> Nossa, parece título de livro de autoajuda. Aqueles que você encontra nas livrarias de aeroportos por aí. Ou, título de palestra motivacional que acompanha cinco lições para ser feliz e dez passos para ter uma vida de sucesso. Nenhum e nem outro. Embora sugira isso, você não encontrará nesse texto nada parecido com autoajuda, mensagem motivacional ou receita para vida. Aqui, você só irá encontrar provocações e, se tiver sorte, mais perguntas a se fazer…
Eu me considero um provocador. Ah… como eu gosto de provocar. Gosto de dar chacoalhões e incomodar aquelas pessoas que estão cheias de certezas. É o que a filosofia me ensina a fazer todos os dias. Sou tão provocador que, um dia desses, joguei a seguinte frase nas minhas redes sociais: “Deve ser um privilégio me ter como professor”. Automaticamente alguns narizes se torceram e há grandes chances dessa afirmação ter provocado reações de negatividade. “Nossa que arrogante!” Então chegou o dia de explicar essa frase. Hoje eu vou contar para você porque a minha aula é a melhor aula. E falo com tranquilidade que é mesmo. Pois quem disse pra mim que minha aula era a melhor foi nada mais nada menos que Aristóteles. Não acredita? Vem comigo que eu te mostro.
Se você perguntasse para Aristóteles o que se deve fazer para agir bem. Ele prontamente te responderia que para saber se você agiu bem, deverá perguntar para um homem virtuoso se a sua conduta foi boa. Muito bem, e se você perguntasse quem são esses homens virtuosos, ele te diria que um homem virtuoso é aquele que sabe como agir bem. E você se sentiria enrolado pelo filósofo grego.
O valor positivo de uma conduta tem a ver com a conduta do homem virtuoso.
Agi bem?
Para saber, pergunte o que o homem virtuoso faria.
Mas o que o homem virtuoso faria?
O homem virtuoso agiria bem?
E o que é agir bem?
É a atitude que o homem virtuoso teria?
E qual atitude o homem virtuoso teria?
O homem virtuoso agiria bem.
…
E nessa brincadeira você ficaria horas tentando decifrar qual é a boa conduta e o que faz de alguém um homem virtuoso. Enquanto você não percebesse o óbvio, você ficaria preso nesse looping filosófico que daria inveja aos roteiristas de Dark. Esse ciclo só seria quebrado quando você entendesse que, em primeiro lugar, não há uma resposta fixa para a pergunta “Agi bem?”. Isso porque o valor da sua conduta vai depender do contexto no qual ela está inserida. Ou para facilitar, não existe certo ou errado, tudo vai depender da situação.
A sua mãe te ensinou a nunca mentir. E você, obediente, sempre foi sincero. Ao mesmo tempo, você aprendeu também com a sua mãe de ser carinhoso com ela. Mentir para sua mãe a entristece profundamente e não tratá-la com carinho, também. Um dia, sua mãe chega em casa depois de horas no cabeleireiro. Ela está muito empolgada com o novo corte e está se sentindo alguns anos mais jovem. Quando você viu a aparência de sua mãe ficou incomodado. O cabelo novo estava esteticamente prejudicado, com defasagem de beleza, feio, zoado, tosco. Ele não te agradou nem um pouco e você já temia pelo julgamento alheio que sua mãe sofreria se saísse na rua com o novo layout capilar. Mas aí ela te pergunta toda esperançosa: “Você acha que eu estou bonita?” Você congela como na cena final da novela e não sabe o que fazer.
“Como agir bem?” É a pergunta que te vem na cabeça. Ser sincero e dizer que não achou bonito e entristecer sua mãe ou ser carinhoso com ela, dizer que achou bonito mentindo descaradamente? O que o homem virtuoso faria? O homem virtuoso saberia exatamente o que fazer e se você não sabe o que fazer, significa que você não é virtuoso.
Ser virtuoso, portanto, é saber agir no contexto. Saber exatamente o que falar para a mãe. Saber se deve ou não deve. Se vai ou se não vai. Se faz ou se não faz. O homem virtuoso não tem dúvidas, pois ele faz somente aquilo que deveria fazer. Alguém virtuoso saber agir com justiça, faz da excelência um hábito, sabe como fazer e faz o que sabe, vive de acordo com as suas características, é fiel as suas inclinações e faz das suas virtudes a bússola da sua existência.
É… parece que ser virtuoso da um trabalho danado. Mas se você parar para pensar, colocar na ponta do lápis, não é uma utopia.
A essência do homem virtuoso de Aristóteles é aquela pessoa que respeita a própria natureza. Veja a coruja, por exemplo. Animal graciosamente virtuoso. E por que? Oras, a coruja não tenta ser outra coisa a não ser uma coruja. Ela respeita as suas próprias características e faz da suas virtudes a condutora de sua vida. Sabendo voar, ela voa. Sabendo se esconder, ela se esconde. Sabendo caçar, ela caça. Não existe a dúvida: voar ou não voar; se esconder ou não se esconder de um predador; caçar ou não caçar comida. Deve ser por isso que você não vê corujas tentando nadar ou correr por aí. Seria um desastre. Agora, quando a coruja faz coisas de coruja, nossa! Ela faz muito bem feito. É excelente no que faz. Sabe como fazer e faz o que sabe.
Mas corujas não precisam agir com justiça e tão pouco decidir se mentem ou deixam suas mães felizes. Então voltamos a pergunta inicial: Como agir bem?
Uma vez eu me fiz a seguinte pergunta: “Como dar a melhor aula?” Seguir a cartilha aristotélica do homem virtuoso já era uma dica. Entender minhas virtudes e respeitar minhas características como professor. Se sou bom gritando, seguindo anotações do meu caderno, subindo na mesa e falando um ou outro palavrão, não adianta eu querer dar uma aula falando baixo, usando slides, andando de um lado para o outro e não soltando um foda ou caralho de vez em quando. Já até tentei, mas eu fiquei tão infeliz com a minha performance que pensei que se a aula foi miserável para mim, imagina para os que me assistiam?
Aristóteles explica que a boa conduta, aqui no caso a boa aula, é aquela que além de respeitar suas virtudes e características causa em você total satisfação. Ou seja, faça para os outros aquilo que você queria que fizessem para você. No meu caso, dê a aula na qual você gostaria de ter se você estivesse assistindo.
Ah… você que me ouve já entendeu o xis da questão. E faz todo o sentido agora. Minha aula é a melhor aula porque é a aula que eu gostaria de ter se fosse aluno. Claro que não vou agradar a todos. Claro que posso não agradar ninguém com a minha didática. Mas para o homem virtuoso, a boa conduta é aquela que respeita quem você é, que respeita suas características, que respeita suas virtudes. A minha aula respeita quem eu sou, respeita minhas características e respeita minhas virtudes. Se isso vai agradar alguém… aí já é outro papo. Afinal de contas, viver para agradar o outro é um tanto nefasto e perigoso, pois a decepção é quase que certa. Prefiro agradar a única pessoa que terei que conviver o resto da vida, ou seja, eu mesmo. Já que estou preso a mim, que as coisas que eu faça sejam as melhores para mim. O que o outro vai achar… bom… eu sei lá.
E agora eu te pergunto: e você? Quando faz o que você faz, você age bem?
Conhecimento é Conquista
-FS
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