
> Eu sei que você já se fez essa pergunta: “Quem sou eu?”. E provavelmente não chegou em nenhuma resposta. Bom, eu vou te dar uma. Somos átomos no vazio… Que foi? É isso mesmo. Somos um monte de átomos que dançam no vazio. Quem pensou nisso pela primeira vez foi Demócrito. Nascido na região portuária de Abdera, na Grécia, o filósofo viveu entre 460 e 370 antes de Cristo e era conhecido pelo seu bom humor e por ser um outsider da filosofia. Contemporâneo de Platão, Demócrito não só discordava das ideias dualistas como propunha algo completamente antagônico. Enquanto Platão dividia tudo em dois, Demócrito acreditava que somos todos formados por elementos indivisíveis, que ele chamou de átomos. Átomo em grego significa “aquilo que não pode ser dividido”. Demócrito propunha que o átomo era a menor partícula existente na natureza e que era responsável por formar todas as coisas. Haviam para os atomistas, átomos de todas as formas e jeitos que se encaixavam um nos outros de maneira aleatória formando tudo o que existe. E o vazio era onde esses átomos se movimentavam e se encaixavam. A árvore é átomos no vazio. A pedra é átomos no vazio. O cavalo marinho é átomos no vazio. Até o pensamento é átomos no vazio. Toda a natureza, incluindo você, é formada por átomos que percorrem o vazio e se unem a outros átomos. Você provavelmente conhece Lego. Aquele brinquedo que consiste em unir blocos coloridos para criar tudo aquilo que sua imaginação permitir. Criado pelo dinamarquês Ole Kirk Kristiansen, em 1934, os bloquinhos de plástico ganharam o mundo na década de 60 e já foi o motivo de diversão de crianças de mais de 140 países. E não era para menos, já que o Lego é o brinquedo mais genial do mundo. Faça o seguinte exercício. Imagine que um bloco de Lego seja um átomo e seu quarto seja o vazio. Você decide montar um castelo. Então, você pega os blocos e os junta uns com os outros até formar o que você queria. Para Demócrito, é exatamente assim que funciona na natureza. Os átomos se organizam de uma forma aleatória buscando por átomos que se encaixem e, encaixados, formam as coisas. O filósofo de Abdera teve essa ideia quando em um quarto escuro, pode observar um feixe de luz solar entrar pela fresta de uma janela. Nesse feixe de luz, ele observou partículas de poeira que dançavam e, ao acaso, se juntavam no espaço vazio. Voltando ao Lego. Após você montar o castelo, você decide montar um carro. Mas você percebe que não tem peças suficientes para criar seu veículo. Então, você desmonta o castelo e com as mesmas peças que hora fizeram parte da fortificação do seu reino, você cria um belo automóvel. Com os átomos funciona da mesma maneira. Os átomos que constituem uma casca de banana, após algumas semanas, se unem a átomos de terra e formam uma nova planta que nascerá ali. Já parou para pensar que tudo que existe é formado por átomos que faziam parte de coisas que não existem mais? Você pode ter em sua composição átomos que fizeram parte de nuvens que viajavam por cima da muralha da China dois séculos antes de Cristo. Esse celular que você tem pode ser constituído de átomos que já fizeram parte de uma lança utilizada por um sapiens que vivia nas Américas há 16 mil anos. Ou a gasolina do seu carro pode ser formada por átomos que já fizeram parte de um dinossauro da era jurássica. Podemos resumir tudo isso em uma frase do químico Antoine-Laurent de Lavoisier que é: “Nada se cria, nada se perde. Tudo se transforma!”. Essa ideia nos abre caminho para pensar muitas coisas. Mas vou destacar três. A primeira é de que tudo que existe sempre existiu, portanto a ideia platônica de que as coisas se originaram de um mundo inteligível, o mundo ideal, caia por terra. Mais, a ideia da existência de um Deus criador das coisas também tremia, pois como já foi dito, tudo que existe é átomos no vazio, e se Deus existe, ele também é resultado da junção de átomos e, como átomos não criam outros átomos, Deus é apenas mais uma, dentre as inúmeras coisas existentes na natureza que deixarão de existir para que outra exista no lugar ou, se não for assim, o Criador não existe. A segunda é de que não há nada além daqui. A ideia de uma vida pós morte, de uma alma imortal que transcende e volta para o eón, ou vai para o paraíso assim que o corpo padece, também perde o sentido. A alma, se existe, também é átomos no vazio, logo, não vai para lugar nenhum, ela apenas se transforma em outra coisa assim que os átomos que a compõem se desprendem e se unem com outros átomos. Portanto, a vida passa a ter começo, meio e fim. E todos esses estágios acontecem aqui. Não há porque rezar, ou porque acreditar em uma vida eterna uma vez que você, quando morrer, terá seus átomos indo formar outras coisas. E talvez aqui, para os mais otimistas, possa se pensar em uma eternidade, já que depois da falência do seu corpo, os átomos que o constituem continuarão existindo em outro lugar. É até poético pensar que um dia, partes de você, constituirão outra coisa que não é você. Só essas duas reflexões dariam conta para entendermos o motivo do ódio que Platão nutria por Demócrito. Lógico, essas ideias conflitavam com o pensamento platônico e colocavam o discípulo de Sócrates como o errado da história. Diz a lenda que Platão odiava tanto o filósofo de Abdera que chegou a querer todos os escritos do rival queimados. Demócrito, ao saber das ameaças, ria. E quando perguntado o porque ria, dizia: “O riso é a arte do sábio, enquanto a fúria é a arma do tolo”. Quer dizer, ele ainda zoava com a cara de Platão.

Mas o bom humor do filósofo atomista não foi páreo para o poder implacável daqueles que dominaram a história. Os cristão viram no discurso platônico algo muito mais valoroso que se encaixava como uma luva para a propaganda religiosa de Cristo. Platão pregava a ideia de um corpo que peca e padece e uma alma que se purifica e vive eternamente e, o cristianismo, representado por Santo Agostinho, bancou o filósofo dualista por toda a idade média, enterrando Demócrito e suas ideias atomistas no canto mais escuro e distante da história da filosofia. Isso explica o porque você ouviu falar tanto de Platão e não leu nenhuma linha nos livros do ensino médio sobre Demócrito. Felizmente e ironicamente Aristóteles, discípulo de Platão, falaria muito de Demócrito fazendo com que ele resistisse ao esquecimento séculos mais tarde, pois quando alguém estudasse Aristóteles, esbarraria nas ideias atomistas uma hora ou outra. É importante dizer que Demócrito não obtinha recursos técnicos para observar um átomo e nem como ele funcionava. Hoje já sabemos que o átomo pode ser dividido e que há componentes menores do que ele, os prótons, nêutrons e elétrons. Mas a concepção atomista não é errada, pelo contrário, é o que a ciência mais aceita como explicação para a existência da natureza. Ah… claro. Quase me esqueci. Tem a terceira coisa que a filosofia de Demócrito nos ensina. A de que Lego é um brinquedo que pode nos responder a pergunta: “Quem sou eu?”. A resposta, é que os átomos são os blocos de Lego da natureza e que você, eu e todo o resto logo seremos desmontados para que outras coisas surjam no nosso lugar. É ou não é o brinquedo mais genial do mundo? Conhecimento é Conquista
-FS
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