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  • Foto do escritorFelipe Schadt

Bruna Surfistinha não seria exibida nos cinemas nazistas

Imagino Hitler horrorizado gritando a plenos pulmões “Nein! Nein! NEIN!!

Produção e elenco do filme Bruna Surfistinha (Imagem: Internet)

> Quando eu era adolescente eu era intrigado com muitas coisas, mas uma delas me tirava o sono às vezes (sem nenhum exagero). Eu, fã da Alemanha (um país que eu não havia pisado ainda na época), me sentia desconfortável nas aulas de história quando dizia-se que foi nesse país, berço de grandes filósofos, que o Nazismo cometeu as piores atrocidades. “Mas como um baixinho austríaco conseguiu convencer uma nação inteira a apoiá-lo em tanta coisa ruim?” A resposta só viria anos depois, na pós-graduação em História que cursei na PUC-SP. Hitler conseguiu dominar o país porque ele dominava o cinema!


“Estamos convencidos de que o cinema constitui um dos meios mais modernos e científicos de influenciar as massas. Um governo não pode, portanto, menosprezá-lo” (1), disse Joseph Goebbels, ministro da propaganda da Alemanha Nazista e que, com seu Ministério da Propaganda, foi responsável por mais de 1350 filmes durante os 12 anos de regime nazista (2).


Uma das funções do Ministério de Goebbels era a produção de filmes propaganda, famosos por enaltecer a figura de Hitler como líder supremo ou demonizar a figura do judeu, basta você assistir o “Triunfo da Vontade” de Leni Riefenstahl e “O Eterno Judeu” de Fritz Hippler, que vai conseguir entender o que estou falando. Mas além disso, era papel do Ministério da Propaganda se livrar de todo tipo de produção cinematográfica que não fosse alinhada com o pensamento nazista.


“O Ministério da Propagada avaliava roteiros, supervisionava atividade em vários estúdios, checando cuidadosamente cada produção finalizada, determinando quais filmes seriam exibidos ou revistos e quais deveriam receber reconhecimento social” (3)

Luiz Nazário, famoso pelos estudos sobre a influência das imagens no regime nazista contidas na sua tese de doutorado Imagens de Destruição: o papel da imagem na preparação do Holocausto, dizia que não era só comum, mas atividade necessária dentro do Ministério “censurar de tudo o que o regime reprovava” (4)


O cinema era, junto do rádio, o maior meio de comunicação dos anos 1930 e sua audiência era gigantesca. Controlá-lo, como dito por Goebbels no início desse texto, era primordial para construir no imaginário coletivo o que era bom e o que não era. Além disso, impedir que outros tipos de ativismos ideológicos não tivessem vez, era de grande preocupação.


Na Alemanha esse combo de produção + controle funcionou. Afinal de contas, todas as ações nazistas, de 1933 até seu último suspiro em 1945, foram não só aceitas, mas aplaudidas pelo povo alemão que, havia sido inundado com propaganda cinematográfica que ditava para ele quem era o herói e quem era o inimigo. Mais, não existia a opção de “ver o outro lado”, pois filmes que mostravam algo diferente do que o governo queria não tinham vez.


Filmes que feriam a moral e os bons costumes eram inimagináveis na Alemanha de 1933-1945. Hitler jamais permitiria, por exemplo um filme biográfico de uma profissional do sexo. Imagino ele horrorizado gritando a plenos pulmões “Nein! Nein! NEIN!! Ich kann nicht zugeben, dass sie Filme wie Bruna Surfistinha's machen” (Não! Não! NÃO! Eu não posso admitir que façam filmes como o da Bruna Surfistinha - em tradução livre). O que as famílias alemãs diriam vendo na tela dos cinemas uma coisa dessas? Hitler não permitiria. Para ele as prostitutas devem ficar no lugar delas e não nas salas de cinemas de todo país.


Esse foi só um exemplo para você entender que o cinema, lugar privilegiado de mensagens, só propagava o que eles achavam que deveriam propagar, mantendo grupos na marginalidade, criando vilões e disseminando ódio e preconceito a tudo aquilo que não fosse aceitável pelo governo dominante.


É claro que hoje o cinema não é mais o grande meio de propagação de mensagens, a internet tomou esse lugar e mesmo assim seria inimaginável um governo tentar controlá-lo. Por isso me dá calafrios só de supor que um governo, em pleno 2019, acene para controlar a produção da maior agência de cinema do país (5). Imagina que horror?


Conhecimento é Conquista

-FS


Fontes:


(1) FUHAMMAR, Leif; ISAKSSON, Folke. Cinema e Política. São Paulo, Editora Paz e Terra, 1976, p. 39.


(2) LENHARO, Alcir. Nazismo, “O triunfo da vontade”. São Paulo, Editora Ática, 2006, p. 53


(3) PEREIRA, Wagner P. O Poder das Imagens: Cinema e Política nos governos de Adolf Hitler e de Franklin D. Roosevelt (1933-1945). São Paulo: Alameda, 2012, p. 87


(4) NAZÁRIO, Luiz. Imagens de Destruição: o papel da imagem na preparação do Holocausto. Tese de Doutorado em História Social. São Paulo: FFLCH-USP, 1994, p. 29.


(5) https://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/2019/07/nao-posso-admitir-que-facam-filmes-como-o-da-bruna-surfistinha-diz-bolsonaro.shtml

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