No meu último texto ("O benefício Bolsonaro", leia aqui), ao dizer para os leitores que se afastassem das pessoas que apoiam o Bolsonaro mesmo sabendo o quão machista, homofóbico, racista e desonesto ele pode ser, fui acusado de algo que jamais havia sido antes: Intolerante.
Mas e agora? Devo ser tolerante com pessoas que apoiam um candidato intolerante? Aí teremos que recorrer à Filosofia (felizmente).
Segundo o dicionário Michaelis, intolerância é "Intransigência contra pessoas que têm opiniões, atitudes, ideologia, crenças religiosas etc. diferentes da maioria" (1). E olhando meu texto outra vez, é... Parece que fui mesmo intolerante. Mas, mais do que essa autoavaliação, eu percebi outra coisa muito interessante.
Os eleitores e apoiadores do Bolso que vieram me subjugar, ficaram furiosos com a minha indisposição para o diálogo e para o debate com eles. Disseram: "Você pede para as pessoas se afastarem de nós sem ao menos querer nos ouvir"; "Você deveria unir as pessoas e não separar" e "Isso que você está fazendo, de não querer ficar perto de pessoas diferentes é fascismo". Eles sentiram na pele o que é ser tratado com intolerância. Obvio, não gostaram. Por que? Porque nenhum grupo gosta, principalmente os grupos que representam as minorias.
Mas e agora? Devo ser tolerante com pessoas que apoiam um candidato intolerante?
Aí teremos que recorrer à Filosofia (felizmente).
O austríaco descendente de judeus Karl Popper (1902-1994) viu e sofreu de perto as mazelas do nazismo, vendo-se forçado a fugir da Europa e se estabelecer na Nova Zelândia. Entre seus trabalhos, dialogaremos com o livro "A Sociedade Aberta e Seus Inimigos" (lançado no Brasil em 1987), no qual ele mostra como ideologias como o nazismo e o comunismo são perigosas para a formação de uma sociedade aberta e democrática. (2)
Nesse livro ele fala sobre o Paradoxo da Tolerância. É mais ou menos assim: "se você é tolerante, deve tolerar tudo, certo? Inclusive deve tolerar grupos intolerantes! Mas se você não tolera a intolerância, você deixa de ser tolerante". Louco, né?
Mas Popper entende que, se uma sociedade tolerante deixar grupos intolerantes se manifestarem, esses grupos, assim que assumirem o poder, vão destruir os grupos tolerantes edificando uma era de intolerância. Portanto, para nosso filósofo, devemos agir com intolerância com grupos intolerantes.
"Mas o Jair não é intolerante. Isso é o que a mídia diz sobre ele baseadas em recortes desonestos". Você pode me dizer. Mas não é isso que uma ala do próprio partido dele (PSL) disse assim que soube da intenção do deputado de se filiar ao partido, classificando-o como "representante do autoritarismo e da intolerância"(3). Ou se preferir, basta ir no youtube e assistir ao documentário produzido pela BBC por Stephen Fry que descreveu o encontro com Bolsonaro (entrevistado para falar sobre homofobia) como “Um dos mais estranhos e sinistros encontros que já tive na vida” (4).
No mesmo Youtube você pode encontrar a palestra que ele dá para o Clube Hebraica do Rio de Janeiro. Lá você pode ver, na íntegra e sem cortes se o que o Jair disse é de ordem intolerante ou não. Isso porque a Hebraica de SP cancelou a palestra do Bolso, semanas antes, por entender que "O judaísmo tem tradição de debate. Mas a liberdade de expressão não pode servir de plataforma para a propagação de ideologia discriminatória e apologética à ditadura" (5). Alias, por falar em Ditadura, sabemos que esse regime não foi nada tolerante com quem pensava e agia diferente do que eles queriam.
Intolerância contra os intolerantes para a tolerância reinar. Paradoxal e crucial em tempos como os de hoje.
Conhecimento é Conquista -FS
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