos a respeito...

Ainda na quinta-feira, mais uma primeira aula - foram tantas e ainda virão outras -, dessa vez na universidade. Turma de Design Gráfico do UniAnchieta, aula de Design Editorial e eu lá, com meu blazer - motivo de zoação dos meus colegas professores sem apreço estético -, sentado à minha mesa falando pelos cotovelos sobre a importância da diagramação.
O contato com os alunos da faculdade é infinitamente menos caloroso do que com os alunos do colégio. A hierarquia na universidade é muito mais latente e aparente. Mas mesmo assim, ao final da aula minha mesa foi invadida por alunos querendo comentar mais sobre o que havíamos discutido e entre explicações e opiniões, pude ouvir alguns "adorei sua aula, professor!". Acredite, eu também me diverti.

Por fim, sexta-feira. Mais uma vez eu estava na Unidade 1 do Domus. Minha primeira aula era com o 3º Ano do Ensino Médio e só começaria às 8h05. Ansioso como eu estava, cheguei quase meia hora antes - isso porque eu moro pertinho - e tive que esperar. Ainda atrapalhado com os horários, eu pensei que a aula começava às 7h55 e por isso eu subi para a sala cedo demais. Quando me dei conta, estava eu sozinho no corredor, olhando para aquela porta laranja.
A mesma porta laranja que abrigou, no ano passado, também uma turma do "terceirão". A turma que, seguramente, mudou a minha vida e me fez sentir parte integrante daquele colégio. Eu amo o Domus e muito por causa dessa turma. Talvez eles saibam, mas vou frisar aqui: trabalhar onde eu trabalho é sempre um instante de vida que vale a pena viver e foram eles [terceirão] que fizeram isso acontecer.
Enquanto eu olhava para aquela porta, várias lembranças deles invadiram meu coração e eu me peguei dando aquele sorriso bobo e sincero. Mas na sequência caiu a ficha de que eles não estariam mais ali. O mundo congelou por microsegundos.
O sinal bateu, o professor de física saiu da sala e eu precisava entrar. Não queria, pois sabia que ela estaria vazia da turma que eu tanto amei. Como poderia entrar lá e não vê-los? Eu estava tomado por muitos "pensamentos pensantes", parafraseando uma das ex-alunas dessa turma que se formou, a Helô. Sem ter o que fazer, dei um passo e fui de encontro ao vazio.

"Professor... vou lá no banheiro rapidinho". "Eu também vou, sor. Rapidão", disseram o César e o Fábio. Eu não respondi de imediato, foi tudo muito rápido. Eu ainda estava processando o luto. Eles não tiveram minha resposta e ficaram esperando, ali no corredor mesmo, até que eu soltei. "Mas nem bom dia os caras dão...", César sorriu, abriu os braços e falou que eu merecia um abraço. Fábio seguiu o amigo, me abraçou e foi aí que eu lembrei.
Lembrei que quem ocupava aquela sala "vazia" eram alunos tão amados por mim quanto os que se foram. Entrei na sala e vi o restante da turma, sorrindo pra mim. O medo passou, o reencontro aconteceu e eu senti que aquela sala tinha vida novamente.
A aula foi sobre mitologia grega e a razão filosófica. Contei o mito da criação do mundo segundo os gregos. A história que começa com o Caos e que termina com a Ordem.
Câmbio, desligo!
Conhecimento é Conquista! -FS
P.s.: teve outra coisa importante que aconteceu, mas como ainda não foi concretizada de fato, não contarei por enquanto. Posso adiantar que é sobre o fim de algo. Volto aqui para contar tudo em breve.
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