Somos uma sociedade doentia pois sofremos todos do mesmo mal: a falta de carinho
Um psicólogo chamado Harry Harlow encabeçou uma série de experimentos um tanto perturbadores nas décadas de 1950 e 1960 para comprovar a falácia do behaviorismo que dizia que crianças não necessitavam de carinho para seu desenvolvimento social. Em um experimento intitulado “Mãe de aluguel”, ele pegou dois filhotes de macacos, os separou da mãe assim que nasceram e os isolaram em pequenas jaulas. Então, era oferecido para ambos um manequim de metal (simulando uma mãe macaco) com um recipiente cheio de leite e um outro manequim de pano (também simulando uma mãe macaco) só que sem o recipiente com o leite. Os bebês macacos agarravam o manequim de pano com força.
Esse experimento aconteceu porque uma tendência behaviorista do início do século XX enfatizava que crianças acostumadas com carinho, atenção e demasiada preocupação dos pais, cresciam mimadas. Para essa corrente de pensamento, as crianças necessitavam apenas de três coisas para seu desenvolvimento saudável: alimento, proteção e cuidados médicos e que, portanto, a ligação que os filhos sentiam pelos pais se dava porque os pais podiam dar essas três coisas para eles. O resto (carinho e atenção) era supérfluo e até prejudicial.
Um famoso puericultor (cientista que reúne fisiologia, higiene e sociologia para pensar o desenvolvimento físico e psíquico das crianças) da década de 1920, John Watson, aconselhava que os pais evitassem beijar e abraçar seus filhos. “Se for realmente necessário, beijem-nos uma vez na testa ao lhes dar boa noite. Cumprimentem-nos com um aperto de mão pela manhã” (1).
Uma revista de puericultura famosa nos Estados Unidos na época, Infant Care, chegou a sugerir que para criar os filhos de uma maneira correta era necessário seguir um rígido cronograma para suprir as necessidades das crianças. Não importa se seu bebê está chorando por fome, a revista aconselhava a alimentá-lo apenas no horário certo, criando uma lógica de disciplina na criança desde muito cedo. “Não a segurem, não a embalem para que parem de chorar e não as alimentem antes da hora exata da próxima refeição, chorar não prejudica o bebê, nem o mais pequenino deles” (2).
Os macacos de Harlow ensinou algo muito útil para John Watson e os editores da Infant Care. Ao negarem o alimento por um contato de carinho (proporcionado pelo manequim de pelúcia), os bebês macacos mostram que para nós, os mamíferos, o contato e o carinho são tão (ou mais) importantes do que alimentação, proteção e cuidado médico para o nosso desenvolvimento social. Isso porque as cobaias que foram isoladas de qualquer tipo de contato ou carinho, cresceram com sérios distúrbios psicológicos e apresentaram sinais de violência. Já os macaquinhos que tiveram um contato parcial (ou seja, se aconchegavam no colo do manequim de pelúcia) também apresentaram problemas, pois ao perceberem que o carinho não era correspondido pelo manequim, eles se tornavam antissociais e neuróticos.
Após os eventos recentes de violência entre jovens, essas informações que eu divido com você pode te ajudar a entender uma série de coisas. Não pense que isso aqui é uma tentativa de culpar alguém (como já estão fazendo com os vídeo-games, políticos e internet). Não pense que a culpa recai sobre os pais que não deram carinho o suficiente para os seus filhos. Tente ter uma visão mais ampliada. Tente entender que a falta de carinho na infância é tão comum quanto gripe e que, portanto, todos nós podemos ser potenciais vítimas disso. Sendo assim, temos a potencialidade de sermos como os macaquinhos de Harlow: perturbados, neuróticos, violentos e antissociais. Talvez todos estejamos doentes. E o que se faz com pessoas doentes? Submetem elas a tratamentos. E qual é o médico que pode nos oferecer isso? Essa, vou deixar você responder sozinho.
Conhecimento é Conquista -FS
(1) HARARI, Yuval Noah. Homo Deus: uma breve história do amanhã. 1ª Ed. São Paulo: Cia das Letras, 2016, p. 96 apud Jean O’Malley Halley, Bouddaries of Touch: Parenting and Adult-Child Intimacy (Urbana: University of Illinois Press, 2007), pp. 50-1; Ann Taylor Allen, Feminism and Motherhood in Western Europe, 1890-1970: The Maternal Dilemma (Nova York; Palgrave Macmillan, 2005), p. 190.
(2) HARARI, Yuval Noah. Homo Deus: uma breve história do amanhã. 1ª Ed. São Paulo: Cia das Letras, 2016, p. 96 apud Lucille C. Birnbaum, “Behaviorism in the 1920s”, American Quarterly 7:1 (1995), p. 18.
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