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  • Foto do escritorFelipe Schadt

Lavando as mãos com água, sabão e medo


(Imagem: Internet)

> Uma das coisas mais observáveis em momentos como esse, de pandemia, é o medo. Um sentimento inerente ao ser humano e que vai te acompanhar do nascimento à cova. Para a biologia, o medo é um instinto que é ativado para garantir sua preservação. Quando você sente medo de algo, significa que seu corpo está na eminência de algum perigo. Portanto, sentir medo fará que você ou corra ou lute. No caso dos macacos-verdes, eles preferem correr. Esses macacos desenvolveram uma linguagem especial para causar medo nos demais membros do bando. Quando eles avistam um leão ou uma águia, eles gritam de formas diferentes para alertar o grupo. Quando eles gritam o equivalente de “Cuidado! Leão!”, os macacos rapidamente sobem nas árvores, já quando ouve-se o alarde que significa “Cuidado! Águia!”, todos eles param o que estão fazendo e olham para cima, assustados e prontos para se esconderem do predador. Essa técnica de linguagem que promove o medo é fundamental para a sobrevivência dessa espécie. O interessante observar é que os macacos fogem, seja dos leão ou da águia, sem ao menos avistá-los. Eles fogem porque o instinto de sobrevivência é maior do que a dúvida sobre a real existência do perigo. Os macacos-verdes não possuem capacidade cognitiva de duvidar e pagar para ver. Eles, escravos de sua natureza apenas fogem. Mas e com a gente, como funciona? Para a biologia, funciona igualzinho. Somos animais também e o instinto de sobrevivência que existe nos macacos, cavalos e tilápias, também está presente no nosso corpo. Se você avistar um leão vindo em sua direção, o medo que você vai sentir fará um cálculo rápido para saber se entre correr e lutar, qual te dará mais chances de sobreviver. Mas as vezes o medo é tão forte que ele libera uma descarga absurda de hormônios fazendo seu corpo entrar em colapso, causando paralisia, desmaios e descontrole da bexiga e do intestino. Mas diferente dos medrosos primatas, nós podemos pensar sobre o medo. É o que vamos tentar fazer agora. Não se assuste. O medo é um sentimento e, portanto, é algo irracional. Immanuel Kant, defensor ferrenho da razão, dirá que esse sentimento, como qualquer outro, não deveria fazer parte das nossas escolhas. Para o filósofo alemão, sentir medo, amor, alegria, tristeza ou qualquer tipo de paixão, nos iguala aos animais e nos diminui como seres humanos, já que somos os únicos seres vivos com capacidade de utilizar a razão para agir. O que ele quer dizer é o seguinte: agir por causa do medo nos levará a resultados irracionais. Quando eu era criança, duas coisas me tiravam o sono: Altura e Agulhas. Uma vez, meus pais me levaram para tomar sorvete em um restaurante que ficava no mirante da minha cidade. Nesse mirante havia uma estátua do Cristo Redentor do tamanho de um prédio de 10 andares. Para brincar comigo, meu pai disse que só me daria sorvete se eu subisse com ele no ombro do Cristo. Topei na hora, pois ainda estávamos em casa e de lá, a estátua parecia bem pequena. Assim que chegamos no mirante, vi a real altura do monumento e só conseguia fazer uma coisa: chorar desesperadamente pedindo para ir embora. Por mais que o meu pai tenha desfeito o trato, já que era um trato de mentira, eu, com medo, não queria arriscar. Como os primatas, não queria pagar para ver. “Vai que eu termino o meu sorvete e meu pai fala: “tá na hora de subir lá no ombro do cristo, filhão”. Eu preferi fugir e decidi não tomar o meu sorvete. O poder de escolha já não me acompanhou no caso da agulha. Era dia de vacina e eu fiz literalmente um show para tripudiar minha mãe e convence-la a não me levar ao postinho de saúde. Como toda boa mãe, ela me levou a força dizendo que eu tinha que tomar para não ficar doente. Mas quem disse que o medo me deixava ouvir alguma coisa. Parecia que toda vez que minha mãe abria a boca para falar comigo eu só ouvia a palavra “Agulha!”. No postinho, a enfermeira, experiente devido as rugas no rosto, tentou me acalmar. "Vai ser uma picadinha só, imagina que você está numa montanha russa, depois que desce o medo acaba”. “Poxa, moça. Altura não!”. Uma picada no braço esquerdo, um choro seco e mais uma criança prevenida de alguma doença que eu não faço ideia qual seja. Nos dois casos eu estava com medo. No caso do sorvete eu, motivado por ele, tomei uma decisão irracional e perdi a sobremesa gelada. Já no caso da vacina, se eu pudesse escolher, motivado pelo medo eu não tomaria a injeção e, bem provavelmente, teria contraído alguma doença séria. Ambas situações mostram como o medo pode ser motivador de escolhas irracional. Sabe quando um país escolhe um presidente assumidamente despreparado por causa do medo que tem do outro partido? Pois é. A pergunta a se fazer é: por que tenho medo de altura e de agulhas? A resposta é simples: ambas me oferecem perigos. Quais perigos? A de cair e a de ser furado. Resumindo a ópera, sentir algum tipo de dor. E o medo se resume a isso: dor, dano, prejuízo. Quando sentimos dor nossa energia cai e, como já aprendemos no episódio sete do torcidinha, quando perdemos potência de agir sentimos tristeza e quando ganhamos potência sentimos alegria. Para entender o medo aqui, preciso falar sobre a esperança. Medo e esperança são lados opostos da mesma moeda, pois quando se sente um, não se sente o outro. Você sente esperança em algo positivo e medo de algo negativo. Exemplos. Quando você, em busca de um emprego, entrega um currículo, você o faz porque espera ser contratado. Você não foi contratado ainda, mas espera que seja, esse sentimento é a esperança. Ou seja pensar sobre um momento alegre que ainda não chegou. O medo funciona igual só que ao contrário. Quando você chega atrasado no trabalho, você teme que seu chefe brigue com você e te demita. Você ainda não recebeu a bronca e muito menos foi demitido, esse sentimento é o medo. Ou seja, pensar sobre um momento triste que ainda não chegou. Medo e esperança são extremamente potentes para dominar pessoas. Por que eu digo isso, é só olhar como as religiões trabalham. Faça isso e vá para o céu, faça aquilo e vá para o inferno. Ir para o céu é a esperança de se dar bem; ir para o inferno é o medo de se dar mal. Logo, as pessoas só fazem o bem por causa da esperança de viver no paraíso, ou não fazem o mal pelo medo de arder no colo do satanás. É a pedagogia do castigo. Para fazer alguém te obedecer, diga a ela que ela sentirá dor se te desobedecer. Quantas crianças no mundo não são educadas a esses moldes? “Se fizer isso vai apanhar”. A criança, pensando na dor causada pelo chinelo da mãe, que é igual pensar na tristeza que ainda não viveu, não fazia a malcriação. Não falte no trabalho se não você perde o emprego! Não coma tudo se não você vai sentir dor de barriga! Não deixe de lavar as mãos se não você vai contrair um vírus mortal… É… parece que o medo no fim das contas é isso. Serve para nos manter vivos, educados e na linha. Será? Eu obedeci minha mãe por causa do medo e não porque refleti sobre fazer o certo ou o errado em casa. Eu não faltei no emprego por medo de ficar desempregado e não por entender que minha presença é fundamental para o funcionamento da empresa. Eu comecei a me alimentar melhor por causa do medo de uma diarreia e não porque compreendi o quão saudável é comer de forma regular. A gente está lavando as mãos direito por causa do medo de um vírus e não porque refletimos que ter uma higiene adequada evitará esse tipo de pandemia. Parece que isso nos iguala aos macacos-verdes. Como eles, só corremos ou lutamos quando sentimos medo. Você faz o que faz por que sente medo de que? Assustador pensar nisso, né? Conhecimento é Conquista

-FS

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