*Esta é um obra de ficção e qualquer semelhança com a realidade é mera coincidência*
Na biblioteca secreta no subsolo da agência dos Correios no centro do Anhangabaú, em São Paulo, Marcelo não podia acreditar no que acabara de ver pelo pequeno monitor nas mãos de Roberto. A cena era de seu amigo, Daniel, o guarda noturno da agência que também era o responsável por guardar a “cova dos leões”, como a biblioteca era chamada por eles, amarrado a uma cadeira, com a pele do rosto cheia de marcas de queimadura, sangue escorrendo pela boca e olhos roxos e feridos pelas pancadas que os dois policiais que estavam à sua frente haviam causado. Marcelo sentia um mix de ódio, tristeza e principalmente medo. Viu um dos policiais se afastar do corpo de Daniel e ligar um celular. Não podia ouvir o que falavam, pois só tinha acesso às imagens sem som.
O policial que estava no telefone gesticulava alguma coisa com quem quer que seja que estava no outro lado da linha. Assim que desligou o telefone, falou alguma coisa para o parceiro, o mesmo que havia jogado água fervente no rosto de Daniel. O primeiro apontou a câmera do celular para o corpo inerte na cadeira e tirou uma sequência de fotos, enquanto o segundo limpava com um pano as alças da panela que usara para ferver a água e a base do pedaço de madeira que o outro havia usado para bater no rosto do guarda noturno. Marcelo percebeu que ambos estavam limpando as suas impressões digitais. Terminada a limpeza, os dois saíram da cozinha.
Roberto apertou outro botão na tela e procurou imagens que dissessem aonde os policiais estavam indo. Encontraram os dois na câmera 1A, que dava imagens da entrada do saguão principal. Os policiais se dirigiam até a mesa de recepção, no qual ficava o computador que Daniel usava. Roberto apertou o botão B, ao lado no número 1 e uma imagem surgiu mostrando a mesa de Daniel do ângulo oposto. A câmera secreta estava em um quadro que ficava acima da mesa. Os policiais estavam acessando o computador e todas as imagens da agência. Eles entraram no arquivo de imagens daquela noite, provavelmente procurando alguma pista que levasse a Roberto.
- O que eles estão fazendo?
- Estão me procurando. Está vendo aqui… - Roberto apontou para o monitor que segurava uma série de controles que os policiais acessavam - … Eles vão gravar toda a movimentação de hoje para tentar descobrir algo. Felizmente o caminho que fiz para chegar até aqui não possui monitoramento.
- Não! Olha… Eles estão assistindo a partir do momento que eles chegaram na agência.
Viram os policiais assistindo a eles mesmos conversando com Daniel no saguão, imobilizando-o com um soco no estômago, levando-o para cozinha e desconectando os cabos da câmera que filmava o local. O que estava controlando o computador, apagou a sequencia de imagens do banco de dados enquanto o outro foi até as três câmeras de segurança que filmavam o saguão e desconectou-as também.
- Eles estão apagando todas as imagens para não incriminá-los. Nunca ninguém saberá que eles vieram para cá e mataram Daniel. - Era a triste constatação que Marcelo dava para a situação.
- Canalhas…
Voltaram os olhos para o monitor nas mãos de Roberto e viram que os policiais estavam indo embora.
- Precisamos sair daqui, Marcelo!
- Mas para onde vamos? - Lembrou dos seus pais - Eu preciso ir para casa. Preciso saber como meus pais estão.
Roberto não sabia que a polícia havia ido até a casa de Marcelo e não iria saber tão cedo, pois Marcelo sabia que se contasse sobre o telefonema que teve com a mãe há uma hora atrás, Roberto não iria deixá-lo ir até sua casa.
- Tudo bem. A gente vai até a sua casa. - Ótimo, pensou Marcelo - Mas antes precisamos ir até o hotel onde estou hospedado. Precisamos pegar algumas coisas lá para seguir com o plano. - Bosta!
- Eu não vou a lugar nenhum sem antes passar na minha casa. - Protestou Marcelo.
- Meu hotel está perto daqui e com a polícia me caçando, eu não posso esperar para voltar. Não vai demorar muito até eles encontrarem algum rastro meu que os leve até o hotel que estou. Nós vamos, pegamos o que preciso e partimos para a sua casa. Prometo que não vai demorar.
Marcelo não ficou satisfeito. Estava preocupado demais com o que poderia estar acontecendo com seus pais. E se eles estiverem sendo torturados e acabarem como Daniel? Aquele pensamento fez ele tremer. Mas não tinha escolha. Decidiu confiar em Roberto e ligar para casa assim que deixassem a cova.
- Mas eu não posso sair com essa roupa. Eles já devem ter fotos minhas espalhadas por todo canto. Preciso de outras roupas. Espere aqui que eu vou buscar.
- Onde você vai?
- Vou subir até a área de serviço e pegar uma roupa do Daniel.
- Você não pode subir lá. É perigoso.
- Eles já foram embora, Marcelo. - Roberto apontou para o monitor que mostrava a mesa de Daniel e parte do saguão vazio. Apertou outros botões e outras imagens do saguão oriundas de câmeras escondidas e todas elas mostravam que não havia ninguém ali. - Vê? Até as luzes dos carros da polícia sumiram. Eu vou lá. Não demoro.
- Vou junto. De lá, saímos da agência.
- Não iremos sair pela porta da frente. Vamos sair pelo caminho que cheguei até aqui. - Apontou para baixo, para o fundo falso de onde saíra que ficava perto da mesa onde estavam.
Roberto caminhou até o fundo falso que dava acesso ao buraco que Marcelo usualmente usava para acessar a biblioteca, agachou, entrou no buraco e sumiu na escuridão. Marcelo voltou a pensar na família. Temia pelos seus pais. Ficou triste por Daniel. Ele morreu para não falar onde estávamos e para o plano seguir adiante. Percebeu a grandeza de Daniel e de todo aquele plano que se via mergulhado. Farei o que for que tenho que fazer para honrar a sua morte, Daniel. A sua e a de tantos que já devem ter morrido na mão desse governo maldito. Afundado em seus pensamentos, não percebeu que o pequeno monitor que dava acesso a todas às câmeras secretas da agência mostrava uma movimentação. Os dois policiais haviam voltado.
…
Os policiais foram direto até a mesa do saguão que ficava o computador que acessava o sistema de monitoramento interno. Um deles, inseriu um chip USB na máquina, deu um comando e apareceu na tela Copiando.
- Vai demorar isso aí? - Perguntou um dos policiais.
- Acho que não. Por que?
- Estou com fome.
- Foda-se! Tenho cara de cozinheiro?
- Vou na cozinha. Deve ter alguma coisa naquela geladeira.
- Vai logo, então.
O segundo policial deixou o saguão e foi rumo à cozinha. Encontrou o corpo do guarda noturno do mesmo jeito que havia deixado. Sem nenhum tipo de remorso, foi até a geladeira e a abriu. Nada! Não havia nada a não ser água, um pote de manteiga e um saco de açúcar fechado com um pretendo de roupa. Aquilo o deixou com raiva. Bateu a porta da geladeira com força o suficiente para derrubar um pinguim que estava em cima dela. O pinguim havia tombado para o lado e o policial percebeu que atrás dele havia uns fios estranhos. Pegou o pinguim na mão e quando tentou puxá-lo para perto, não conseguiu. Ele estava preso na parede. Que merda é essa? Subiu em uma das cadeiras e analisou o objeto mais de perto. Viu que em um dos olhos do pinguim, havia uma microcâmera. Merda!
- Vamos logo, acabei de fazer o download das imagens… - Disse o outro policial que estava copiando as imagens do computador no saguão quando entrou na cozinha e viu seu parceiro em cima de uma cadeira e segurando um pinguim de geladeira na mão. - Que merda você está fazendo?
- Essa porra aqui é uma câmera! Deve ter filmado a gente o tempo inteiro!
Incrédulo, o primeiro policial foi até perto dele para analisar o objeto melhor.
- Filhos da puta! É uma câmera mesmo! Está ligada em algum lugar.
- Está conectada a esses fios aí na parede.
- Me dá essa merda aqui! - Deu um puxão no pinguim o desconectando dos cabos. - Vamos levar isso aqui para saber se gravou alguma coisa. Vamos sair logo daqui.
Enquanto caminhavam rumo a porta da agência, que deixaram aberta, um dos policiais parou.
- Deixei impressões digitais minhas na merda da porta da geladeira.
- Então vai lá limpar, porra!
Enquanto esperava pelo parceiro, o policial percebeu que uma pequena luz atrás da porta de vidro que dava acesso a área cheia de cadeiras, havia sido acessa. Tem alguém aqui! Pegou na arma, deixou o pinguim na mesa do saguão e foi até a cozinha chamar pelo outro policial. Assim que o encontrou, contou sobre o que tinha visto e foi em direção ao sinal de luz que chamara a sua atenção. Passaram pelas escadas rolantes desligadas e foram rumo à porta de vidro. Passaram pelas cadeiras vazias e viram um feixe de luz saindo debaixo de uma porta. Assim que a abriram, viram uma escada que descia. A luz estava vindo lá de baixo. Desceram, ambos com as armas em punhos. Chegaram até uma área de serviço e viram uma espécie de alçapão aberto.
- Vá ver se tem alguém aqui. - Cochichou para o outro. - Eu vou ver aquele alçapão ali.
O segundo policial seguiu a ordem e caminhou pela área de serviço e viu um armário aberto. Uniformes de seguranças dos correios estavam caídos no chão. Do outro lado da área de serviço, o outro policial analisava a escada que descia daquele alçapão, quando ouviu um barulho de passos.
- Costa? É você?
…
Na cova, Marcelo estava preocupado demais para ficar parado. Viu o pequeno monitor do seu lado e resolveu olhar mais uma vez para Daniel. Ele custava acreditar que seu amigo havia sido assassinado de uma maneira tão brutal. Apertou os botões 13 e B. Mas não havia imagem na tela. Estava tudo preto. A imagem que deveria vir da câmera escondida no pinguim de geladeira não mostrava nada. Estranho… Apertou os botões que levavam às câmeras escondidas no saguão e não viu ninguém, a não ser a porta da agência aberta e luzes dos carros da polícia. ELES VOLTARAM!
Precisava urgentemente avisar Roberto. Enquanto caminhava até o fundo falso do buraco, ouviu um barulho seco e alto o suficiente para saber que estava perto. Um tiro! Seu desespero aumentou mas não ousou seguir caminho para a saída convencional da cova. Eles mataram o Roberto! Ele começou a se sentir enjoado por saber que os policiais poderiam descobrir o caminho da biblioteca. Ele sabia que tudo estaria perdido se isso acontecesse. Não pensou duas vezes até correr para a outra entrada da cova. Aquela que Roberto usara para entrar ali aquela noite. Correu até o outro lado, arrastou a mesa e abriu o fundo falso na parede. Uma movimentação na outra entrada chamou atenção de Marcelo. O fundo falso do outro lado da cova começou a se mexer. Eles chegaram! Marcelo viu uma mão segurando uma arma. Conseguiu ver as cores cinzas do uniforme da polícia na manga do braço que afastava o fundo falso. Imediatamente, Marcelo entrou no buraco que estava e desapareceu.
Como ele não conhecia o caminho, ficou perdido na escuridão e se movia com certa cautela. Lembrou do seu celular que poderia servir para iluminar o caminho. Colocou a mão no bolso e nada. A imagem do seu celular no chão, perto da parede que estava sentado antes mesmo de Roberto aparecer o deixou enfurecido. Esqueci meu celular lá! Passou pela sua cabeça ir buscá-lo, afinal de contas, precisaria ligar para saber sobre seus pais. Mas ao mesmo tempo que pensava no assunto, viu toda a escuridão desaparecer com um enxurrada de luz. O fundo falso do buraco que havia entrado tinha sido removido e Marcelo pode ver a silhueta de um homem agachado. É meu fim!
- Marcelo! O que você está fazendo aí? - Dizia a voz do homem
- Roberto?
- Sai logo daí, cara. Preciso de sua ajuda.
Como um rato, Marcelo deixou o buraco e enfrentou a luz que o cegou por alguns instantes. Com as mãos nos olhos, solicitou ajuda de Roberto que o ajudou a ficar de pé.
- O que aconteceu lá em cima? Eu pensei que você tinha morrido. Ouvi um tiro.
- Fui eu quem atirei.
Assim que os olhos de Marcelo se acostumaram com as luzes, ele percebeu que Roberto estava vestindo com o uniforme da polícia.
- Você atirou?
- Sim! Estava procurando pelas roupas do Daniel quando eu ouvi alguém abrindo a porta da escada da área de serviço. Não daria tempo de voltar para a cova sem ser visto. Me escondi atrás dos armários e quando um policial apareceu, consegui enforcá-lo sem fazer muito barulho. Peguei a arma dele e atirei no outro quando ele me viu.
- Você matou os caras…
- A outra opção era eles terem me matado. Não há tempo para lamentações, Marcelo. Preciso que me ajude a trazer os corpos para cá. E você aproveita e pega o uniforme do outro policial. Deve servir em você. Vamos esconder os corpos aqui. Pegar a viatura deles e ir até o hotel. Pego minhas coisas e vamos ver como seus pais estão. De lá, seguimos com o plano.
- Mas e se perceberem que não somos policiais?
- Quando perceberem, já estaremos bem longe daqui. Vamos, cara. Precisamos nos mexer. - Colocou a mão no coldre e tirou de lá uma arma. - Sabe usar isso?
- Nunca usei.
- Espero que não precise.
Entregou a arma para Marcelo e foram a caminho da saída, rumo à área de serviço onde os dois policiais jaziam. Roberto parou, deu meia volta e foi até a mesa da biblioteca. Pegou o monitor, desconectou do cabo preso à parede e viu as luzes do aparelho se apagarem.
- Agora podemos ir.