> Se tem uma pergunta que a ética tenta responder é essa: “Como ter uma vida boa?”. E eu posso te assegurar que foram muitos que tentaram encontrar a resposta para esse dilema. Aristóteles talvez tenha sido o pensador a inaugurar essa pergunta e para ele, a vida boa era aquela encaixada com o universo. Para ser feliz era preciso encontrar o seu lugar no mundo e exercer sua função na natureza. Se você nasceu com talento para ser um escritor, terá uma vida boa se escrever livros. Se você nasceu com talento para a música, terá uma vida boa se tocar instrumentos musicais. Se você nasceu com talento para chutar uma bola, terá uma vida boa se for um jogador de futebol. E assim por diante…
E nem adianta querer me dizer: “Mas Felipe, eu não tenho talento nenhum!”. Se você está no mundo, não está atoa. Alguma serventia você tem. É o que diria Aristóteles para você. Mas para você saber se teve uma vida boa, ou seja, encaixada com o universo, você terá que morrer primeiro, pois só no final da vida você poderá avaliar a qualidade da sua existência.
Espinosa, praticamente um sócio desse blog, já diria outra coisa. Em primeiro lugar a vida não é medida depois que ela acaba. Para ele a vida é feita no agora, no instante presente, nesse exato momento. A vida boa, portanto só pode ser a vida de agora. A vida de antes, já não é mais vida porque já passou. A vida de depois menos, pois ainda não chegou. A vida é agora e para saber se ela é boa você precisa avaliar sua existência de agora. Para isso ele te perguntaria: “esse encontro que você está tendo com o mundo nesse exato momento, te alegra?”. Se fosse eu perguntando seria assim: “Ler esse texto agora te alegra?”. Se a resposta for sim, vida boa. Se a resposta for não, vida ruim.
Mas tanto Aristóteles, quanto Espinosa concordam com uma coisa. A vida boa é a vida feliz. Para o grego, felicidade é estar encaixado no universo; para o luso-holandês a felicidade é o aumento de potência provocado pelo encontro com o mundo que está acontecendo agora. Vida boa é a vida feliz.
O que te faz feliz? Enquanto você pensa eu vou dizer o que me faz feliz. Existem muitas coisas, mas para servir de exemplo, me alegra quando eu me encontro com os meus companheiros de banda para tocar as nossas músicas. No começo o ensaio me alegrava muito. Era de extrema alegria afinar nossos instrumentos, tocar três ou quatro acordes e cantar aquilo que acreditávamos. Quando fizemos nosso primeiro, os ensaios não me alegravam tanto, pois o show era muito mais legal. Mesmo com pouca gente, a energia da plateia contagiava muito mais do que o monótono ensaio. No show tínhamos um ou outro aplauso pelo menos. No ensaio, nem isso. Quando fizemos nosso primeiro show para uma plateia grande e um palco maior ainda, os shows menores já não alegravam tanto… Não sei se você percebeu… mas parece que o motivo da minha felicidade foi se sofisticando a cada upgrade no ato de tocar na banda. E a cada upgrade, o ato anterior já não me produzia o mesmo efeito alegrador. É a famosa ideia do “mal acostumado.
Diógenes foi um filósofo grego, contemporâneo de Aristóteles, que ficou conhecido pela maneira radical de viver sua filosofia. Para ele, quanto mais simples fosse a sua vida, mais chances você teria de ter uma vida boa. Por isso, ele vivia no extremo da simplicidade. Ele morava num barril sem nenhum tipo de luxo ou conforto. Consigo, só uma lamparina e as roupas maltrapilhas do corpo.
A lógica de Diógenes é muito interessante. Como ele não desejava absolutamente nada além do que ele tinha, ele não sofisticava seu motivo de felicidade. Uma vez, Alexandre o Grande, pupilo de Aristóteles, inclusive, ouviu falar de Diógenes e resolveu desafia-lo. O conquistador macedônio queria provar que todo homem deseja algo e ofereceria ao filósofo qualquer coisa que ele quisesse ter, quebrando assim a sua lógica da simplicidade. Diz a lenda que num dia ensolarado, Diógenes estava em seu barril quando Alexandre se colocou na frente dele e perguntou: “Diógenes, como sabes sou Alexandre o Grande, e posso lhe dar qualquer coisa que você desejar, não importa o que seja, peça e será seu. O que queres de mim?”… E numa simplicidade cínica, Diógenes olhou para Alexandre e disse: “Quero que saia da frente, pois está impedindo que a luz do Sol chegue até mim”.
Incrível! E corajoso, diga-se de passagem. Aposto que o grande Alexandre deve ter ficado muito bravo com Diógenes e mandar matá-lo ali mesmo não seria nenhuma dificuldade para ele.
Mas Diógenes provou seu ponto. Vamos torce-lo aqui. Imagine duas pessoas que morem no Rio de Janeiro. Uma delas teve o prazer de conhecer a Noruega uma vez e ficou maravilhada com a Aurora Boreal, aquele evento natural que o céu fica cheio de rastros esverdeados que só se é possível observar no extremo norte do planeta em noites de rara felicidade. Esse sujeito ficou muito feliz com a apreciação do fenômeno. Já a outra pessoa ama ver o por-do-sol. Toda vez que presencia o crepúsculo, sente-se feliz. Pergunto: quem tem mais chances de ter mais momentos felizes?
Pois é… O sujeito que se contenta com o por-do-sol. Por que? Oras por justamente ser simples. Para que o outro seja feliz, ele precisa pegar um avião, encarar 14 horas de voo até a Noruega, enfrentar um frio de -25ºC e dar a sorte de ter um céu limpo para observar a Aurora Boreal.
Pra quem já experimentou ecstasy entende bem essa ideia. Essa droga basicamente aflora todos os seus sentidos, sobretudo os táteis. Dizem que quando você toma um comprimido desses, sua pele fica tão sensível que um simples abraço passa a ser uma experiência transcendental. Mas depois que o efeito passa, o mesmo abraço passa a ser menos que ordinário. Para o abraço ter graça novamente, você precisará estar sob o efeito da droga. Troque abraço por sexo. Li uma vez que esse tipo de droga é a terceira mais usada durante o coito. Qual a causa disso? O sexo sem esctasy para essas pessoas não possui a mesma graça. Fica xoxo, mais ou menos, sabe?…
Quanto mais sofisticada for a causa da tua felicidade, mais difícil você vai conseguir ter momentos felizes. Diógenes ensina a ter uma vida simples, com alegrias fáceis de se conquistar, naturalmente acessíveis e sem nenhum tipo de luxo. Porque se você experimentar o luxo da Aurora Boreal, o luxo do sexo com ecstasy ou o luxo de um show para uma plateia grande, o por-do-sol, o sexo sem drogas e o ensaio jamais te causarão alegria como causaram um dia.
Diógenes me faz lembrar de outro grande personagem. Um que também ficou famoso por viver em um barril e por ter uma vida tão simples quanto a do filósofo. Claro, que não por opção. O Chaves tinha uma vida simplória e o que lhe alegrava eram coisas extremamente ordinárias. Enquanto o seu vizinho, o Quico, nunca ficava satisfeito por melhor que fosse o brinquedo que ele exibia na vila. Era comum ver o Chaves feliz com uma pequena bola de trapos enquanto o Quico já não se contentava com a enorme bola redonda e implorava por uma bola quadrada.
Chaves é o Diógenes dos nossos tempos. Ele nos ensinou que o que vale mesmo são as coisas simples da vida. Que a felicidade cabe num sanduíche de presunto.
Agora fica a pergunta e você só responde se quiser. Você fica feliz com facilidade ou as causas da tua alegria já se tornaram complexas demais?
Conhecimento é Conquista
-FS
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