Eu sou uma pessoa que lida muito bem com a morte. Dos outros, é claro. Eu ainda não parei para pensar na minha. Medo? Prefiro dizer que estou ocupado pensando no que fazer da vida. Talvez seja uma defesa inconsciente que eu utilizo para não me deprimir com a pergunta: “Para onde irei?”. Deve ser por isso que a morte me assusta. Por não saber nada sobre ela. Mas essa profundidade de pensamento não se aplica quando o outro morre. “Para morrer basta estar vivo”, é o que digo. Ou invoco o gênio Chicó, personagem icônico de Suassuna, que dizia para João Grilo que “tudo o que é vivo, morre”. Mas existe uma morte, além da minha (que será iminente) que eu não estou conseguindo lidar bem. A morte da verdade.
Recentemente, Wagner Moura, um dos melhores atores brasileiros, famoso pelo Capitão Nascimento, no tropa de Elite I e II, deu uma entrevista para o Brasil de Fato em que diz sobre “Marighella”, filme que dirigiu e terá sua estreia no Festival de Cinema de Berlin. Ele falou sobre a repercussão do longa e outras coisas sobre política. Mas o que me marcou nessa entrevista foi quando o ator, agora diretor, disse que a verdade como conhecemos havia morrido.
A afirmação doeu como um soco na cara. E doeu por que? Porque faz todo o sentido. Estamos vivendo em uma era de hipervalorização da estupidez que está a serviço de um sistema que só quer uma coisa: provar que um lado está certo e que tudo que não for alinhado a isso é errado e deve ser combatido. Quero dar exemplos.
Recentemente, Nando Moura, um youtuber famoso por seus vídeos contra a esquerda e a favor do atual presidente postou um vídeo no qual condenava a ideia de indicação do ex-presidente Lula ao prêmio Nobel da Paz. Para dar base no que ele acredita ser um absurdo (o ex-presidente ganhar tal honraria), ele desvaloriza a premiação dizendo que um dos maiores genocidas da história – Stalin – teria ganho o Prêmio Nobel da Paz duas vezes. Basta um google para saber que esse fato jamais aconteceu. Mesmo assim, as pessoas acreditam. E por que acreditam? Porque é o que elas querem acreditar, verdade ou não.
Outro exemplo (gosto de exemplos): Kin Kataguiri, líder do MBL e agora deputado Federal, fez um vídeo no qual criticava o marxismo. Nesse vídeo ele dizia que Karl Marx percebeu as falhas do Comunismo durante a Primeira Guerra Mundial. Bom, se você der mais um google, ou se quiser ser mais criterioso e ir a uma biblioteca, conseguirá encontrar em qualquer enciclopédia a data de nascimento e morte de Marx. Verá que ele morreu em 14 de março de 1883. No mesmo google, ou na mesma biblioteca, você também conseguirá pesquisar sobre o início da Primeira Guerra Mundial, que foi em 28 de julho de 1914. Logo, conseguirá com um pouco de matemática constatar que Karl Marx jamais poderia ter constatado que o Comunismo foi um fracasso na Primeira Guerra, pois ele morreu muito antes dela acontecer. Mesmo assim, as pessoas acreditam. E por que acreditam? Pelo mesmo motivo do parágrafo anterior: porque elas querem acreditar, verdade ou não.
E os exemplos poderiam seguir ao infinito. Inclusive existe um livro com o mesmo título desse texto: “A morte da verdade”, de Michiko Kakutani, que narra a maneira como Donald Trump se utiliza da mentira para vender suas ideias. É o que acontece aqui no Brasil agora, o uso da mentira comprovada para provar um ponto de vista. Se o ponto de vista for o mesmo que o meu, eu compro a versão contada, mesmo ela sendo uma mentira. Sendo assim, não é mais a verdade que forma uma ideia, é uma ideia que cria uma suposta verdade. Por isso Wagner Moura está cercado de razão. A verdade, como conhecemos, morreu! Mentiras serão contadas para massagear egos, comprovar teorias, arrebatar rebanhos e perpetuar tiranias. Isso já começou.
O que fazer agora? Como disse no começo do texto, eu tenho medo de pensar sobre a minha morte, pois não sei o que será depois dela. Isso se aplica à verdade. Não sei o que acontecerá depois de seu velório.
Conhecimento é Conquista
-FS
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