
> No caminho da minha padaria favorita - que fica bem perto da minha casa -, eu estava pensando em todos esses anos na sala de aula e de tantos alunos que passaram por mim. Pensei nos que me marcaram e, de certa forma, me acompanharam e me acompanham até hoje.
Eu estava prestes a iniciar uma tradição que há muito tempo eu queria possuir: reunir meus ex-alunos (seja da faculdade ou do colégio) na mesma mesa, uma semana antes do meu aniversário, para comemorarem comigo mais um ano de vida e de docência. E assim, no dia 25 de janeiro de 2025, iniciamos o encontro anual dos "Pupilos do Schadt".
Câmbio.
...
Se você é fã de Harry Potter deve conhecer o professor Horácio Slughorn, aquele professor de Hogwarts que ensinou Tom Riddle (aquele que não deve ser nomeado) sobre as Horcruxes. Mas não foi isso que me chamou a atenção quando conheci esse personagem nos livros. Na verdade, eu achei muito legal a sua tradição de promover jantares para os seus alunos famosos.
Quando me tornei professor, já no longíquo 2012, eu sempre me imaginei me reunindo com ex-alunos brilhantes. Muito mais do que me exibir para todo mundo graças as façanhas dos meus estudantes, eu queria me cercar deles e mantê-los por perto de alguma forma.
Um dos meus bordões em sala de aula é o "Vem comigo", famosa frase que uso para chamar a atenção dos alunos para algo importantíssimo que estou ensinando, ou quando preciso fazer um ou outro voltar a ter foco em minha aula. Esse bordão signfica muito mais do que um sinal de alerta. As vezes acho que ele é um apelo para que eles nunca me abandonem.
Eu tenho muito medo do abandono, do esquecimento, da irrelevância. Exibido como sou, estar em evidência é quase que uma obsessão. Talvez por isso essa vontade de manter meus alunos por perto se tornou tão atraente de uns tempos para cá. Acho que é isso que o Slughorn sente.
Todo aluno tem seu professor favorito. Eu não sou, obviamente, o professor favorito de todos os alunos que cruzaram meu caminho. Longe disso. Minha relação com meus alunos sempre foi de amor e ódio. "Ou você ama o Schadt ou odeia ele, não tem meio termo", disse sabiamente Nayara Cristina, uma das minha alunas que já me odiou muito, mas hoje faz tão parte da minha vida como eu faço parte da dela (história para outro texto).
Mas do mesmo modo que todos os alunos têm seus professores favoritos, nós professores - pelo menos eu - temos os nossos alunos favoritos também. Então, eu resolvi me inspirar no professor da Sonserina e montei um evento para reunir os meus melhores alunos.
A Isabela Cristófaro foi a primeira a chegar na padaria Polotto, em Jundiaí. Pontual como o Sol, Cristófaro foi minha aluna de jornalismo, uma das mais inteligentes que passou por mim. Entrou no jornal laboratório que eu coordenava e despontou como uma incrível jornalista, mas foi na pesquisa em Educomunicação que ela se destacou de verdade. Tive o prazer de orientá-la na primeira Iniciação Científica do curso e em seu TCC. Hoje, ela trabalha na comunicação do Hospital São VIcente, em Jundiaí. Começamos um papo sobre ela ter voltado ao Kung Fu e acredite, se você ver a Cristófaro, jamais imaginaria que ela luta o estilo do Dragão.
Na sequência, Lucas, o Visconde, apareceu. Ele é um dos meus maiores orgulhos, pois além de ser um dos melhores produtores de audiovisual da região, hoje é meu colega de trabalho no UniAnchieta. Lembro da primeira aula que dei para ele, de filosofia, no curso de comunicação. Assim que acabou a aula, ele ficou tão impactado que confidenciou para mim alguns anos depois que, naquele dia, já tinha decidido que queria ser um professor como eu. Desde o começo, eu o acompanhei de perto. Tão de perto que ele passou a acompanhar minha banda, a Genomma, e é o responsável por todos os nossos clipes. Eu o ajudei como pude em sua carreira, mas confesso que ele não precisou muito da minha ajuda. Ele sempre foi brilhante.
Aí apareceu a Helô entrando na padaria com um sorriso inconfundível. Diferente da Cristófaro e do Lucas, ela não foi minha aluna na faculdade, mas foi minha aluna no terceirão que eu tanto amei. Ela estava muito animada com o início das aulas dela na faculdade de Cinema na PUC Campinas. "A Helô vai ser responsável por trazer o segundo Oscar do Brasil", disse a apresentando para os demais. Todos riram, inclusive eu. Mas minha risada era muito mais do tipo "vai ser muito engraçado quando isso acontecer e eu disser eu avisei" do que de qualquer outra coisa. Espero escrever sobre o sucesso dessa menina em breve aqui no Blog. Aliás, recentemente ela iniciou o próprio Blog para falar de cinema, o Cinefhelozando.
Geovanna Ortiz foi a próxima a chegar. Chegou de mansinho, sem alarde, exatamente como era na faculdade. Mas, o temperamento calmo e tranquilo dela escondem uma jornalista altamente competente. Para você ter uma ideia, ela foi um dos pilares da comunicação que fez de Gustavo Martinelli o vencedor das últimas eleições à prefeitura de Jundiaí, a mais difícil e competitiva da história da cidade. Hoje, conduz a comunicação da prefeitura e nem de longe lembra a menina assustada que estava morrendo de medo de entrevistar alguém na primeira pauta do jornal da faculdade. Ela me prometeu um café para me contar com detalhes os meandros das eleições. Estou publicando isso para registrar e cobrar depois.
Para equilibrar um pouco, mais um aluno do terceirão. Leonardo apareceu com um pacote azul na mão e me entregou. "Eu já vi você com um livro desse autor e espero que você goste desse", disse pra mim enquanto assistia a minha cara abrindo o pacote. Era "Nexus", o mais recente livro de Yuval Noah Harari, justamente o livro que eu não encontrei na feira do livro da USP e que faltava para a minha coleção do historiador israelense. Fiquei feliz demais com o presente, mas mais feliz mesmo eu fiquei com a presença do Léo, o aluno mais inteligente que já cruzou o meu caminho. Ele tirou 980 na redação do ENEM do ano passado e eu e outros professores desconfiamos que seja a maior nota de Jundiaí. Só podia ter vindo do Léo mesmo que está prontíssimo para ir para UNICAMP.

Quem sentou do lado dele foi a Cibele. A Cibele tem uma história muito interessante - que também valeria a pena ter um texto solo aqui no Blog -, mas vou resumir aqui para você com uma única palavra: persistência. Ela chegou na faculdade de jornalismo com muita vontade, mas confesso que eu achava que ela não duraria muito no curso, pois ela demonstrava muita dificuldade. Mas em pouco tempo aprendi algo que tanto ensinei em filosofia, ela era o significado perfeito do "triunfo de Kant sobre Aristóteles". Eu explico. Se faltava na Cibele do primeiro semestre o talento nato de alguns alunos de jornalismo, sobrava nela o trabalho duro. E como essa menina trabalhou! Trabalhou tanto que rapidamente conseguiu um estágio na área e a aparente "falta de talento" agora era coisa do passado. Nem a gravidez no meio do processo fez ela desistir. Precisou mudar de faculdade por causa do horário que tinha livre para estudar e fez do trem seu escritório. Há algumas semanas, colou grau e se tornou jornalista. Ela logo vai estar na TV, acredito, e você vai entender tudo o que eu falei dela.
Falando em TV, Nayara Cristina surgiu. E surgiu reclamando do calor - ela sempre reclama de alguma coisa. Nossa relação é de amor e ódio, porque descobrimos, já na faculdade, que somos muito parecidos. Ela era exatamente o tipo de aluno que eu fui quando estava sentado na cadeira que ela ocupava. Muito convicta, ela tem duas características irritantes: sempre consegue o que quer e sempre que faz o que quer bem feito. Quer dizer, só não fez bem feito uma única vez e foi em um trabalho da minha disciplina. Não vou entrar em detalhes, mas eu dei uma bronca - nela e na Ortiz, as duas estavam no mesmo grupo - que elas nunca esqueceram. Nem eu. Fui péssimo e aprendi ali que para ensinar eu deveria ser, acima de tudo, gentil.
Bom, o fato é que a Nayara me odiou muito depois desse episódio da bronca, mas me amou muito no período que a orientei na iniciação científica sobre um tema que ambos gostamos muito. A relação de amor e ódio continuou e dei o azar de ela estar me odiando no período do TCC e por isso que ela não me escolheu como orientador. Passei a odiá-la por isso também, fazer o que, tenho ciúmes dos meus alunos. Mas a gente sempre se manteve por perto e eu vi de perto ela chegar longe em sua carreira, mais especificamente na frente das câmeras do SBT, como repórter. "Caramba, Schadt! 35ºC e você me fez sair de casa!", disse ao me cumprimentar. Amor e ódio.
Aí veio a Manu, que junto da Helô, armou um presente pra mim (falo dele daqui a pouco). Tímida, foi se enturmando aos poucos. Não demorou para estar falando de suas perspectivas para a faculdade de Letras que vai fazer também na PUC Campinas. Junto com a Helô, uma amiga que carrega desde quando as duas eram criancinhas, serão, como ensinei, as "filhas da PUC". "Manu, vai querer dar aula?", ela sorriu e disse que não sabia. O Visconde e a Cristófaro gostaram da ideia. Eu, mais ainda. Não sei o que o futuro reserva para a Manu, mas eu fico imaginando a sorte grande dos seres humanos que poderão chamá-la de "Professora" um dia. Mas ela confessou que por muito pouco não escolheu jornalismo. "Sor, se você tivesse chegado antes - dei aula para eles só nos últimos seis meses do anos passado -, provavelmente você teria me feito mudar de ideia e ido para o jornalismo". Foi quase!
Outra menina que eu torço muito é a Lorena. Ela acabou de se matricular em fonoaudiologia, na Unifaccamp, faculdade que me formei e iniciei minha carreira como professor. Já disse para ela que, às sextas estarei na faculdade e se epa precisar de mim, pode contar comigo. A Lorena é uma das pessoas mais carinhosas do mundo e demonstrou todo o seu afeto com todos al na mesa. Quando penso em um mundo melhor, eu penso nela. Eu penso que ela é basicamente um modelo de como devemos tratar uns aos outros. Tão gentil que me defendeu quando meus alunos da faculdade questionaram se os alunos do terceirão me amavam tanto assim. Ainda bem que a Lorena já confirmou presença no encontro do ano que vem.
O time estava quase completo. Dos que confirmaram, faltava epenas um ex-aluno. O mais extravagante de todos: Vinícius Vieira, o Fila Benário. Não adianta, em qualquer lugar que o Fila chega, ele causa um estardalhaço. Ele é a pessoa mais simpática do mundo. Talvez isso explique ele ter tantos amigos e que privilégio o meu de ter sido professor, orientador e amigo desse cara. Jornalista do Greenpeace, o Fila faz um dos jornalismo que eu mais acho interessante: o jornalismo ativista. A cara dele. Mas é no jornalismo musical que eu apostaria minhas fichas para sua carreira. Manja muito de música e seu trabalho de conclusão de curso foi um livro riquíssimo sobre a cena punk e hardcore independente do ano de 2004 que ele ainda não publicou e eu sempre que puder alfinetá-lo sobre isso, eu o farei.
Em dado momento, levantei para pedir pelo bolo - afinal se tratava de uma "festa de aniversário" -, olhei para mesa e contemplei aquele instante. Meus alunos favoritos juntos, comigo e felizes por estarem ali. Eu não queria que aquele instante acabasse. Pedi para esperarem mais um pouquinho com o bolo só para postergar o fim por mais uns minutinhos.

Depois do parabéns eu disse algo mais ou menos assim:
"Eu estou muito, mas muito feliz de vocês estarem aqui. Hoje, começa uma tradição: todo ano, no final de semana anterior ao meu aniversário, reunirei vocês e os novos alunos que surgirem para comemorarmos. E isso não é sobre mim, é sobre vocês. Esse encontro é para celebrar vocês, o que vocês se tornaram e o que vocês podem ser. É como eu sempre digo, 'nós somos aquilo que vocês se tornam, esse é o fardo dos mestres'. Muito obrigado por terem se tornado tão especiais!"
"E conhecimento é conquista", lembrou a Geovanna do meu outro bordão.
Cheguei em casa e fui olhar a sacolinha que recebi das mãos da Helô e da Manu. Eu já tinha visto o conteúdo lá na padaria e percebi que as chances de eu chorar ali na frente de todo mundo eram bem grandes. Fui ligeiro e disse que olharia com calma depois.
Dentro da sacolinha haviam três coisas. Primeiro: um CD que a Helô produziu para mim contendo as músicas que, segundo ela, a fazem sentir que a vida vale a pena ser vivida, um dos ensinamentos de filosofia que marcaram sua turma. Dentro do CD, na capa, a pergunta "você vive hoje uma vida que gostaria de viver por toda a eternidade?" Na contra-capa, a playlist. E na parte interna do encarte, uma mensagem que explica o maravilhoso presente. E enquanto eu escrevo esse texto, estou ouvindo a playlist que ela montou para mim. Destino ou não, estou na faixa 13: Yellow (a mesma Yellow que toquei para a turma dela no último dia de aula no violão que ganhei do Chris Martin).



Segundo: um retrato no azulejo da foto da nossa turma, a última que tiramos todos juntos. Essa foto é muito especial para mim, pois foi na nossa despedida e, se você olhar direitinho, consegue perceber que os alunos formam, em volta de mim, um coração. Eu amo essa foto e agora poderei vê-la todos os dias, pois ela vai ficar enfeitando a minha estante de livros. A foto é acompanhada da frase "A vida que vale a pena ser vivida". Na mosca. Eu daria aula para essa turma por toda a eternidade.

Por fim, um cartãozinho endereçado a mim e dado pela Manu e pela Helô me desejando um feliz aniversário adiantado. E fiquei feliz da minha decisão de ver o presente somente em casa, pois eu chorei, exatamente como estou chorando agora escrevendo esse Diário de Bordo.

Já estou ansioso para reencontrar vocês ano que vem e ouvir as novas histórias, seja da vida de calouro de alguns, seja da vida profissional de outros. Mas eu me conheço e sempre vou acompanhá-los de alguma maneira ou de outra e vibrando a cada uma das suas conquistas.
Afinal, é isso que um mestre faz pelos seus pupilos.
Câmbio, desligo!
Conhecimento é conquista.
-FS

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