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Um Web-LIvro de Felipe Schadt

Ilustrações de Jeckson Fernandes

A Novíssima República

Capítulo 10

"O telefonema"

*Esta é um obra de ficção e qualquer semelhança com a realidade é mera coincidência*

Cadê você, Marcelo? As palavras ecoavam na cabeça de Judy que caminhava por uma rua escura cheia de policiais olhando para cada passo que ela dava. Ela sentia medo e queria correr, mas seus músculos não respondiam. A medida que ia caminhando os policiais chegavam mais perto e o medo crescia em seu coração. Cadê você, Marcelo? Dessa vez a voz não saia mais de sua boca e tudo se transformava em um sussurro. Ela escutou um som de telefone. Agudo e estridente. Ela olhou para trás e viu um policial levando para ela um telefone antigo, grande e preso a um fio. Toda vez que ele tocava ele sacudia na mão de seu portador que não tinha nada no lugar do rosto a não ser um borrão de pele distorcida. Ele estica o braço para ela atender o telefone que tocava mais e mais alto. Ela estica a mão e o tira do gancho. Nesse momento um sorriso sem dentes aparece no lugar onde deveria haver um rosto no policial e assim que ela encosta o ouvido no telefone um grito rouco toma conta dos seus ouvidos.

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Judy acordou assustada do pesadelo que acabara de ter com o policial sem rosto. Mas o que acordou ela foi o susto provocado pelo barulho do telefone da residência do Marcelo tocando. Ela rapidamente ficou de pé e saiu do quarto do seu amigo rumo à origem do toque: a sala. Chegando la, viu o telefone residencial. Uma pequena caixa preta que tinha um visor acoplado. A chamada não era de vídeo. Era uma chamada só de áudio e não havia identificação do número. Ela ficou receosa em atender, mas pensou que poderia ser os pais de Marcelo ou o próprio. Tirou o telefone do gancho e antes que falasse qualquer coisa, uma voz rouca do outro lado da linha se adiantou:

- Eles sabem que você está aí. Saia da casa se quiser viver.

Imediatamente o telefone ficou mudo. Judy ficou paralisada e não sabia nem por onde e nem o que pensar sobre a mensagem misteriosa. Quem além do Marcelo sabe que eu estou aqui? Quem iria querer me matar? O que está acontecendo? Seus pensamentos foram interrompidos com um barulho de um carro estacionando na frente da casa. O pânico subiu por sua espinha.

Correu para o andar de cima e foi até o corredor. Olhou para o teto e puxou uma corda que havia ali. Ela dava acesso à uma escada retrátil que levava até o sótão. Antes de subir nela, foi até o quarto dos pais de Marcelo e revirou o criado mudo do lado direito da cama. No fundo da gaveta sentiu a arma que procurava. Era comum a todos os brasileiros terem posse de arma e quase todos guardavam a sua no criado mudo. Ela achava uma lei estúpida, pois qualquer cidadão poderia ter um revólver, mas não poderia usá-lo fora de casa. Verificou o tambor do calibre .38, viu que ele estava carregado e o colocou na cintura. Voltou para o corredor, subiu para o sótão e recolheu a escada na sequência. Ficou parada para recuperar o fôlego, mas se obrigou a prender a respiração quando ouviu passos na escada que ligava o andar de baixo com o corredor dos quartos. Não ousou se mexer. Por uma fresta que existia entre a escada retrátil e o sótão, ela pôde ver as figuras de dois policiais entrando no quarto de seu amigo. Um pouco tempo depois, um deles saiu e foi em direção aos outros quartos. Pôde ouvir um dos policiais sussurrando: Cadê você, Marcelo?

- Nada, a casa está vazia. - Disse o policial que foi verificar o resto dos quartos.

- Será que o pai do cara mentiu para o delegado?

- Ou será que o delegado quem mentiu para o governador?

Judy sacou o celular e ligou a câmera. Não conseguia captar imagens, mas conseguia gravar o som.

- Foda-se! Vamos montar logo o esquema. É aqui nesse quarto, né? - Apontou para o quarto de Marcelo.

- Deve ser. Vou pegar as coisas lá no carro. - Disse o outro enquanto descia as escadas.

- Eu vou avisar o delegado que não tem ninguém aqui.

Judy estava confusa e mais perguntas invadiam a sua cabeça. Enquanto um explicava pelo celular que não havia ninguém na casa, o outro policial voltou. Ela viu, pela fresta da escada, que ele estava segurando um pano verde e uma sacola cheia de coisas que não conseguia ver. Os dois policiais entraram no quarto e sua curiosidade foi maior do que seu senso de autopreservação. Colocou seu celular na fresta da escada e conseguiu, de ponta cabeça, apontar a câmera do seu aparelho para o quarto do amigo. Começou a filmar o que os policiais estavam fazendo.

Ela viu, pela tela do seu celular, que os policiais estavam colocando câmeras de vídeo em tripés, penduravam um tecido verde na parede e abriam um notebook em cima da cama. Um dos policiais percebeu que havia esquecido algo e se virou para sair do quarto e ir buscar o que quer que tinha esquecido. Judy tentou puxar o celular para cima e, na ânsia de fazer isso rápido, seu aparelho escapou de sua mão e só não caiu no meio do corredor que dava acesso aos quartos, pq ele ficou preso na fresta que a escada retrátil fazia com o sótão. Para sua sorte, o policial não viu o celular dela preso no teto do corredor. Com muito cuidado e quase sem respirar, ela puxou o celular de volta e sentou no chão do sótão tentando acalmar seu coração.

- Como assim não tem ninguém na casa?! - Gritou o enfurecido governador Normando Privius.

- É provável de que nunca esteve lá, pois coloquei uma guarnição no início da rua assim que soubemos da possível entenda do Marcelo na casa. Eles não viram ninguém saindo da casa até agora.

Privius andava para um lado e para o outro dentro de uma sala privada na delegacia enquanto o delegado Vimo Magalhães tentava entender a situação.

- Então é óbvio que o pai dele mentiu! Talvez ele só queria nos desviar o foco. - Um soco na mesa no centro da sala foi a reação do governador para extravasar sua raiva.

- Ele mostrou a mensagem que recebeu do sistema de segurança. Não acredito que ele tenha mentido…

- Faça ele piar, Vimo! Eles está escondendo algo. - O governador pegou seu celular e esperou ser atendido. Assim que o outro lado da linha atendeu, voltou a gritar. - Traga o Angelo Franco na sala de reunião agora!

- O que você está fazendo?

- Trazendo ele para você. Ele com certeza mentiu para nós.

- E se o Marcelo ainda estiver na casa? - Sugeriu Vimo. - E se o pai não mentiu e o filho só esteja em algum lugar bem escondido?

- Os policiais disseram que vasculharam a casa, não disseram?

- Disseram, mas eu já vi muita coisa nessa vida, governador. A casa deles é uma casa antiga, pode muito bem haver um esconderijo em algum lugar.

Não deu tempo de Privius pensar numa resposta. Um policial abriu a porta e introduziu na sala Angelo Franco que ficou espantado com a presença do governador.

- Boa noite, senhor Franco. Sou Normando Privius, serei nomeado pelo presidente para ser governador da província do Sudeste.

- Sei quem é o senhor. Muito prazer. - Estendeu a mão para apartar a de Privius.

- A pouco o senhor dos deu uma informação sobre o paradeiro do seu filho. O senhor dos disse que ele estava em sua residência… Mas parece que não está!

Angelo olhou confuso para o governador e para o delegado que tomou a palavra.

- Angelo, você mentiu para nós?

- Nunca! Eu… Eu jamais mentiria em um assunto tão sério! - Angelo estava assustado e quando tentou continuar sua explicação, Vimo o acertou em cheio na barriga fazendo-o perder o ar. Caído no chão, ele alternava a fala com a respiração ofegante. - Eu juro! Olhe meu celular… Eu recebi a notificação do sistema de segurança de que alguém havia entrado… Pode olhar!

- Quais as chances desse sistema de segurança ser uma fraude igual a você? - O delegado Magalhães estava incisivo.

O governador agachou perto de Angelo e disse calmamente para ele:

- Senhor Franco… Não nos obrigue a te machucar. Só queremos que o senhor continue sendo um patriota e não nos esconda nada. Se seu filho entrou na casa como o senhor disse que ele fez, por que os meus homens não estão encontrando ele?

- Eu juro que eu não sei! Ele só pode estar dentro de casa… - As lágrimas brotaram no rosto de Angelo.

Vimo deu um chute certeiro no estômago de Angelo que se contorceu de dor. Enquanto ele se recuperava do chute, Vimo sacou uma arma de choque e disparou contra o pescoço dele. Mais gritos e mais dor.

- Cadê o Marcelo?! - Gritou o delegado

- EU JURO POR DEUS QUE EU NÃO SEI! - Implorou, Angelo completamente desesperado.

O delegado chegou perto de Privius e disse baixo o bastante para Angelo não compreender:

- Ele não mentiu para nós. O Marcelo entrou naquela casa e segundo os meus homens, ele não saiu.

O governador não ficou satisfeito e agachou mais uma vez para falar com Angelo.

- Senhor Franco, existe algum lugar na sua casa no qual o Marcelo e seu comparsa podem estar escondidos? Por favor, pense. Não nos obrigue a descobrir isso à força, por favor.

Angelo pensou por um instante e sem nenhuma ideia, começou a sentir desespero ao ver a impaciência do delegado. Por mais que se esforçasse para pensar, nenhuma ideia saia da sua cabeça. Vimo ligou a arma de choque e foi pra cima dele quando Angelo gritou:

- O SÓTÃO! O SÓTÃO! Ele pode estar escondido no sótão.

Vimo pegou o telefone e falou com um dos policiais que estava do outro lado da linha a informação que acabara de receber.

- É bom que esteja certo dessa vez, Angelo! - Disse Vimo Magalhães com um tom ameaçador.

Tenente Romildo tinha acabado de colocar o celular no bolso quando chamou seu parceiro, o cabo Nogueira, e apontou para o teto do corredor. Os dois viram um estranho quadrado com uma ponta de corda em uma de suas bases. Perceberam que ali funcionava um sótão e que se houvesse alguém naquela casa, aquele seria o único lugar. Puxaram a corda e uma escada retrátil desceu até o corredor. Os dois se encararam e subiram a escada. Na frente, Romildo foi o primeiro a colocar a cabeça para ver o que tinha no local. Rapidamente apontou a arma junto com a sua lanterna para iluminar o caminho e ameaçar qualquer coisa que estivesse na sua frente. Tudo quieto e escuro. Ficou de pé no sótão e ajudou seu companheiro a entrar no recinto. De armas em punhos, os dois policiais fizeram uma varredura no local, mas não havia sinal de nenhuma viva alma por ali. Se dividiram e cada um foi para uma extremidade.

O cabo Nogueira foi na direção de uma caixa d’água que havia ali. Bem devagar, rodeou-a e não encontrou ninguém escondido atrás dela. Deixou ela para trás. Do outro lado, o tenente Romildo também não teve sorte e não encontrou nada a não ser caixas e algumas baratas.

- Não tem ninguém aqui, tenente. - Disse Nogueira.

- Aqui também está limpo. É óbvio que o pai do cara está mentindo.

Quando os dois se encaminhavam para descer a escada, Romildo parou subitamente e fixou olhar na caixa d’água. Grande o bastante para esconder duas pessoas, pensou. Sinalizou com as mãos para o cabo segui-lo sem fazer barulho. Apontou a arma e seguiu em direção da grande caixa azul. Assim que chegou perto dela, pediu para Nogueira abrir a tampa enquanto ele apontaria sua arma para dentro. Contou com sinais de cabeça Um… Dois… Agora!

Nada a não ser água. Desapontados, fecharam o recipiente novamente e se dirigiram para a escada retrátil.

- Espera um pouco. - O tenente Romildo viu algo estranho no chão perto da caixa d’água. - Vem ver isso.

Uma fresta de luz que se formava no chão. Apagou a lanterna e ela ficou mais evidente. Olhou para cima, na direção de onde a luz vinha e percebeu que em cima da caixa d’água uma das telhas estava solta. Alguém havia removido ela de dentro pra fora e não conseguiu colocá-la no lugar. Percebeu o que havia acontecido. Pegou o telefone e mandou uma mensagem para o delegado Vimo.

Eles fugiram pelo sótão. Saíram pelo telhado. Perdemos eles.

Judy já estava colocando o capacete e subindo na moto. Tudo aquilo a deixava cada vez mais nervosa. Precisava ir para casa, mas se alguém estivesse atrás dela, provavelmente iriam procurá-la em seu apartamento. Ir para uma delegacia estava fora de questão, já não podia confiar na polícia. Ela precisava mostrar aquele vídeo que havia filmado para alguém e tentar entender o que aqueles policiais estavam tentando fazer no quarto do Marcelo. Correndo risco de vida e com muitas perguntas, Judy ligou a moto. Ela não sabia para onde iria, mas tinha certeza de que não poderia ficar ali.

Roberto estacionou a viatura dois quarteirões do Hotel Hawkmoon, na Zona Sul de São Paulo. Era um hotel de luxo que abrigava celebridades de todos os tipos. Uma diária em um de seus quartos mais simples custava dois salários de um trabalhador de classe média. Isso fazia do local uma fortaleza contra intrusos e um dos lugares mais seguros para seus hospedes, sejam eles quem for.

- Coloque o boné, Marcelo. Vamos entrar andando.

Marcelo obedeceu e os dois caminharam até hotel. Enquanto caminhavam, Roberto pediu para Marcelo o celular que havia deixado com ele para fazer uma ligação. Em menos de um toque, o telefone tinha sido atendido.

- Alô! Preciso de cobertura para entrar. Estou com uma pessoa e estamos vestidos com uniforme da polícia. - Uma voz soava do outro lado da linha. - Certo, entendi.

Roberto desligou o telefone e entrou em uma viela que dava acesso à área de serviço do hotel, que era por onde os funcionários da limpeza entravam e saiam. Ali, um grande portão de ferro impedia a entrada de estranhos. Os dois ficaram parados ali.

- O que estamos esperando? - Quis saber Marcelo

- Eles abrirem para gente.

- Eles quem? Você tem algum contato aqui dentro?

- Não!

- Então como vamos entrar?

- Eu sou um hóspede.

Um barulho de ferro contra ferro fez o portão ranger e uma figura distintamente vestida apareceu. Roberto mostrou um cartão prateado com os números 269. O sujeito no portão tirou um mini scaner e apontou para o cartão. A maquininha fez um sinal verde e o anfitrião deixou os dois entrarem. Antes de fechar o portão, olhou para fora se certificando de que não havia ninguém ali.

- O elevador de serviço está a sua disposição senhor. Precise que eu leve alguma coisa para seu quarto? - Disse o funcionário do hotel.

- Por hora não, obrigado. Eu só não quero ser incomodado. - Respondeu Roberto.

- Claro, senhor.

Assim que entraram no elevador, ele apertou o botão 26. As portas se fecharam e as perguntas de Marcelo começaram. Roberto explicou que aquele hotel abrigava muita gente importante e que a discrição era o forte do Hawkmoon.

- Eles recebem pessoas que têm muito dinheiro. Sonegadores, políticos, cafetões, lobistas e todo o tipo de gente que possa pagar por uma estadia aqui. O hotel não quer saber o que você faz ou deixa de fazer, aqui eles só querem saber do seu dinheiro. Se você pagar bem, eles podem fazer de você um hospede fantasma, apagando todos os registros de entrada e saída. Aqui é onde o ricos encontram suas amantes, onde o submundo da elite faz seus negócios espúrios e onde os políticos armam seus contratos fraudulentos e acordos corruptos, tudo sem serem incomodados, questionados ou revelados. Dependendo do seu dinheiro e da discrição que quer ter, você ganha um desses. - Mostrou o celular. - Um celular sem registro que está vinculado 24h com os atendentes desse hotel. Uma ligação de qualquer lugar e esses caras te buscam.

- Mas isso não poderia causar problemas para o hotel, caso esse celular caísse na mão da polícia, por exemplo?

- O Hawkmoon tem segredos de praticamente toda a elite de São Paulo. Quem iria se meter a besta de tentar causar problemas para esse hotel? Se a polícia fechar esse lugar, onde é que toda essa gente poderosa vai se reunir? Todo mundo tem o rabo prezo aqui e por isso ele continuará sempre funcionando independente de quem seja seu hóspede.

- O dinheiro é muito maior que a lei.

- Exatamente.

O elevador chegou no 26º andar. Os dois seguiram em direção ao quarto 269. Precisavam seguir com o plano. Marcelo não sabia bem o que eles foram buscar ali, mas sabia que o que quer que fosse, ele já não poderia voltar atrás.

Lisa já havia desistido de tentar quebrar o vírus do chip USB que estava no computador. Ela estava cansada e esperava pelas exigências que havia feito para o capitão Carvalho. Enquanto isso, trabalhadores desmontavam as estruturas da festa para deixar a Avenida Paulista pronta para o tráfego a partir das seis da manhã. Viu o capitão se aproximando e antes que pudesse se justificar pela desistência, o sujeito fardado trouxe notícias.

- Já arrumei todos os equipamentos que você solicitou. Tudo está sendo devidamente montado para você poder trabalhar no chip. Liguei para o presidente e ele exigiu que você tivesse o máximo de conforto e tranquilidade para fazer seu trabalho, mas também pediu que você se empenhasse em tentar resolver isso nas próximas horas.

- Com o equipamento certo, consigo descobrir a procedência do chip e passar a localização para vocês.

- Ótimo. O carro está te esperando. Pedirei para que alguém leve esse computador aqui junto. - Apontou para o computador no qual o chip USB estava instalado.

- E para qual base do exército eu vou?

- Nenhuma. Você vai para um lugar mais discreto. - Entregou para ela um cartão prateado com os números 268. - Apresente isso e te levarão para os seus equipamentos.

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