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  • Foto do escritorFelipe Schadt

O que eu já aprendi com as duas músicas novas do Coldplay


Lançadas mundialmente, Orphans e Arabesque, foram capazes de me mostrar que não devo ser um fã da trupe de Chris Martin

Coldplay se prepara para o lançamento do novo álbum "Everyday Life" (Imagem: Divulgação)

> Na última semana o Coldplay deixou todos os seus seguidores em polvorosa. Isso porque, após anúncios misteriosos em estações de metrô, símbolos de sol e lua nas redes sociais e rumores de um novo álbum, tudo foi confirmado com o lançamento de dois singles: Orphans e Arabesque. Eles precedem o oitavo disco de estúdio da banda que será lançado no dia 22 de novembro. Bom, como todos, ouvi as músicas e constatei que não posso ser um fã de Coldplay.


Eu gostei muito das músicas. Das duas. Talvez Orphans tenha me agradado um pouco mais, porem as duas músicas são muito bonitas e trazem uma carga emocional intensa. Novos elementos, estruturas consagradas, instrumentos inusitados, refrões fortes. O Coldplay conseguiu, já com duas músicas, mostrar que terá, pela oitava vez, um álbum único e incomparável.


“Mas espera aí! Você não tinha dito que não era mais fã?”, você pode estar se perguntando. Eu vou explicar. Fãs de Coldplay, como os fãs de outras bandas por aí, são em sua unanimidade críticos da banda favorita. Assim que os singles novos da banda inglesa saíram, grupos dedicadas à ela transbordavam de críticas, desde as mais inofensivas até as mais vorazes. Porém todas com uma notável carga de saudosismo chato, como daquele vizinho ranzinza que reclama de como os tempos de sua juventude as coisas eram melhores.


Todas essas críticas provenientes dos fãs mostram o quanto fãs não entendem uma das coisas mais básicas sobre arte: a aura. Para esses fãs, o artista deve ser como uma jukebox. Peças frias de luzes e engrenagens que dão ao apertador do botão aquilo que ele quer ouvir. Artistas possuem alma e a arte é a tradução do que a alma está sentindo. Parachutes mostra exatamente o que o Coldplay era na época, quatro almas confusas de jovens que acabaram de sair da puberdade sem saber o que encontrar quando se jogassem e abrissem seus paraquedas. Já Ghost Stories é a alma de Chris Martin chorando do início ao fim do álbum devido sua separação. E o que dizer de A head full of dreams, um canto de redenção da alma curada do vocalista?


Walter Benjamin em seu famoso texto A obra de arte na era da reprodutibilidade técnica, já alertava para a arte que não possui aura. Essas, enlatadas, fabricadas sob medida para um público órfão de novos hits, são a força motriz para uma indústria cultural cada vez mais padronizada e preocupada em reproduzir aquilo que funciona. Se duvida disso, observe as duplas sertanejas. Todas iguais, mesma temática, mesma fórmula, mesma roupagem.


Muita gente acusa o Coldplay de ter se “vendido” para essa indústria. Eu já acho o contrário. Eles são uma das poucas bandas que têm coragem de se reinventar (a outra é o U2, que já tocou gospel, soul e até discoteca). “O que aprendi com o U2 foi de ter coragem para ser quem nós somos”, diria Chris Martin após encontrar Bono em uma participação especial no talk show do Jimmy Kimmel em 2017. Todos os CDs do Coldplay são corajosos por fazerem justamente isso, entregarem não o que a indústria ou o fã quer, mas sim o que a alma dos quatro membros da banda está cantando.


E ainda que a banda teve o cuidado de avisar que esse próximo álbum, Everyday Life, seria um disco experimental. Mesmo assim, fãs surtaram em suas críticas. Não se conformam com a evolução do artista e não entendem que X&Y nunca mais será feita, pois a fase dela já passou. Ou você entende isso, ou vai passar raiva toda vez que a banda lançar algo novo. Mais do que entender é respeitar a condição da arte. Respeitar os processos e, mais importante, respeitar o que a alma do Coldplay está sentindo agora. Quando você escuta a música tentando mergulhar nos sentimentos que foram fundamentais para a sua construção, ela eleva o nível, pois você deixa de ouvir só acordes e passa a escutar a verdade por trás da canção.


Tenho uma banda. Ela se chama Genomma e acabamos de lançar nosso primeiro disco, Além dos Muros de Jornais. Para quem vai escutá-lo, eu sempre dou a advertência: “Tente escutar o CD na sequência dele, respeitando cada música e entendendo que ela é uma reprodução dos sentimentos que nossa alma tinha no momento”. Não há uma música sequer que foi pensada para “vender”, pelo contrário. É possível que nenhuma música emplaque. Mas tudo bem. O objetivo nunca foi esse, mas sim mostrar para o mundo a nossa arte.


Se isso acontece com uma banda que acabou de nascer, como a minha, imagina com o Coldplay que não precisa provar mais nada para ninguém. Eles querem expressar tudo o que suas almas estão dizendo e não agradar fãs que os tratam como uma pastelaria musical: “Me vê aí um CD de Rush a Blood To The Head com Viva La Vida e sem Mylo Xyloto, por favor”.


Por isso, depois de ouvir as músicas novas e de ler um monte de crítica, percebi que não sou fã de Coldplay. Não como esses que não respeitam a alma dos artistas. Sou um mergulhador, louco para nadar das profundezas das composições de Chris Martin. Um alerta: não são águas rasas.

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