> Por que existe algo no lugar do nada? É com essa pergunta fabulosa que começamos esse texto. E de tão fabulosa que é, terei o prazer de repeti-la: Por que existe algo no lugar do nada? Uma questão da mais refinada filosofia que eu tentarei te ajudar a compreender. E que fique avisado, disse tentar compreender e não encontrar uma resposta. Digo isso porque não há uma resposta. Mas Martin Heidegger vai nos guiar por caminhos interessantes, já que ele quem propôs esse problema. O filósofo alemão vai destacar dois elementos chaves da pergunta “Por que existe algo no lugar do nada?”. Ele destacará o “existe” e o “algo”. O “existe” ele vai chamar de SER e o “algo” ele vai chamar de ENTE. E a partir de agora, essas duas palavrinhas aparecerão com frequência no nosso papo. Vamos entender o que elas significam. Comecemos com o ENTE. O ENTE é tudo que existe. São as cosias percebidas pelos nossos sentidos. É o balde, é o motor, é o coelho. Já o SER é a reflexão sobre o ENTE. É o que vem antes. É o motivo pelo qual as coisas existem. Vamos aos exemplos. O balde, o motor e o coelho são ENTES. Se você perguntar, o que é um balde, o que é um motor ou o que é um coelho, um tipo específico de especialista poderá dar uma resposta para você depois de analisar as estruturas de cada um deles. Um químico dirá que o balde é um a amontoado de plástico em formato cilíndrico; um físico dirá que o motor é um amontoado de ferro que gerencia energia; e um biólogo dirá que um coelho é um amontoado de carne que respira e pula. Fica claro aqui que ENTE é coisa de cientista. Agora o SER é a pergunta “Por que o balde, o motor e o coelho existem?”. E veja, não é uma simples pergunta sobre a serventia deles e sim uma indagação da razão deles existirem no lugar de outra coisa. “Quem criou o balde?” “O homem” “E quem criou o homem?”… Antes que você queira dizer “Deus”, na filosofia de Heidegger ele não queria apelar para a chave mestra que responde todas as questões. Ele critica a ideia teológica de que, quando não há explicações para as coisas, atribuímos essas explicações a Deus. Heidegger queria ir mais fundo e refletir sobre o SER sem a mãozinha divina. Ele queria investigar o mistério da existência. E para que possamos entendermos a existência precisamos investiga-la a partir de nossas próprias experiências. Heidegger irá identificar que todas as nossas experiências passeiam por três tipos de afetos: A alegria, a angústia e o tédio. Todos os encontros que você tem com o mundo te causarão ou alegria, ou angústia ou tédio. E hoje nós vamos mergulhar no terceiro afeto. E já está de bom tamanho para o nosso papo aqui. Tédio é ver o trem da linha 7 Rubi que sai de Jundiaí até a estação da Luz andar nos trilhos e carregar milhares de pessoas de uma estação para outra. Tédio é ver o relógio marcando o tempo com seus ponteiros mudando a cada segundo, minuto e hora. Tédio é ver o vendedor anunciando suas bugigangas enquanto conquista um ou outro comprador. Todas essas coisas, estão cumprindo sua utilidade e, para Heidegger, não há nada mais tedioso do que isso. E eu vou te explicar o porquê. Quantas vezes você já viu um trem na vida? Para alguns, é corriqueiro e faz parte da rotina. Para esses que ja viram muitos trens, aposto que depois da primeira vez que viu um, nunca mais se sentiu espantado ou maravilhado com um desses. Claro, são todos iguais. Maquinas de ferro que vão do ponto A ao ponto B em cima de um trilho. Pois muito bem, imagine que você olhe para a rua e veja uma locomotiva estacionada na frente da sua casa. Mesmo na sua cabeça a ideia pareceu absurda. Um trem fora dos trilhos não é normal. Além disso é inútil pois, fora dos trilhos, um trem não serve para nada. Um relógio quebrado, tem o mesmo efeito. Quantos relógios você já viu na vida? Aposto que muitos. Mas nenhum lhe causou espanto. Agora experimente ver um relógio sem ponteiros ou números. Relógio inútil, não serve para nada. E um vendedor que não tem produtos para vender então? Mais inútil ainda. Um trem fora dos trilhos, um relógio sem ponteiros e números e um vendedor sem produtos estão fora do que chamamos de cadeia de utilidade. E é exatamente por isso que eles deixam de ser ordinários e passam a ser extraordinários. E quando eles, inúteis que são, lhe causam algum tipo de desconforto, espanto, admiração, eles estão te tirando do tédio. Você já matou a charada: quando as coisas cumprem o seu papel, ou seja, são úteis, elas causam tédio, pois fazem o que é esperado que façam. Agora, quando são inúteis, elas não fazem o que deveriam fazer. Quebram as expectativas e, por isso, tiram você da inércia tediosa. Um dia desses eu fui verificar as estatísticas de acesso do meu blog. Diariamente eu acessava os dados na esperança de ter aumentado o números de ouvintes em relação ao dia anterior. Num desses dias, vi que não houve nenhum acréscimo nos números. Durante 24 horas ninguém leu meus textos. Fiquei frustrado, mas resolvi esperar o dia seguinte, com a certeza de que os números seriam mais alegradores. Ledo engano. Nenhuma alma viva tinha acessado meu conteúdo e aí veio a inevitável pergunta: Por que meu blog existe? Qual a utilidade do Blog do Schadt? Minha resposta sempre foi: “Para ser lido por alguém”. E foi aí que eu descobri o quanto a cadeia de utilidade é enfadonha. Pense comigo: Qual a utilidade do trem, do relógio e do vendedor? Do trem, para levar pessoas do ponto A para o ponto B; do relógio para marcar o tempo; do vendedor para vender coisas. Perfeito. E se não houver pessoas para o trem levar? A existência do trem perde o sentido. Se não houver tempo para o relógio medir? A existência do relógio perde o sentido. E se não houver coisas para o vendedor vender? A existência do vendedor também perde o sentido. Eu não sei se você percebeu, mas o valor do trem não está no trem, está nas pessoas que ele transporta. O valor do relógio não está no relógio, está no tempo que ele mede. O valor do vendedor não está no vendedor, está nas coisas que ele vende. Ou seja, o valor das coisas estão fora delas. Pra que serve um blog? Para ser lido. E se não houver leitores? A existência do blog perde o sentido. E é por isso que anuncio aqui que sou o blogueiro mais satisfeito do mundo! Não entendeu? Eu explico com um poema: “A rosa não tem porquê”… Veja que bonito. “A rosa não tem porquê”. E é isso. O valor da rosa está na rosa e não fora dela e é por isso que a rosa não se importa com a sua razão de existir, por isso que a rosa não faz parte de uma cadeia de utilidade, por isso que a rosa é inútil. Porque ela vale por si só. E por valer por si só ela não depende de nada além dela para viver a vida em plenitude. Veja a felicidade. Pra que serve ser feliz? Não há respostas. Isso porque a felicidade não está presa a uma cadeia de utilidades. Ser feliz basta por si só. A felicidade é inútil, pois o valor dela está nela mesma. Pense nas coisas que você faz e se pergunte: Qual a utilidade disso? “Qual a utilidade do curso que eu faço?” Se a resposta for: “Para conseguir um emprego”, você já entendeu que, se não houver o emprego, o curso perde o sentido de ter existido. Agora, se a resposta for: “Faço o curso porque gosto de estudar isso”, pronto! Você faz algo que vale por si mesmo e, por valer por si mesmo, nunca perderá o sentido de existir. Vá lá, coragem, pergunte-se qual a utilidade das coisas que você faz, dos relacionamentos que você tem, da vida que você leva. Quantas coisas possuem o valor fora delas? Quantas coisas valem por si só? Esse blog pode não estar sendo lido por ninguém. E isso não me frustra, pois não é a utilidade dele. Faço o blog porque tenho prazer em fazê-lo. Zero utilidade, zero expectativa. É só prazer em escrever o texto, editar e publicar no blog. E nossa… como isso é prazeroso. Não é o fim, mas o meio. O trajeto. O caminho que importa. Se alguém vai ler isso? Ora, dane-se. Eu já fui muito feliz fazendo esse texto. E é por isso que esse é o blog mais inútil do mundo. Conhecimento é Conquista
-FS
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