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O tempo de Leão

  • Foto do escritor: Felipe Schadt
    Felipe Schadt
  • há 6 dias
  • 6 min de leitura

Papa Leão XIV acena aos fiéis em sua primeira aparição pública / Foto: REUTERS/Yara Nardi
Papa Leão XIV acena aos fiéis em sua primeira aparição pública / Foto: REUTERS/Yara Nardi

> Agostinho de Hipona, ou Santo Agostinho, ensinava que o passado não está, portanto, não existe; o futuro, menos, já que ainda não chegou; e o presente é tão fugaz que sua permanência é tão inexistente quanto o que já foi e o que ainda não é. Mas entre o que passou e o que virá, vivemos o tempo de Leão XIV, o 267º Papa, que tem um passado interessante e um futuro promissor.


Nascido na periferia de Chicago em 14 de setembro de 1955, Robert Francis Prevost, teve uma infância discreta e devotada à igreja católica, graças aos seus pais de descendência europeia, contrariando a tradição protestante dos Estados Unidos. Em 1977, ingressou na Ordem de Santo Agostinho e, em 1981, fez seus votos de devoção aos agostinianos.


Prevost viveu duas décadas no Peru, onde chegou em 1985 para atuar como vice-pároco na cidade de Chulucanas, na região de Piura. Em 1988 foi enviado para a província peruana de Trujillo, onde passou 11 anos.


Tornou-se bispo de Chiclayo - também no Peru - em 2015 e, em 2023, foi nomeado por Francisco (Jorge Mario Bergoglio) ao Dicastério para os Bispos, cargo similar a de um "prefeito". Ainda naquele ano, tornou-se cardeal, o que permitiu participar do conclave que culminou em sua escolha para o posto máximo da Igreja Católica 


Em seu discurso como Papa, no último dia 8 de maio, disse que era um "filho de Santo Agostinho", o que explica sua trajetória acadêmica como matemático, com mestrado em Teologia e doutorado em Direito Canônico pelo Colégio Pontifício de São Tomás de Aquino, em Roma, o que faz dele, depois de Bento XVI (Joseph Ratzinger), o pontífice mais intelectual da era moderna.


Santo Agostinho foi considerado o "primeiro doutor" da Igreja Católica, por unir fé e razão. Se converteu ao catolicismo no século V após ter tido contato com as cartas de São Paulo e com os textos de Platão. Santo Agostinho "cristianizou" o pensamento platônico, trazendo para a doutrina católica a idéia dualista de corpo que sente, deseja e morre, contra uma alma que pensa, transcende e vive eternamente.


Foi também Agostinho quem fez uma ponte entre o pensamento neoplatônico, do filósofo Plotino, com a religião cristã. Como explicar que um Deus que se diz bom pode permitir tanta maldade no mundo? Simples, o mal não existe, ao invés disso o que existe é o afastamento de Deus. Quanto mais distante se está do altíssimo, mais distante do bem você se encontra e é por meio da razão que você escolhe se aproximar de Deus e, portanto, viver na bondade.


Isso nos dá uma pista do futuro papado de Leão XIV, que poderá fazer da igreja um local de acolhimento e pronta para receber aqueles que a busquem, um discurso muito parecido com o do seu antecessor, Francisco. 


Tudo indica para um papado progressista, mas não é bem assim

Suas formações acadêmicas alinhadas à sua ordem de fé, também indicam que tratará assuntos da Santa Sé com toda racionalidade que lhe compete. Ser doutor em Direito Canônico será fundamental para o novo Papa, pois ele tem total domínio sobre as leis que julgam e regulam todos os membros da Igreja Católica. 


Para você ter uma ideia, durante o bispado em Chiclayo, Peru, Prevost subiu na hierarquia da Igreja Católica peruana, mas também foi acusado de ter encoberto denúncias de abuso sexual atribuídas a dois padres. A diocese esclareceu que foi o próprio Prevost quem levou o caso para ser investigado pelo Vaticano. Leão XIV pode ser uma solução para resolver um problema que explodiu dentro dos muros da igreja em 2015, quando investigações da igreja espanhola indicou que, desde a década de 1940, foram descobertos 728 supostos agressores e 927 vítimas de abuso sexual.


Será esse o rugido do Leão que, conforme a tradição de seu nome, promete conduzir a Igreja Católica com pulso firme. Leão I, ou Leão Magno, é lembrado pela sua coragem ao persuadir Átila, o Huno, a interromper sua invasão e poupar o Império Romano da destruição no século V. Já Leão III, foi responsável pela nomeação de Carlos Magno para imperador do Sacro Império Romano. Leão X foi um ferrenho opositor de Martinho Luthero e do protestantismo e por ser integrante da família Medici de Florença, usou todo seu dinheiro e influência para transformar Roma em uma capital cultural da Europa.


Mas a escolha do nome Leão XIV por Prevost está diretamente ligada a Vincenzo Gioacchino Raffaele Luigi Pecci-Prosperi-Buzzi, o Papa Leão XIII. Franciscano e devoto de São Tomás de Aquino, o que fazia de Leão XIII um Papa preocupado com os pobres, sobretudo com os direitos sociais dos trabalhadores e um estudioso abriu os arquivos secretos do Vaticano "para que todos possam ver claramente que a Igreja e seus pastores não se opõem à ciência verdadeira e sólida". 


Ser um Leão, nesse contexto, pode significar que Prevost continuará a erguer sua bandeira pelos pobres, assim como fez por boa parte de sua jornada espiritual no Peru, país que o acolheu como cidadão em 2015. Foi lá que Prevost fez voz ativa contra Alberto Kenya Fujimori, ex-ditador peruano que, por exemplo, mandou esterilizar à força 200 mil mulheres, numa política de controle de natalidade aplicada pelo governo.


Sua relação com líderes autoritários pode ser vista no X (Twitter). Em uma publicação de 14 de abril de 2025, criticou seu conterrâneo - estadunidense - Donald Trump após comemorar a deportação de imigrantes a El Salvador. "Vocês não veem o sofrimento? Sua consciência não se perturba? Como conseguem permanecer em silêncio?" foi o texto postado pelo agora Papa.


Suas divergências com Trump podem aumentar ainda mais. Disse em seu discurso ao ser escolhido Papa que pretende criar pontes e lembra, mesmo indiretamente, os muros que o presidente dos Estados Unidos tanto falou em construir.


As divergências com Donald Trump vão além do campo social e político, já que Leão XIV é um religioso preocupado com o meio ambiente. Já fez inúmeras manifestações a favor das iniciativas de sustentabilidade defendidas por Francisco em seu papado. Inclusive, a organização da COP30 - que acontecerá em Belém aqui no Brasil em novembro deste ano - espera a presença do novo pontífice e anima os ambientalistas. 


Mesmo assim - e mesmo depois de brincadeiras em sua conta no X, no qual postou uma montagem dele próprio [Trump] vestido de Papa -, o presidente dos Estados Unidos saudou Leão XIV dizendo se sentir orgulhoso de ter um Papa norte-americano. Lula também acenou para o novo chefe da Igreja Católica dizendo esperar que ele siga o caminho de Francisco na luta pela justiça social.


Tudo indica para um papado progressista, mas não é bem assim. Leão XIV criticou como a mídia ocidental está simpatizada por crenças e práticas que, segundo ele, vão contra o Evangelho. Prevost citou explicitamente "o estilo de vida homossexual" e "famílias alternativas compostas por casais do mesmo sexo e seus filhos adotivos". Além disso, já se opôs à inclusão de conteúdo sobre gênero nas escolas, afirmando que a chamada "ideologia de gênero" era confusa e criava "gêneros que não existem".


Sobre as mulheres da igreja, o novo Papa declarou em outubro de 2023, que "clericalizar as mulheres", ou seja, ordená-las para cargos de diaconisas e semelhantes - o que daria a elas o poder de pregar, ensinar em nome da Igreja, batizar e conduzir cerimônias de casamento, velório e funeral e até mesmo administrar uma paróquia -, não resolveria os problemas da Igreja e, segundo ele, poderia até criar outros.


Sobre o tempo, Santo Agostinho também ensina que para nós, seres humanos, o tempo é diferente. Nós, criaturas dotadas de alma, podemos presentificar o passado e o futuro. Isso significa que ao pensar no que passou, estamos trazendo para o presente o que já foi. Se fizermos o mesmo com o futuro, ou seja, imaginar como seria, estaríamos trazendo o que ainda não é para o mesmo presente. 


O "Tempo da alma" - este que acabei de explicar - é exclusividade nossa que temos a mania de usar o passado para tentar prever o futuro. A única coisa que temos - se é que temos - é o presente, esse momento fugidio e instantâneo, nos ensina a esperar com a experiência do que passou e a esperança do que pode vir. Mas nem o que foi e nem o que será pode nos dar certeza sobre o que de fato é. Eis o tempo de Leão.



Conhecimento é conquista.

-FS



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© 2025 por FELIPE SCHADT.

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