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Diário de Bordo #12 - Parsons não fritava ovos

Foto do escritor: Felipe SchadtFelipe Schadt

O momento de glória: consegui quebrar um ovo com apenas uma mão
O momento de glória: consegui quebrar um ovo com apenas uma mão

> Eu tinha acabado de chegar da escola e estava com o estômago colado nas costas. Eu sabia que havia na geladeira salada lavada, queijo e dois ovos. Fazer o que? É isso que acontece com a minha geladeira quando a Carol está viajando. Só o essencial para um homem adulto não morrer de fome.


O menu seria salada com ovo frito recheado com queijo, uma especialidade da casa. Um fio de óleo na frigideira e ovos preparados para o sacrifício. Com a mão direita quebrei o primeiro ovo e, claro, com a mão esquerda, ajudei a abrí-lo com muita dificuldade. O golpe nunca é limpo e sempre cai uma lasca de casca na frigideira. Normal para os meus padrões.


Mas com o segundo ovo foi diferente. Realizei a manobra gastronômica mais legal de todas. Com apenas uma das mãos, bati o ovo na quina da pia de mármore e, sem o auxílio da outra mão, abri o ovo como os grandes chefes de cozinha fazem. Eu sabia que havia vencido na vida.


Câmbio!

...


Eu nunca fui habilidoso na cozinha. Para falar a verdade, eu sou um desastre pilotando um fogão. Quando me perguntam se sei cozinhar, a resposta padrão é: "Eu malemá sei fazer gelo, meu cumpadi". Esconder minha inabilidade no humor é meu refúgio.


Claro que é um exagero. Não morreria de fome se tivesse o básico para cozinhar. Sei fazer arroz, preparo bem minhas proteínas, não decepciono no churrasco, tenho uma receita de molho de salada muito bom, faço um sorbê refrescante e meu miojo não é de se jogar fora... Nada que mereça aplausos, mas também nada que um adulto funcional não faça. O que eu quero dizer é que, tirando um risotto, nada mais elaborado é feito pelas minhas mãos aqui.


Desde pequeno nunca precisei "ir para cozinha". Minha mãe sempre reinou absoluta nesse canto da casa. Clássica dona de casa, minha mãe sabia fazer tudo. Seus pratos eram simples, mas ela sabia fazer bem o feijão com arroz. Aliás, feijão de mãe é imbatível.


Nunca esbanjamos comida lá em casa, mas também nunca passamos vontade. Minha mãe tinha uma habilidade incrível de fazer a comida render. Nada era desperdiçado e tudo era aproveitado da melhor maneira possível. Ela é uma mulher que viveu os desprazeres da inflação da primeira metade dos anos 90 e por isso cada grão de arroz contava.


Eu só tinha permissão para "ajudá-la" na cozinha na hora de escolher feijão. Eu adorava encontrar os feijões inadequados que ficariam de fora da panela. Era uma tarefa que exigia concentração, movimentos leves e olhar aguçado. Claro que minha mãe sempre conferia os feijões descartados para ter certeza que eu não iria desperdiçar nada. "Pronto, pode sair", era o que eu ouvia quando terminava. Meu trabalho não era mais necessário.


Minha mãe tratava a cozinha como o seu território. Penso que ela sentia que ali era o único espaço da nossa pequena casa de sala, quarto e cozinha que era seu reino. A cozinha pertencia a ela e isso conferia a ela um poder que gostava de exercer.


A minha primeira imagem de "cozinha" que tenho em mente, no entanto, é do meu pai fazendo massa para pizza. Ele é, inclusive, um cozinheiro tão bom quanto a minha mãe e quando eu era bem pequeno, cansei de ver ele pilotando o fogão. Eu amava quando ele fazia suspiro. Mas meu pai se afastou do reino culinário da minha mãe por causa do seu trabalho no contraturno - trabalhava de noite e descansava de dia - e eu só o veria novamente na frente de um fogão muitos anos mais tarde para preparar os almoços de dias comemorativos.


Assim como meu pai, eu não tinha vez na cozinha e por isso - acho - nunca me interessei em cozinhar. O fato é que eu tinha quem o fizesse por mim e minha mãe cumpria esse papel muito bem. Fato esse que me fez lembrar de Talcott Parsons.


Talcott Parsons
Talcott Parsons

Parsons foi um sociólogo norte-americano que viveu no século XX e se gabava por ter uma "Teoria Geral Social". Ele acreditava que os sistemas sociais, ou seja, os indivíduos, grupos e instituições, precisam buscar maneiras de sem manter funcionando para que a sociedade como um todo se mantenha de pé e equilibrada.


Ele ficou bem famoso ao indicar que existe um modelo "ideal" de família: pai, mãe e filhos. Para ele, a família é o primeiro grupo social no qual um indivíduo faz parte e, portanto, é ali que ele tem os primeiros contatos e aprende os primeiros comportamentos sociais. Segundo Parsons, a família é fundamental para manter a sociedade funcionando.


O pai tem que cumprir o seu papel de provedor da família e a mãe a da cuidadora do lar, logo, os filhos aprenderão, a depender do seu gênero, qual papel deverá assumir na vida adulta. Veja, as crianças são treinadas desde cedo a ter um papel na sociedade por toda uma estrutura que está além da própria família. Já se perguntou o motivo de uma menina sempre ganhar uma boneca de presente enquanto o menino ganha um carrinho? Ela precisa aprender a cuidar da prole e ele a se deslocar até o trabalho para sustentar a prole.


Na lógica de Parsons, que convenhamos é - e se não é, deveria ser - superada e ultrapassada, minha mãe fez certo ao não me deixar cozinhar, pois o meu papel social era o de aprender com o meu pai a trabalhar fora. Parsons, inclusive, condenaria meu pai por pilotar o fogão em seus momentos na cozinha. Alias, o homem só estaria autorizado a cozinhar se essa fosse a sua profissão. Cozinhar para cuidar dos filhos é, segundo o sociólogo norte-americano, coisa de mulher.


Essa visão tem raízes no positivismo de Auguste Comte, considerado o pai da sociologia e completamente fissurado na sua ideia de ordem e progresso. Quando perdeu sua segunda esposa, Clotilde Vaux, no qual ele idolatrava por ser uma mulher casta, recatada e do lar (pois é!), imaginou que uma sociedade só chegaria ao progresso quando cada um cumprisse a sua função. A religião que ele criou, a Religião da Humanidade, pregava, por exemplo, que lugar de mulher é cuidando da casa. Outro pensador ultrapassado e superado. Ufa!


Eu não sei cozinhar. Mas sempre quis aprender. Não culpo a minha mãe por não ter me ensinado, afinal, para ela e para o que foi lhe ensinado, ela estava fazendo o certo e cumprindo o seu papel. Mas sinto te decepcionar, Parsons, um dos meus maiores objetivos de vida era poder quebrar um ovo com uma mão só, exatamente como minha mãe fazia às vezes.


Câmbio, desligo!


Conhecimento é Conquista! -FS


A salada, os ovos e o queijo se transformaram nesse belo almoço
A salada, os ovos e o queijo se transformaram nesse belo almoço



 
 
 

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