> Pois é… amor e ética são incompatíveis. Se em uma casa todos os familiares são éticos uns com os outros, significa que ninguém se ama nessa família. E o contrário também é possível. Numa família em que todos se amam, ninguém é ético um com o outro. E você deve estar se perguntando como isso pode ser possível. Eu vou apresentar algumas ideias, um ou outro conceito e quem sabe você possa concordar com essa afirmação até o final desse texto.
Primeiro é sempre bom estabelecer de que tipo de amor estamos falando aqui. Um sentimento tão complexo não pode ter uma única explicação. Eu, inclusive, em um texto anterior, o qual eu explico como nós somos mais platônicos do que cristãos quando o assunto é amor, dediquei boa parte da minha fala para apresentar dois tipos de amar: Éros e Ágape.
Se você leu, você deve se lembrar que o primeiro, Éros, é desejo, ou seja, amor na falta. Amamos o que não temos e quando passamos a ter deixamos de amar. E que o segundo, Ágape, diz respeito ao amor incondicional pelo outro, diz respeito a um amor abnegado e de sacrifícios. Você também deve se lembrar que o primeiro é descrito por Platão e o segundo por Jesus Cristo.
Há ainda muitas outras formas de se entender o amor. Na filosofia o que não falta é gente tentando explicar esse sentimento. Dos gregos aos medievais, dos modernos aos contemporâneos. O que só enriquece as discussões e consagra o amor como algo múltiplo, transcendente e complexo demais para caber numa única definição.
Para esse texto voltarei a emprestar a definição do mestre Jesus Cristo. Um dos maiores pensadores que já passaram pela face desse insignificante planetinha azul. Cristo pregava, como já adiantei, Ágape. A concepção era simples: ame o outro como a ti mesmo. Oras… Mais fácil impossível de se entender. E por que? Bom, toda vez que você for fazer uma ação contra alguém, pergunte-se: eu gostaria que fizessem isso comigo? Ame o outro como a ti mesmo. Queira para o outro aquilo que você gostaria de ter para você. Cuide do outro como você cuida de você e assim por diante.
Cristo, inclusive, pagou um preço muito alto por pregar essa ideologia. Veja: os judeus esperavam um rei, um salvador, um Messias que os vingasse de todas as mazelas sofridas no decorrer da história. Mas o autoproclamado rei dos judeus não queria cumprir esse papel vingativo. Jesus, usando da sua lógica do amor ao próximo, queria perdoar seus algozes e ensinar o seu povo a fazer o mesmo. Ele mesmo ensinava a dar a outra face e perdoar 490 vezes. O amor cristão levou cristo ao seu martírio. Pois incapaz de atender as reivindicações de vingança e fiel ao seu propósito de sempre amar o outro, inclusive seus inimigos, acabou parando numa cruz. E mesmo ali, no seu leito de morte perdoou mais duas vezes. Dimas, um ladrão que estava sendo torturado ao seu lado e todos aqueles que o condenaram à cruz. Morreu perdoando. Morreu desejando que ninguém passasse pelo que passava. Morreu amando incondicionalmente.
Mas estamos falando do filho de Deus, não é mesmo? Amar do jeito que ele amou parece ser tarefa difícil. Só sendo alguém muito especial para sempre colocar a vida do outro na frente da sua. Muito parecido com a maioria das mães que eu conheço. Dar a vida por um filho parece ser a coisa mais natural do mundo para uma progenitora. Se duvida, faça você mesmo a pergunta. Encontre uma mãe, a sua ou a de alguém, e questione: “Você daria a vida pelo seu filho?”. A resposta afirmativa virá sem nenhuma hesitação.
Tirando Cristo que amava todo mundo e uma mãe que ama seu filho, quem mais daria a própria vida por outra pessoa? Aí fica mais complicado. Você até pode se sacrificar pelo seu companheiro ou por sua companheira, com um pouco de hesitação, talvez. Mas e por mim? Você daria a sua vida para que esse humilde pensador pudesse viver? Você se sacrificaria por mim? Aposto que não. E não se apoquente. Eu provavelmente não faria o mesmo por você, por mais que eu tenha apreço por aqueles que tiram uns minutinhos do seu dia para ler o que eu escrevo.
Não conseguimos ser como Jesus e amar todo mundo. Na hora de decidir entre você e o outro, o outro sai em desvantagem. Você sempre prevalecerá. Quem deve viver, você ou o outro? Você prevalece. Quem deve ganhar mais dinheiro, você ou o outro? Você prevalece. Quem deve saciar esse prazer primeiro, você ou o outro? Você prevalece. Você já deve ter percebido que quanto o assunto envolve você o outro nunca tem vantagem. O triunfo do egoísmo sobre o amor que Cristo ensinou.
Quando fiz intercâmbio, dividia um apartamento com outros três sujeitos: um sul-coreano, um taiwanês e um paraguaio. Nossa… parece início de piada, mas a história não é tão engraçada, sobretudo pra mim. O coreano adorava cozinhar, inclusive, chamava outros colegas compatriotas que moravam no mesmo prédio para sempre jantarem juntos. Resultado, uma cozinha cheia de louça depois do banquete oriental. O problema é que se deixasse, a louça ficava suja durante dias, impedindo os outros moradores do apartamento de cozinharem também. Cansados dessa dinâmica, fizemos uma reunião e estabelecemos uma regra muito simples: cozinhou, lavou.
Depois de termos em conjunto estabelecido essa regra, as coisas melhoraram. Um jogo onde os jogadores, sabendo e concordando com as regras, decidem jogar. Em outras palavras, usou a cozinha, mantenha limpa para que outro possa usar, assim, todos desfrutariam de um ambiente agradável para fazer as refeições. É o que podemos chamar de ética de relações, ou seja, o entendimento de como iremos conviver.
Ética diz respeito a convivência. O que devemos fazer para conviver bem? O que devemos fazer para usar a cozinha e não ter conflitos? Nesse caso, devemos sempre deixar o espaço organizado para o outro. Se não fosse esse combinado provavelmente teríamos sérios problemas de convivência. E você sabe o porquê?
Porque na disputa entre você e o outro, sempre prevalecerá você. Na disputa entre o prazer do coreano de cozinhar para os amigos e não deixar a cozinha limpa para o outro poder usar, prevalecerá o prazer do coreano. Por causa da falta de amor ao próximo, precisamos estabelecer um combinado. Se o coreano me amasse do mesmo jeito que Jesus amou as pessoas, não precisaríamos ter feito a reunião de condomínio para estabelecer nenhum tipo de ética. Quando ele terminasse a refeição com os amigos, imediatamente pensaria em mim e arrumaria a cozinha para que eu utilizasse.
Eu não sei se você entendeu, mas a ética é uma muleta que a sociedade sem amor utiliza para se manter de pé. Já que não nos amamos, precisamos estabelecer regras de convivência para que a gente não se mate no primeiro conflito. Se nos amássemos, não precisaríamos estabelecer regras sociais de convívio, pois toda vez que fossemos fazer algo, pensaríamos no outro em primeiro lugar, logo, jamais faríamos mal uns aos outros.
Se na empresa que você trabalha tem regras de convivência, a empresa está assumindo que os funcionários ali não se amam. Se você estuda em uma instituição que tem regras de convivência, significa que a instituição está assumindo que os alunos e as alunas não se amam. Se você vive numa sociedade que possui regras de convivência, a sociedade está assumindo que não existe amor entre as pessoas.
E parece que tanto a empresa, a instituição de ensino e a sociedade estão certos em pensar assim. Se não fosse a ética, nos mataríamos muito mais do que nos matamos. A falta de amor ao próximo é evidente e quanto menos amor, mais necessidade da ética. E quanto mais amor, menos ética é necessária. Jesus, portanto, não era ético. E não o era porque não precisava ser. Uma mãe não precisa ser ética com um filho, pois jamais faria algo para prejudicá-lo e, por isso, não precisa de regras de convivência.
Que a falta de amor é clara, isso não há dúvidas. Mas o problema é quando nem a ética resolve mais. Quando as pessoas passam por cima das regras de convivência para saciar seus prazeres. Entre você e o outro sempre prevalecerá você, com ética ou não. Isso me fez lembrar de uma curiosidade da segunda guerra mundial.
Quando os bombardeios aéreos assolavam a Europa, havia uma regra de convivência muito simples. Toda vez que a sirene avisava que aviões bombardeiros estavam próximos, todas as casas deveriam ter suas luzes apagadas para dificultar a visão do piloto e tentar evitar que ele acertasse o bombardeio. Todos apagavam suas luzes. E imagine que absurdo seria se um dos moradores do bairro quisesse continuar lendo seu jornal enquanto os aviões atacavam e, por isso, se recusasse a apagar a luz dizendo que é um direito dele manter a luz acesa pois ler jornal lhe acalma e lhe da prazer. A luz do vizinho egoísta denunciaria toda a vizinhança e faria que uma bomba atingisse a todos ao seu redor. Entre ele e os vizinhos, prevaleceu ele. E seu egoísmo, falta de amor e de ética, condenou a todos.
Ainda bem que isso seria impensável nos dias de hoje. Imagina que alguém, para satisfazer um prazer de ir para a praia ou para uma balada, por exemplo, colocaria a vida de todos ao seu redor em risco?
Já pensou que absurdo?
Enquanto não houver amor, a ética está aí para segurar as pontas. A minha pergunta é: e quando nem a ética der conta?
Conhecimento é Conquista
-FS
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