Diário de Bordo #16 - O Paulista garantiu a páscoa de Jundiaí
- Felipe Schadt
- 20 de abr.
- 5 min de leitura
Atualizado: há 5 dias

> Quando o árbitro apitou o fim de jogo, vi o Júlio seguir em direção a parte de baixo da arquibancada, rumo ao alambrado. Não pensei duas vezes e o segui.
Assim que chegamos, ficou nítido que ele queria subir e se pendurar na grade que separa a torcida do campo. Ofereci as mãos para fazer “pezinho” e ele subiu, se pendurou no alambrado e comemorou o a vitória do time de Jundiaí.
A Páscoa para o torcedor do Galo da Serra do Japi chegou na noite do sábado. Rolou chocolate, milagre e até ressurreição.
Câmbio!
…
Era uma quinta-feira comum e ordinária. Nada de novo na minha vida de adolescente no ano de 2005, mas uma visita inesperada do meu padrinho mudaria pra sempre minha vida.
“Se arruma aí que vamos ver no estádio!”, ele disse sem rodeios. Eu tentei questionar mas fui impedido pelas suas palmas de pressa. Eu nunca havia pisado num estádio de futebol antes, minha mãe sempre teve muito medo de me deixar ir. Além disso, o único que poderia me levar era meu padrinho, mas ele sempre foi palmeirense e eu corintiano.
“Mas você não vai me levar num jogo do Palmeiras não né!?”, questionei enquanto me arrumava. Ele fez um não com a cabeça e disse: “Melhor, hoje vamos ver o Paulista!”.
Eu não sabia que Jundiaí tinha um time, ainda mais um time que estava às portas de completar 100 anos e que, naquele ano de 2005, empolgava a cidade com sua promissora campanha na Copa do Brasil. Fui descobrir tudo isso no caminho do Estádio Dr. Jayme Cintra com meu padrinho explicando cada detalhe.
“Hoje precisa ganhar do Inter (Porto Alegre) para levar para os pênaltis e se classificar para as quartas de final”, explicava Pituca, meu tio padrinho louco por futebol. Isso só me animava, pois minha primeira experiência em um estádio de futebol seria com um jogo importante.
Eu não vi muita coisa, afinal eu me recusava a usar óculos mesmo com minha miopia que já passava dos 2 graus (e que aumentaria severamente no futuro), mas me lembro da explosão da torcida no único gol do jogo que fez o Paulista decidir a vaga nos pênaltis.
Forçando a vista para enxergar o máximo que eu podia, vi o jogador do Inter ir bater seu pênalti e a bola acertar o travessão, bater no chão e ir pra fora. Como eu, o árbitro Djalma José Beltrami Teixeira também não viu o lance direito e decretou que a bola, que claramente havia batido dentro da linha após explodir no travessão, não entrou, garantindo assim a vitória e a classificação do Galo da Serra do Japi para as quartas de final da Copa do Brasil que, semanas mais tarde, se consagraria campeão.
Quase 20 anos depois, eu voltaria para o mesmo Jaime Cintra para ver outro jogo importante: Paulista x Nacional, valendo vaga para a final da série A4 (quarta divisão) do campeonato Paulista e, de quebra, o acesso à A3.
Eu nem sabia do jogo. Acompanhava o paulista de longe pelas notícias que apareciam no meu feed graças a boa vontade do algoritmo. Foi num sábado, no tradicionalíssimo Bar do Lu que o Júlio César me fez um convite: “Bora ver o jogo do Paulista sábado que vem, Felipão?”.
Sábado de feriado prolongado, ingresso à R$10, jogo em Jundiaí, valendo vaga para a final e o acesso com apenas um empate? Não tinha porque eu dizer outra coisa a não ser: “Bora!”.
Conheci o Júlio em uma escola que trabalhamos juntos e a amizade nasceu rápido e, felizmente, resistiu a minha saída do colégio. Já colecionamos boas histórias juntos, prometo contá-las algum dia. Ele é um fã inexorável do Paulista de Jundiaí que tinha se afastado do estádio por motivos que nem ele mesmo sabe explicar. Esse fato fez o meu amigo professor de história contar os dias para o dia do jogo.
O dia chegou e o mundo caiu. Uma chuva torrencial varreu Jundiaí durante a tarde, mas isso não nos tirou a animação. Se fosse necessário, seria com chuva mesmo! Chegamos às 17h - duas horas antes do jogo - no estádio graças a carona da Luiza, esposa do Júlio. E sabe o que você faz quando chega muito cedo no estádio? Bebe!
Foram várias cervejas num bar que estava abarrotado de torcedores do Galo. Tudo parte do aquecimento da torcida para o jogo. Eu resolvi me jogar e, como o Júlio, encarnei o fanático fã do time de Jundiaí.

E a chuva continuava caindo, mais fraca, é verdade, mas parecia que ficar seco não seria uma opção. Porém, a semana santa nos reservaria um milagre: pouco antes de entrarmos no estádio, fim da chuva (que só voltaria quando já estivéssemos longe do Jaime Cintra e abrigados no mesmo Bar do Lu.
Dentro do estádio, queríamos ficar no meio da torcida e, alguns passos pra lá, umas “desculpa posso passar” pra cá, chegamos no meio da arquibancada. Era o lugar perfeito dentro do caldeirão que o Jayme Cintra se tornou naquela noite de sábado.

Não sabíamos o nome de metade do time, mas o que importava? Queríamos era ver o Paulista sair do jogo classificado e, o que já parecia ser fácil, ficou uma baba!
Foram três gols do time da casa, fora o baile contra o impotente Nacional que sucumbiu ante a pressão dos quase 9 mil torcedores que lotaram o estádio de Jundiaí. Foi um verdadeiro chocolate, muito propício para a véspera de Páscoa.
A cada gol, uma explosão compartilhada. A cada lance do time adversário, insultos futebolísticos aos jogadores rivais. Tudo parte do script desse esporte bretão que amamos tanto. Porém, a catarse mesmo veio com o apito final! Alegria, festa e alívio.
O Júlio desceu a arquibancada correndo. Eu o segui, afinal ele havia brincado que invadiria o gramado. Eu duvidei, mas o segui mesmo assim. Vai que né!?
No alambrado, um muro de pouco mais de 1,50 metros dificultava aqueles que queriam se pendurar ali. Ofereci minhas mãos como “pezinhos” para ajudá-lo a subir e se agarrar à grade que separava o campo da arquibancada. Tomei um chute na boca no processo de subida do meu amigo, mas valeu à pena. E ali, o grande fã do time da cidade que nasceu cantava os gritos de guerra com os jogadores e o restante da torcida que não arredava o pé do estádio.

O Paulista iniciou nesse sábado a sua dura caminhada para a elite do futebol de São Paulo. Ainda faltam duas divisões para serem superadas, mas a ressureição do Galo do Japi - de Campeão da Copa do Brasil 2005 a time quase falido na última década -, tinha se iniciado e comigo de testemunha ocular.
Chocolate, milagre e ressureição. Uma Páscoa para nenhum jundiaiense botar defeito.
Câmbio, desligo.
Conhecimento é conquista.
-FS
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